quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um público de adiantados mentais

Quem fala assim acaba em boa companhia
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO 
Um dia fui estudante de engenharia. Era interessante ver o “respeito” das pessoas, porque naqueles tempos um canudo de engenharia trazia uma garantia: se o cara não ficasse rico, pelo menos ia ganhar uma grana legal. A educação ainda era fator de mobilidade social e promessa de um futuro brilhante. E no país do “você sabe com quem está falando?” isso faz muita diferença.

O problema é que eu não tinha o menor tesão por aquilo. Um dia recebi um convite para trabalhar no jornal A Notícia e larguei a faculdade na hora. Aí o papo começou a ficar diferente. Tinha gente achando que eu era maluco por deixar a engenharia, uma profissão com futuro, e ir para o jornalismo, onde a grana era escassa. E o pior: como não queria deixar de estudar, fui fazer um curso de história. Teve gente achando que eu era doido de pedra.

Ok, leitor e leitora, não estou aqui para fazer psicanálise. Só falo nisso para introduzir o tema de hoje: um comentário de Luiz Carlos Prates sobre a inutilidade dos cursos de ciências humanas, que ele considera áreas “menos nobres” da universidade. O homem vai mais longe e descreve as humanas como um lugar de fracassados, de “gente que não deu para nada, não consegue passar em vestibular nenhum” (filme no fim do texto).

Feita a introdução, vou me antecipar e dar o veredito, mesmo antes de apresentar os argumentos: o que o homem diz é um chorrilho de besteiras, fruto de muito preconceito social e ignorância em relação ao mundo acadêmico. Aliás, faz lembrar um ditado muito usado aqui em Portugal: “não vá o sapateiro além dos sapatos”. Porque a academia seguramente não parece ser a praia do tal Luiz Carlos Prates.

NA POLÍTICA - Antes de prosseguir devo dizer que nunca prestei muita atenção ao sujeito (mesmo quando ainda vivia no Brasil). É natural. Ele fala para um público do qual eu não faço parte: os conservadores de sangue nos olhos. E todos sabemos que para agradar essa gente é preciso repisar os mesmos temas. O ódio aos pobres. O ataque fácil aos políticos. O moralismo histriônico. O elogio da ditadura. E exercer a arrogância típica dos letrados iliteratos.

Quando enfatiza as “greves” e as “bandeiras vermelhas na praça”, o homem deixa claríssimas as suas posições políticas e as intenções da intervenção. Alguma dúvida? Afinal, nas palavras do próprio, quem tem competência e vergonha na cara não sacode bandeira vermelha em praça pública. Ou seja, a sociedade ideal de Luiz Carlos Prates é aquela de gente submissa e acabrunhada que aceita a ordem “natural” das coisas: nada muda e não se luta por uma vida melhor.

NA ACADEMIA – Quando fala no plano acadêmico, é derrapada atrás de derrapada. Numa distração, o homem diz que o país precisa de língua portuguesa. Uai! É uma ciência exata? Não parece. Se bem que os conservadores gostariam de engessar a língua. Porque linguagem é pensamento. E linguagem de qualidade (a compreensão dos conceitos) é pensamento de qualidade. E se houver pensamento de qualidade não há quem ature tipos como ele na televisão.

O terceiro-mundismo mental de Luiz Carlos Prates fica patente na afirmação de que “pós-graduação e doutorado no Brasil valem menos que o segundo grau na Alemanha”. A lógica do colonizado é simples: “se é alemão é bão”. Mas é o tipo de conversa de quem entende nadinha do assunto. O homem não deve conhecer o Processo de Bolonha e nem saber das suas consequências.

Não vou tentar explicar Bolonha, porque venho de uma área menos nobre da academia e a minha opinião não ia contar. Mas mantenho a ideia de que é preciso estudar porcarias como história, geografia, pedagogia ou sociologia para ler o mundo. Porque a ciência e tecnologia só fazem sentido se forem feitas para as pessoas. E as pessoas são humanas.


