POR FABIANA A. VIEIRA
Qual o fascínio de uma bola de couro sendo chutada prá cá e para lá? Talvez a expectativa de um gol como instante mágico do delírio coletivo ou uma jogada plasticamente exultante. Ou talvez seja o sentimento de pertencimento a um agrupamento, tão abandonado modernamente, de uma torcida gritando ao mesmo tempo o nome do mesmo time. Ou talvez seja a nossa vontade atávica de chutar tudo e todos, dando vazão aos nossos instintos mais do que primitivos.
Pode parecer meio ridículo um grupo inteiro levantar os braços, agitar e ficar gritando "olê, olê, olá...o nosso time vai ganhar", mas o sentimento de felicidade que brota de um grito de gol ou de um xingamento para a mãe do juiz é de uma catarse parecida com um orgasmo social. O futebol é como se fosse uma novela, aprisionando a expectativa do torcedor que espera 90 minutos pelo capítulo final do vencer ou perder.
Não sou da tese do pão e circo, mas o povo verdadeiramente precisa e merece esses momentos. Talvez seja a manifestação social mais residual nestes tempos de indiferença, isolamento e de competitividade autofágica. O jogo de futebol aproxima pessoas, igual níveis sociais, extravasa angústias, faz a gente se sentir gente exclusivamente porque esquecemos a racionalidade e somos pura emoção. Talvez só o culto da igreja consiga competir com essa autêntica manifestação humana.
E vem aí a Copa das Confederações e depois a Copa do Mundo. Festa. Foguetório. Discursos politiqueiros. Estádios extravagantes, bilionários até, diante de cidades engarrafadas, cheias de buracos e com crianças brincando no esgoto. Em Brasília, já aparecem os que dizem: “daria para construir quatro hospitais, seis escolas e asfaltar toda a cidade com esse dinheiro”. Fala inútil, extemporânea, afinal a roda já girou e a Copa é compromisso.
Enquanto cartolas faturam alto no mercado da bola e as reformas patrocinam boas gorjetas de empresários, os jogadores valorizam seus miliardários salários e os governos, todos, faturam proselitismo e demagogia com seus eleitores ao darem chance para o extravasamento da mania nacional.
Mas tudo bem. Entendo que a sinergia dos mega eventos esportivos é uma boa chance. Estádios novos, aeroportos remodelados, modernização da rede hoteleira, da tecnologia de informação e da telefonia, maquiagem nas cidades sede, melhora do tráfego entre os eventos, um mês de ostensividade na segurança pública, capacitação de toneladas de voluntários e de todos os trabalhadores envolvidos no circuito que afinal de contas, receberá norte-americanos, chineses, angolanos, japoneses ou torcedores da Eslovênia. Sem falar nos milhares de jovens que irão embarcar no sonho de ser Messi ou Neymar.
O Brasil vai ser uma vitrine mundial e o ingresso de divisas será fantástico. Esse dinheiro vai parar em algum lugar, preferencialmente no bolso de quem já tem bastante para especular com a oportunidade. Será um pouco difícil a presença do tradicional pipoqueiro na frente da bilheteria. O churrasquinho de gato será mantido pela Força Nacional a quilômetros de um torcedor que vai pagar em dólares para ver a bola rolar neste campeonato planetário. Mas a franja da economia informal é resistente e alguma faixinha de campeão de 5 reais a gente vai encontrar.
Depois de um mês de apoteose futebolística e se o nosso time vencer a cartolagem, a teimosia do técnico e for campeão, se for um time mesmo e mostrar em campo a garra e a determinação que o povo brasileiro tem para sobreviver, aí sim o efeito psicológico da catarse vai sobreviver por um longo tempo, até gerações, e contaminar cada passo do país. Seremos hexa!
O que não podemos permitir é a manipulação do sentimento futebolístico pela esperteza e oportunismo, especialmente político. A temporada do “Prá Frente Brasil” passou e me dói na lembrança a Copa do Mundo na Argentina em plena ditadura. O governo dando circo e torturando patriotas pelas costas.
O Brasil ama futebol e se entrega com paixão ao esporte. Mesmo que seja apenas mais um campeonato, vamos respeitar os sentimentos de quem torce, de quem sofre, de quem encontra no gol e na vibração de todos juntos um motivo afirmativo para dizer que vale a pena. Mesmo que o momento seja breve, mesmo que termine bem antes do que gostaríamos, vamos buscar a alegria e o encantamento solidário que nos faz falta.
