domingo, 19 de maio de 2013

Copa de ilusões, será?

POR FABIANA A. VIEIRA

Qual o fascínio de uma bola de couro sendo chutada prá cá e para lá? Talvez a expectativa de um gol como instante mágico do delírio coletivo ou uma jogada plasticamente exultante. Ou talvez seja o sentimento de pertencimento a um agrupamento, tão abandonado modernamente, de uma torcida gritando ao mesmo tempo o nome do mesmo time.  Ou talvez seja a nossa vontade atávica de chutar tudo e todos,  dando vazão aos nossos instintos mais do que primitivos.

Pode parecer meio ridículo um grupo inteiro levantar os braços, agitar e ficar gritando "olê, olê, olá...o nosso time vai ganhar", mas o sentimento de felicidade que brota de um grito de gol ou de um xingamento para a mãe do juiz é de uma catarse parecida com um orgasmo social. O futebol é como se fosse uma novela, aprisionando a expectativa do torcedor que espera 90 minutos pelo capítulo final do vencer ou perder.

Não sou da tese do pão e circo, mas o povo verdadeiramente precisa e merece esses momentos. Talvez seja a manifestação social mais residual nestes tempos de indiferença, isolamento e de competitividade autofágica. O jogo de futebol aproxima pessoas, igual níveis sociais, extravasa angústias, faz a gente se sentir gente exclusivamente porque esquecemos a racionalidade e somos pura emoção. Talvez só o culto da igreja consiga competir com essa autêntica manifestação humana.

E vem aí a Copa das Confederações e depois a Copa do Mundo. Festa. Foguetório. Discursos politiqueiros. Estádios extravagantes, bilionários até,  diante de cidades engarrafadas, cheias de buracos e com crianças brincando no esgoto.  Em Brasília, já aparecem os que dizem: “daria para construir quatro hospitais, seis escolas e asfaltar toda a cidade com esse dinheiro”.  Fala inútil, extemporânea, afinal a roda já girou e a Copa é compromisso.

Enquanto cartolas faturam alto no mercado da bola e as reformas patrocinam boas gorjetas de empresários, os jogadores valorizam seus miliardários salários e os governos, todos, faturam proselitismo e demagogia com seus eleitores ao darem chance para o extravasamento da mania nacional.

Mas tudo bem. Entendo que a sinergia dos mega eventos esportivos é uma boa chance. Estádios novos, aeroportos remodelados, modernização da rede hoteleira, da tecnologia de informação e da telefonia, maquiagem nas cidades sede, melhora do tráfego entre os eventos, um mês de ostensividade na segurança pública, capacitação de toneladas de voluntários e de todos os trabalhadores envolvidos no circuito que afinal de contas, receberá norte-americanos, chineses, angolanos, japoneses ou torcedores da Eslovênia. Sem falar nos milhares de jovens que irão embarcar no sonho de ser Messi ou Neymar.

O Brasil vai ser uma vitrine mundial e o ingresso de divisas será fantástico. Esse dinheiro vai parar em algum lugar, preferencialmente no bolso de quem já tem bastante para especular com a oportunidade. Será um pouco difícil a presença do tradicional pipoqueiro na frente da bilheteria. O churrasquinho de gato será mantido pela Força Nacional a quilômetros de um torcedor que vai pagar em dólares para ver a bola rolar neste campeonato planetário. Mas a franja da economia informal é resistente e alguma faixinha de campeão de 5 reais a gente vai encontrar.

Depois de um mês de apoteose futebolística e se o nosso time vencer a cartolagem, a teimosia do técnico e for campeão, se for um time mesmo e mostrar em campo a garra e a determinação que o povo brasileiro tem para sobreviver, aí sim o efeito psicológico da catarse vai sobreviver por um longo tempo, até gerações, e contaminar cada passo do país. Seremos hexa!

O que não podemos permitir é a manipulação do sentimento futebolístico pela esperteza e oportunismo, especialmente político. A temporada do “Prá Frente Brasil” passou e me dói na lembrança a Copa do Mundo na Argentina em plena ditadura. O governo dando circo e torturando patriotas pelas costas.

O Brasil ama futebol e se entrega com paixão ao esporte.  Mesmo que seja apenas mais um campeonato, vamos respeitar os sentimentos de quem torce, de quem sofre, de quem encontra no gol e na vibração de todos juntos um motivo afirmativo para dizer que vale a pena. Mesmo que o momento seja breve, mesmo que termine bem antes do que gostaríamos, vamos buscar a alegria e o encantamento solidário que nos faz falta.