Pelo discurso, imagino que Luiz Carlos Prates seja um estudioso de física quântica, neurocirurgia ou células estaminais e que eventualmente tenha um doutorado feito na Europa. Deve ser por isso que só fala para um público de adiantados mentais.



37 comentários:

  1. Olha Baço, perder tempo com este crápula seria a mesma perda de tempo de falar dos pseudo-jornalistas radialistas daqui. É tudo farinha do mesmo saco, ganham dinheiro por linha ou minuto de ódio contra petistas, pobres, negros e homossexuais. O espaço deles tá reservadinho na casa do capeta.

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    1. Tá certo que o capeta é mau... mas não o suficiente para ter que aturar essa gente toda.

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  2. Simplesmente perfeito! Dá, aliás, para notar que, ao menos, aproveitaste bem as áreas menos nobres da academia... :)

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  3. Me ri, esse cara as vezes fala alguma coisa interessante, mas a idiotia de algumas idéias berradas com raiva , sobrepõe toda aquela idéia anterior. Mencionado a Folha de SP também não merece muito crédito.

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  4. Traduzindo:
    Tambores " Olodum" Na visão dele macumba.
    Pé na Cara " Capoeira" Coisa de gente desocupada.
    Pintar parede " Grafite " Na visão dele pixação.

    Os três tem em comum a raíz da comunidade negra, refém dos senhores feudais , comerciante de humanos, da qual o cidadão deve ser herdeiro. Quem dera a ele voltar o tempo de vender escravos para encher o seu bolso, e tirar " essa gente " das filas de bancos, das estradas, dos Schoppings, das praias, dos lugares em comum, para que o Senhor Feudal tenha o "seu direito de ir e vir" sem que nenhum "preto" ou "pobre" atrapalhe seu caminho com trânsito, "falta de educação" , pessoas de má índole, assaltos, ou seja, a gente fedida ao qual ele se refere!

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    1. Bem... não vamos esquecer que ele acabou demitido da RBS por causa dos pobres e dos carros.

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    2. a RBS tem que demitir muitos "Prates" ainda.

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  5. A algum tempo desisti da televisão. Optei somente por me informar lendo (jornal, revista, internet).

    Ao ler, ao invés de assistir e ouvir, acredito que ficamos mais livres para interpretar.

    Mas me lembrava do Prates dos tempos da RBS ainda. Não sabia que ele estava no SBT.

    Deve estar sofrendo do mesmo mal da Sheerazad (Aquela do videozinho do outro post)...

    Agora, particularmente eu acho que ele tem razão quando diz que a qualidade do ensino médio na Alemanha é superior a muitos cursos de pós no Brasil.

    O que aconteceu é que o contexto da explanação ficou contaminado pelo preconceito que ele carrega no cérebro e o ódio que leva no coração.

    As vezes, na ânsia de externar nossas angústias, deixamos nossas frustrações sair do armário e acontece isso ai, falamos bobeira.

    Bem no fim da até dó...

    NelsonJoi@bol.com.br

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    1. O ensino médio na Alemanha é melhor que em muitos lugares. Mas, pelo que julgo saber, é muito centrado no trabalho. Os caras chamam a coisa de sistema dual - Portugal anda querendo implantar também - e consiste em aprender na teoria e experimentar na prática. Mas a questão da educação é mais complexa que isso e é preciso ver com um olhar humano. No entanto, no neoliberalismo só importa a economia.

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    2. Exato.

      A tempos li algo sobre o assunto que me deixou impressionado. De manhã a molecada vai para a aula tradicional e a tarde voltava para o colégio para trabalhar no pesado mesmo.

      Tipo se você imagina que quer ser engenheiro mecânico, vai ficar a tarde trabalhando em uma oficina que funciona dentro do colégio, e assim por diante com outras profissões.