A Copa vai passar e os 12 estádios vão ficar. Esse é outro problema. Esses equipamentos precisam ser apropriados socialmente. Não adianta ter um Centreventos se o povo não estiver lá dentro assistindo cultura ou esporte.
Em Brasília, a primeira partida do Campeonato Brasileiro no novo Estádio Nacional Mané Garrincha de R$ 1,7 bi, Flamengo e Santos, terá um ingresso custando a bagatela de 160 reais, no anel superior. Na vip, com estacionamento e buffet, é 400 reais. Na Copa das Confederações, os ingressos vão de 224 a 684 reais e já venderam 76%. Em 2014, a estreia do Brasil no Itaquerão em São Paulo vai custar 5.145 reais e um pacote vip para final chega a 9 mil. Dos 5 milhões de ingressos da Copa do Mundo, teremos, para consolo, 300 mil ingressos populares.
Para o povão, que não tem um salário mínimo para comprar um ingresso de cadeira e assistir 90 minutos de futebol no estádio, sobra a telinha, o churrasco na laje e as ruas. Aliás, espero que o povo tome de assalto as avenidas, praças e parques e liberte a autoestima, o orgulho e a dê asas a mobilização nacional.
A última partida vai terminar. E como sempre acontece no jogo, ganhamos ou perdemos.
Mas a vida segue. Quem bom que teremos as Olimpíadas em 2016.
Parabéns, Fabiana, pelo seu otimismo.
ResponderExcluirO sentimento de otimismo é muito raro em pessoas pensantes, sobretudo no Brasil.
Acho um absurdo, uma vergonha. Desculpe Fabiana, mas defender esse evento usando como argumento o êxtase futebolístico dos brasileiros, como milhares já tentaram fazer, não cola. Não sou contrária ao evento no Brasil, acho até que a seleção do país era natural no continente americano (se eu não me engano o único a competir com o Brasil foi a Colômbia, que acabou desistindo), mas o que me deixa enfurecida é levar um evento desse pelo lado EXCLUSIVAMENTE politiqueiro. Exemplos? Deixar de lado um estádio pronto com acesso ao metrô e aeroporto (algo raríssimo no Brasil) para construir outro, brindando o clube do ex-presidente com $$$ público é um desaforo. Sem contar a construção de verdadeiros ELEFANTES BRANCOS em cidades sem times de futebol com alguma relevância. Somam-se obras que não contemplarão o evento, mas que foram licitadas a toque-de-caixa. Outra: minimizar o discurso sobre investimentos que poderiam ser direcionados para construção de hospitais, transportes coletivos e escolas com a balela de que “já era” ou “o dinheiro já estava reservado” é outro tiro no pé, porque até agora o governo não tem noção do $$$ que ainda vai ter que desembolsar com as empreiteiras e com os políticos corruptos. Se contar a incapacidade dos administradores públicos em gerir as obras que deveriam ser pensadas com mais 8 anos de antecedência, além da nossa engenharia pífia que ainda vomita bobagens sobre Itaipu, ponte Rio-Niterói e outras aberrações. Acho que essa copa, como esse evento foi e está sendo pensado, serve sim como PÃO E CIRCO, uma verdadeira COMPRA DE VOTOS dos estúpidos que só conseguem enxergar um bando de marmanjos milionários correndo atrás da bola, mas o meu voto a dona Dilma não terá.
ResponderExcluirFabi,
ResponderExcluirConcordo em alguns pontos. Entendo que deve-se priorizar investimentos no social, no entanto não se pode de investir nos grandes eventos que geram rendas extraordinárias.
O problema reside em como essa renda será utilizada e aí os cidadãos devem fiscalizar dioturnamente, assim como a questão da construção dos estádios.
Brasília, aonde você está morando hoje, sequer tem campeonato que abrigue tal estrutura. Como irão manter o Mané Garrincha é que me apavora.
Diferente do Maracanã, Itaquerão, há público para eles pós "Copas".
Vamos torcer pelo Hexa, assim ao menos será mais positivo!
Como todo esse dinheiro que eu torrei nesses estádios pode virar comida (cada vez mais cara) na minha mesa?
ResponderExcluirGostei
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