A Copa vai passar e os 12 estádios vão ficar. Esse é outro problema. Esses equipamentos precisam ser apropriados socialmente. Não adianta ter um Centreventos se o povo não estiver lá dentro assistindo cultura ou esporte.

Em Brasília, a primeira partida do Campeonato Brasileiro no novo Estádio Nacional Mané Garrincha de R$ 1,7 bi, Flamengo e Santos, terá um ingresso custando a bagatela de 160 reais, no anel superior. Na vip, com estacionamento e buffet, é 400 reais. Na Copa das Confederações, os ingressos vão de 224 a 684 reais e já venderam 76%. Em 2014, a estreia do Brasil no Itaquerão em São Paulo vai custar 5.145 reais e um pacote vip para final chega a 9 mil. Dos 5 milhões de ingressos da Copa do Mundo, teremos, para consolo, 300 mil ingressos populares. 

Para o povão, que não tem um salário mínimo para comprar um ingresso de cadeira e assistir 90 minutos de futebol no estádio, sobra a telinha, o churrasco na laje e as ruas. Aliás, espero que o povo tome de assalto as avenidas, praças e parques e liberte a autoestima, o orgulho e a dê asas a mobilização nacional.

A última partida vai terminar. E como sempre acontece no jogo,  ganhamos ou perdemos.

Mas a vida segue. Quem bom que teremos as Olimpíadas em 2016.

4 comentários:

  1. Parabéns, Fabiana, pelo seu otimismo.
    O sentimento de otimismo é muito raro em pessoas pensantes, sobretudo no Brasil.

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  2. Acho um absurdo, uma vergonha. Desculpe Fabiana, mas defender esse evento usando como argumento o êxtase futebolístico dos brasileiros, como milhares já tentaram fazer, não cola. Não sou contrária ao evento no Brasil, acho até que a seleção do país era natural no continente americano (se eu não me engano o único a competir com o Brasil foi a Colômbia, que acabou desistindo), mas o que me deixa enfurecida é levar um evento desse pelo lado EXCLUSIVAMENTE politiqueiro. Exemplos? Deixar de lado um estádio pronto com acesso ao metrô e aeroporto (algo raríssimo no Brasil) para construir outro, brindando o clube do ex-presidente com $$$ público é um desaforo. Sem contar a construção de verdadeiros ELEFANTES BRANCOS em cidades sem times de futebol com alguma relevância. Somam-se obras que não contemplarão o evento, mas que foram licitadas a toque-de-caixa. Outra: minimizar o discurso sobre investimentos que poderiam ser direcionados para construção de hospitais, transportes coletivos e escolas com a balela de que “já era” ou “o dinheiro já estava reservado” é outro tiro no pé, porque até agora o governo não tem noção do $$$ que ainda vai ter que desembolsar com as empreiteiras e com os políticos corruptos. Se contar a incapacidade dos administradores públicos em gerir as obras que deveriam ser pensadas com mais 8 anos de antecedência, além da nossa engenharia pífia que ainda vomita bobagens sobre Itaipu, ponte Rio-Niterói e outras aberrações. Acho que essa copa, como esse evento foi e está sendo pensado, serve sim como PÃO E CIRCO, uma verdadeira COMPRA DE VOTOS dos estúpidos que só conseguem enxergar um bando de marmanjos milionários correndo atrás da bola, mas o meu voto a dona Dilma não terá.

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  3. Fabi,
    Concordo em alguns pontos. Entendo que deve-se priorizar investimentos no social, no entanto não se pode de investir nos grandes eventos que geram rendas extraordinárias.
    O problema reside em como essa renda será utilizada e aí os cidadãos devem fiscalizar dioturnamente, assim como a questão da construção dos estádios.
    Brasília, aonde você está morando hoje, sequer tem campeonato que abrigue tal estrutura. Como irão manter o Mané Garrincha é que me apavora.
    Diferente do Maracanã, Itaquerão, há público para eles pós "Copas".
    Vamos torcer pelo Hexa, assim ao menos será mais positivo!

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  4. Como todo esse dinheiro que eu torrei nesses estádios pode virar comida (cada vez mais cara) na minha mesa?

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