      Acredito que se no nosso País fosse semelhante, você não teria tido que abandonar a engenharia na faculdade né?!

      Já teria descoberto bem mais cedim...

      NelsonJoi@bol.com.br

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  6. Baço, pensa... e não menospreze a profundidade da análise da criatura com relação à capacidade dos indivíduos de não serem aprovados em cursos mais "nobres". Ele entende do assunto pois é formado em Psicologia pela PUC-RS. Por falar em cursos "menos" nobres, vou procurar um psicanalista...rsrs!

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    1. Exato. Nenhuma ciência é mais exata que a psicologia. Popper que o diga...

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  7. O Prates as vezes é criticado pois fala a verdade.... fala o que mtos para se manter bunitinho na sociedade apenas pensam e não falam pra mim esse cara dificilmente fala algo que não seja verdade ou correto...e cito mais sobre o texto do vídeo Enfermagem é a faculdade dos frustrados que queriam fazer medicina mas não possuem dinheiro nem competência pra isso...e daí saem os enfermeiros grossos sem vontade e ineficientes nos hospitais ....abraços a todos quando se fala uma verdade se é criticado isso é Brasil e sempre será assim

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    1. Não confunda os seus preconceitos com a verdade, Anônimo.

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    2. A verdade é só o que o Baço fala, aham...

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    3. Olha, eu nunca falei asneiras e idiotices só para me manter "bunitinho" na sociedade...

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  8. Meu caro Anônimo das 15h44min. Qualquer pessoa que faça cursos menos nobres, como eu fiz, desconfia do conceito de verdade.

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  9. O Prates em silêncio é muito mais saudável para a sociedade.

    O aparecimento do Prates na telinha, para os críticos de bom senso, funciona como o alerta para apertar o tecla "desliga".

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  10. Infelizmente no Brasil ainda existem dois grandes preconceitos. O primeiro diz respeito aos cursos considerados bons, aos olhos das sogras e cia.

    -Engenharia ( todas quase 100 especialidades )
    -Medicina ( com 2 especialidades sendo uma a veterinária)
    -Direito ( Inacreditavelmente sem especialidade nenhuma )

    Outro grande preconceito refere-se as cadeiras exatas, quem conquista boas notas em matemática, física etc.. sofre bulling. Se o cara não soubre matemática nem conferir o troco vai poder, quanto mais calcular valor do trabalho.

    Neste ponto concordo com o raivoso articulista da SCC, precisamos investir no ensino de cadeiras exatas, mas ao contrário dele justifico para equilibrar os saberes hoje tão desprezados e permitir a ascensão social pelo conhecimento e trabalho.

    As ciências humanas estão sempre entre as que mais formam profissionais e mais interferem na vida das pessoas. Infelizmente os economistas, administradores e contabilistas pinçados para cargos no governo federal não parecem ter sido os melhores de suas turmas.

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  11. É claro que precisamos investir em ciência e tecnologia, Dirk. Isso ninguém questiona. Mas isso não implica em rejeitar outros olhares. A propósito, Jean Baudrillard considerava os arquitetos como exemplo de profissionais completos.

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    1. Pois esse Jean não conheceu os Arquitetos do IPPUJ...

      NelsonJoi@bol.com.br

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  12. Na faculdade fazíamos uns comentários bem maldosos sobre os estudantes de arquitetura, mas acredito que eles falam outras bem piores dos acadêmicos de desenho industrial.

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  13. Sandro- O Mercenário31 de maio de 2013 às 12:56

    Alguém falou em arquitetos aí? Faço entrada +04 parcelas mensais,
    incluindo nota fiscal e assisência na obra.Topaxx?

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  14. Os que clamam pelo fim dos "Prates" e "Sherazades" tem aversão por opiniões diferentes das suas.
    A discussão que gera uma fala dessas personalidades, por si só, deveria justificar sua manutenção nas mídias e até um espaço de maior destaque.
    A opinião deles não é dada para ser acatada, mas sim para ser pensada e para contribuir para a formação de novas opiniões.

