terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um tamanduá perdido


POR CHARLES HENRIQUE

Ao ler o texto do historiador Clóvis Gruner aqui no Chuva Ácida semana passada, me deparei com os questionamentos da época em que eu era apenas um graduando em Ciências Sociais, pisando em ovos, e tentando descobrir qual a minha “função” neste mundo capitalista-tecnicista. Afinal, ser cientista social não é uma tarefa fácil hoje em dia. Encontrar um aqui em Joinville é tão raro quanto achar um tamanduá na fauna brasileira.

Pode ser um desabafo - ou apenas um texto para lembrar o dia do sociólogo que foi comemorado neste último sábado, dia 10, mas ao ler este mesmo texto do Gruner, relembrei muito de uma das últimas aulas antes de me formar, quando um professor pediu para comparar a função do cientista social com algum animal. Não tive dúvidas: o tamanduá além de ser raro (sofre um vertiginoso processo de extinção), “fuça” os lugares mais inimagináveis em busca de seu alimento (no caso do cientista é o conhecimento) e é um bicho estranho para os demais. Em Joinville, cidade “industrial” e cheia de ideologias impregnadas, é triste ver que não há a valorização deste profissional, bem como centros acadêmicos que repliquem e construam outros curiosos e descobridores dos porquês das relações sociais. Muitos querem que não haja “ninhos de cupins e formigas” aqui nessa cidade, infelizmente.


Em Joinville, sem generalizar, se você está em busca de conhecimento e de ter uma profissão, o que importa é ir para as exatas ou partir para as “sociais aplicadas” (termo bonito esse, né? as sociais “inaplicadas” seriam o quê?) que terá um vasto campo. Profissionais das ciências humanas dependem da sala de aula para conseguir atuar, até o dia em que outra pessoa de uma formação nada a ver com a condizente dê aulas em seu lugar, seja na rede de ensino regular ou em universidades.

O Estado também não colabora. Na Prefeitura há um ou dois tamanduás. A rede pública estadual chega a colocar qualquer um como professor de sociologia. É triste. Quando trazem universidades públicas para cá, são aquelas que atendem a “vocação” da cidade, ou seja, com um perfil perfeito para o grande capital industrial: formar mão-de-obra para o setor secundário de nossa economia. Ok, a cidade de Joinville tem esse tamanho e “poderio” justamente por ser deste perfil, mas não podemos replicar este modelo cegamente. A variedade de conhecimentos construídos e compartilhados enriquece, ao contrário do modelo vigente, que segrega.

Por isso somos poucos aqui. Se não há um “habitat” propício, muitos migram para outras cidades, e outros, largam tudo. A sociedade não está acostumada. Poucos conhecem e são amigos de um cientista social. Mas há uma luz no fim do túnel, pois vejo em cada dia brotar um pensamento crítico em especial na geografia e na história, ciências que possuem cursos de formação em nossa cidade.

Peço desculpas ao leitor pelo “low profile” deste texto, mas, o barulho tem que ser feito. Não é “puxar sardinha” para um lado ou outro, muito menos preconceito com todas as outras profissões, mas cada uma tem sua parcela de contribuição na sociedade. Aqui em Joinville, muitos não querem que o pensamento crítico aflore e que os questionadores surjam. O Chuva Ácida é um exemplo de que olhares de diversas correntes tenham uma essência equiparada pela visão crítica das coisas. Por isso que faço parte deste grupo e me identifico com todos. O nosso convívio como urbanitas necessita de mais tamanduás para “equilibrar o ecossistema” de Joinville.

5 comentários:

  1. Low profile ou não, seu texto cai como uma luva, Sr. Charles Henrique.
    Embora, por profissão, eu faça parte daquele grupo tecnicista ao qual o Sr. se refere, a experiencia já me provou sobejamente a importancia dos cientistas sociais.
    E também lamento demais a falta que fazem em Joinville. Não só para a necessária crítica, mas principalmente, por tudo que vi e senti aqui, desde que para cá retornei, para definir o espírito joinvilense.
    Como membro da sociedade dos engenheiros, penso que só tenho direito a dar meus palpites. Mas eu veria com muito bons olhos uma iniciativa no sentido de realizar um amplo estudo histórico,antropológico e psico-sociológico, sério e minucioso, que exponha à luz de forma clara e científica, nossa estrutura de pensamento, nosso inconsciente coletivo e todas as suas consequencias àquilo que poderiamos chamar de "ser joinvilense".
    Acho que muita gente ficaria surpresa.

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  2. É Charles! Existe uma grande diferença de estar no mundo e estar com o mundo. O estar com, envolve aceitar o conceito das relações, com suas pluralidades, transcendências, criticidades, consequências e temporalidades. Encarrar esses desafios não se esgota num tipo padronizado de resposta ou na permanência de dogmas, portanto que surjam muitos tamanduás... e que sejam transdisciplinares.

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  3. Legal seria fazer um "inventário" de gente boa, capaz de dar um contributo importante para o capital intelectual de Joinville, que acabou tendo que ir para outros lados. Eu conheço muitos que resultam desse brain drain histórico.

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  4. Charles, concordo com você. Eu também estudei Ciências Sociais por 9 meses (mas não aguentei e a insatisfação que eu gestava por ter de me deslocar diariamente a Itajaí acabou nascendo).

    Oportunamente, escrevi sobre a necessidade de cursos diferentes na nossa cidade no mais recente artigo de meu blog: www.guigassen.blogspot.com :)

    Abraço!

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  5. Coitadinho do nenê...ninguém leva o tamanduá a ´serio

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