quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Eduardo Campos: para além do ódio internético, que rumo toma a disputa eleitoral?

 POR CAROLINA PETERS

Pesquisa Datafolha registrada em 13/08/2014
Não dá nem tempo do corpo esfriar. Pauta se manipula quente. A Globo ainda enrolava a audiência para liberar a informação da morte do presidenciável Eduardo Campos quando na CNN analistas já palpitavam sobre a entrada de Marina Silva no pleito e os impactos do acidente na corrida presidencial. Nem o Datafolha perdeu tempo. Na noite de ontem, já estava no site do TSE o registro de uma pesquisa que será realizada por telefone no dia de hoje com Marina candidata, e uma pergunta bônus: qual caminho você acha que o PSB deve tomar.

Dessas coisas que não é na primeira manchete na timeline do facebook que a gente acredita. E no dia da morte do avô, Miguel Arraes?! Dá pano pra manga dos conspiracionistas!

Dos conspiracionistas, e da gente sem noção. Toda sorte de pseudojornalistas e comentaristas das redes sociais e canais de notícias. Sempre tem o homem que viu e emocionado quer contar em rede nacional dos corpos dilacerados, carbonizados, com todos os detalhes que o repórter permite. E sempre uma senhorinha assustada. Neste episódio, conhecemos a simpática D. Roseli, moradora de Santos, que pensou estar presenciando o fim do mundo ao ver a aeronave em chamas planar próxima à sua janela:

“Meu Deus, mais um desses meteoros!”

“Depois de morto, todo mundo vira santo”, sempre diz papai. As demais candidaturas pausaram suas campanhas em luto, mas o meteoro de Eduardo Campos cai em cheio no horário político, que se inicia na próxima semana. E o bode logo estará nas salas de estar dos brasileiros.

É com o início da propaganda televisiva que o bicho pega. As alianças fisiológicas entre legendas para aumentar seu tempo de propaganda não acontecem sem um cálculo eleitoral apurado. Apesar do avanço dos smartphones e da grande presença dos brasileiros no facebook, a televisão é ainda a principal fonte de informação durante a campanha e decisiva para a escolha do voto da maioria dos brasileiros.

A chapa Eduardo-Marina foi capaz de um programa econômico mais liberal que o tucano, que ainda pisa em ovos e se rebola para manter sua base nos setores médios enquanto tenta ganhar o voto das famílias mais pobres (renda familiar mensal de até 5 salários mínimos), as quais ainda têm presente a lembrança pesarosa dos anos FHC, e que sempre foram, por sua extensão, o setor decisivo no resultado da disputa do Planalto. Será Aécio mais agressivo, afim de ganhar os antigos simpatizantes do partido que optaram nessas eleições por Campos, mas não se convencem do discurso um tanto etéreo de Marina Silva? Dilma será capaz de levantar essa bola e buscar bloquear Marina Silva e seu discurso “novo”, o mais do mesmo que Dilma já administra bem, quiçá um tanto piorando? E a esquerda, em particular a candidatura de Luciana Genro, será suficientemente incisiva e cirúrgica para ganhar a confiança deste eleitorado fragilizado pela tragédia que busca uma alternativa viável, ao mesmo tempo em que traz à baila o finado aliado de Marina para disputar um voto progressista que não se transferiria para Eduardo Campos? (Bem, já estou supondo e aceitando que Marina substitua Eduardo na disputa.) Valerá o ditado latino "dos mortos não se fala"?

Emfim, é sempre desejável, mas será possível, agora mais que há uma semana, uma eleição presidencial em que a Política e os projetos de desenvolvimento para o país, voltem a dar a tônica do debate? Digo, acima dos malabarismos feitos com a política de varejo (e talvez agora, cruelmente com o luto alheio) para ganhar um ou outro setor. Será?

Mas tudo isso é especulação. O que sobra de certeza é que a luta política nunca pode nos tirar a humanidade, que todo acidente é lamentável e não se justifica desejar a morte aleatória de um outro alguém. Cada família e amigo dos envolvidos no acidente, os pilotos, passageiros, moradores e transeuntes, sabe a dor que sente por sua perda.

ERRATA: A pesquisa citada foi registrada pelo instituto Datafolha, não IBOPE, como anteriormente mencionado.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Dilma, Leitão e o fait-divers


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Os brasileiros sabem que dois mais dois são quatro. Mas muitos se recusam a fazer a conta. Só por isso tem gente aí a acreditar na existência de um Wikigate Tupiniquim, por causa das alterações no perfil da jornalista Miriam Leitão na Wikipédia. Ora, qualquer pessoa com dois dedos de testa é capaz de perceber que estamos a tratar de um fait-divers e nunca uma notícia a sério.

Há uma tentativa de implicar Dilma Rousseff no episódio, uma vez que o IP usado é do Palácio do Planalto. Aliás, foi o que bastou para os opositores – aqueles que odeiam o partido da presidente acima de qualquer coisa – se lançassem sobre o osso. Afirmam, com a convicção dos incautos, que o autor das alterações no perfil só pode ser alguém a serviço de Dilma Rousseff. Mas vamos ao que interessa. E basta somar dois mais dois...

1.     O que a presidente ganharia com a mudança no perfil da jornalista?
Nada. Não haveria consequência prática, uma vez que a mudança não teria como produzir qualquer efeito, seja na governação ou na disputa das eleições.

2.     Que pessoas poderiam ser influenciadas por essas alterações?
Arrisco a dizer que nenhuma. Ou vocês, leitor e leitora, conhecem alguém que já tenha ido à Wikipédia de propósito para pesquisar sobre Miriam Leitão? Aliás, a própria jornalista não deve ir lá com muita frequência, porque as alterações foram produzidas em maio de 2013 e só agora ela parece ter dado conta da coisa, por causa de uma matéria publicada no “O Globo”.