    Outra coisa: É engraçado ver o cara reclamando de "preconceito" e soltando "Nenhuma ciência é mais exata que a psicologia"? É um "Prates" falando de outro.

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    1. Olhando por este lado...

      NelsonJoi@bol.com.br

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    2. "A opinião deles não é dada para ser acatada, mas sim para ser pensada e para contribuir para a formação de novas opiniões."

      Esse seria o ideal, Diego, entretanto, por se tratar de televisão e principalmente de jornalismo, a chance desse tipo de comentário ser aceito como verdade absoluta e guardada como valor e opinião por parte dos telespectadores é enorme. Em parte do público não há reflexão, pois é "exatamente o que querem ouvir".

      O Prates apresenta sua opinião e eu discordo totalmente. Triste é saber que acontece o que eu explanei no parágrafo acima, e não são poucos casos.

      Att.

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    3. O Prates pediu o fim dos cursos de humanas, Diego. Não vi ninguém pedindo o fim do Prates. Que tal um curso de humanas para aprender corretamente um texto?

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    4. Esse Clovis é um boçal. Putz

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    5. Boçal? Só isso? Depois que alguns anônimos só faltaram xingar a minha mãe, dizer que eu sou boçal nem faz mais cócegas.

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  15. Impecável sua opinião. Parabéns!

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    1. Essa Fifi é paródia da secretária Bonessi?

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  16. Penso que não existe profissão, formação ou profissional melhor ou pior que o(a)a outro(a). Todos possuem papel fundamental na sociedade. Pra sermos bons profissionais precisamos de paixão, comprometimento e resultado. Não sou muito religioso, mas acredito que todos somos iguais perante Deus, cabe a nós sermos competitivos e buscarmos nosso espaço apesar das dificuldades, diferenças sociais, entre tantas outras coisas. Enfim, temos todas as condições de chegar lá, mas claro que nada é fácil e muito menos cai do céu. Nesse vídeo o Prates foi muito radical, viajou! Legal o texto, vale a reflexão. Abraço, Getulio Fanezze

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  17. Logo a engenharia brasileira: caquética, atrasada, esnobe.
    Prates, vá pra PQP!

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  18. Me permite fazer o advogado do diabo?

    Quero dizer que também discordo do que ele falou e discordo de várias coisas que ele fala. Mas antes de mais nada é uma opinião dele. Acho importante ter pessoas na grande mídia falando o diferente, já temos tantos que se limitam no mesmo para não se arriscarem a causar polêmica ou sujarem o nome.

    Eu sei que é difícil manter a calma com essa besteira que ele falou (ainda mais da forma energética que ele fala).

    Mas temos que tomar cuidado com o que a gente deseja, se não vamos acabar simpatizando com a censura, querendo ver ele fora da TV.

    Gostei do texto, muito bem escrito.
    Boa reflexão e uma ótima semana.

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  19. Entendo e concordo (em partes) com seu ponto-de-vista. Penso que antes das exatas precisamos das humanas, afinal somos humanos. O que percebo nos comentários do LCP é que o cidadão deve se dedicar ao que realmente tem vocação. Ele não denegriu as ciências humanas, ele apenas falou dos que recorrem a essas áreas quando não sabe o que realmente quer, quando não identificam sua vocação e depois atuam no mercado de modo "meia-boca" e reclamando da vida. Concordo com ele nesse ponto. Precisamos de amor e afinco a nossa vida profissional, independente da área que atuamos (humanas ou exatas). Penso que precisamos de um salto na educação, em todos os aspectos, humanos e tecnológicos. Para isso é cada vez mais necessário pessoas com paixão pelo que fazem, com disposição em compartilhar conhecimento para instruir e educar as próximas gerações. Abraço, Getulio Fanezze

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