3.     O IP é do Palácio do Planalto?
Sim, mas o Palácio do Planalto afirma não ter meios de saber quem usou a rede, que está aberta aos visitantes. Quem viaja e fica em hotéis, por exemplo, sabe como funciona a coisa do wireless.

4.     Na suposição de que a ideia tenha vindo de alguém do governo, é sensato achar que um hacker deixaria rastro?
Ora, o que faz um hacker ser hacker é justamente o fato de não poder ser identificado. Será que alguém do partido da presidente iria contratar um hacker que deixa impressões digitais no local do crime? Seria muita aselhice, convenhamos.

5.     Faz sentido “difamar” Miriam Leitão, conforme está a ser alegado?
A palavra difamação parece ser forte demais. Depois da notícia decidi dar uma olhada no perfil. Talvez alguém tenha feito um contraponto ao perfil. Porque a "biografia" só pode ter sido escrita por alguém que, não tarda, ainda pede a beatificação da senhora. Ela é apresentada apenas como “a jornalista mais completa do país”. Tudo o que aparece por lá são elogios. Ninguém cita, por exemplo, que o pessoal da oposição chama Miriam Leitão pelo carinhoso apelido de “urubóloga”, por conta das suas previsões sempre catastrofistas (e, não raro, furadas).

Ah... muita gente ainda não sabe que a Wikipédia é um espaço participativo e aberto onde é possível mudar os textos. Não é crime mudar os conteúdos. Enfim, os opositores queriam um escândalo, mas estão a ter apenas um fait-divers. E aqui o governo tem culpa. Se tivesse dado a pouca atenção que o tema merece, eu talvez não teria escrito este texto hoje.


É como diz o velho deitado: “A montanha pariu um rato”.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

No tranco

POR FELIPE SILVEIRA

Acredito que uma coisa puxa outra. Vejamos a Tarifa Zero, por exemplo. Cria-se a empresa pública de transporte coletivo, que passa a oferecer o serviço público gratuito e de qualidade. A população começa a usar gradativamente. Quanto mais gente usa, maior é a cobrança pela melhoria do serviço, que provavelmente seria abraçado pelos usuários. Diminui-se a quantidade de carros nas ruas e o número de acidentes, principalmente com motoqueiros - ah, a diminuição da velocidade máxima é importante para isso. Assim, se reduz de maneira significativa os gastos com saúde pública, já que entram, todos os dias, acidentados aos montes no São José. Também se reduziriam os casos de doenças respiratórias causados ou agravados pela poluição. Com um trânsito mais seguro, mais humano, mais pessoas teriam ânimo para utilizar a bicicleta para suas atividades como trabalho e estudo, o que traria mais qualidade de vida.

Viu? Uma decisão (que não é simples), muitos avanços.

Outro caso é o do IPTU progressivo. Com uma canetada, enfrenta-se os especuladores imobiliários, reduz-se o preço do aluguel e dos imóveis, redefine-se o uso e a ocupação do solo, ocupa-se os milhares de imóveis vazios nas regiões centrais da cidade, beneficiando milhares de famílias, aproximando-as de serviços públicos como escolas e hospitais.

É claro que no atual contexto da política, decisões assim são impossíveis. Nossos políticos estão amarrados aos especuladores, aos grupos que se beneficiam economicamente dos serviços públicos, como transporte público e saúde.

Mas dá para mudar o contexto. Mais do que mudar os políticos que estão lá, e eu acho que isso é importante, é preciso se envolver com as causas, com as lutas. Não estamos muito acostumados, pois aqui em Joinville o troço é mais travado, mas mobilizações populares têm efeito, e são positivos para o povo. O aumento da tarifa, por exemplo, foi cancelado em diversas cidades nas manifestações de 2013. Assim como diversos projetos imobiliários foram barrados Brasil afora.

Dá pra citar mais um monte de exemplos. A legalização da maconha causaria impactos no tráfico de drogas. A desmilitarização da polícia diminuiria a violência por parte do Estado. Mudanças no Código Penal reduziriam a superlotação dos presídios.

Há mais um exemplo, cujas mudanças como consequência fazem ainda mais sentido. Trata-se da democratização da comunicação. Particularmente, acredito que mudanças nesse campo “puxariam” uma série de outras mudanças na sociedade, já que os importantes debates políticos chegariam à população.

Infelizmente, o contrário também funciona. Cada retrocesso puxa outros retrocessos. Mas cabe a nós tentar evitá-los e trabalhar pelos avanços.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Jabuti subiu na Cota 40

POR JORDI CASTAN

Se até o Prefeito Udo Dohler assinou a petição para que não se mexa na COTA 40, é evidente que há algo muito errado na ideia de mexer nela. A gente sabe que jabuti não sobe em toco, assim que quando apareceu na minuta da LOT, elaborada pelo IPPUJ, um jabuti chamado Cota 50, era claro que não tinha subido sozinho.

A LOT é assim mesmo. Não há nada lá que seja resultado do acaso e tudo tem um porquê. Mas o problema é que o pessoal que está mais vinculado ao setor do tijolo - e não estamos falando das olarias - vem perdendo a vergonha. Eles têm ficado mais ousados. E os jabutis começam a pipocar, ao ponto de se terem convertido numa praga. O discurso do prefeito tampouco tem ajudado a moderar os avanços vorazes sobre o solo urbano. Mas o que esse pessoal não tinha entendido é que mesmo na barbárie há limites. E a Cota 40 é um limite intransponível.

Bem que o Executivo tentou no primeiro momento olhar para outro lado, desacreditar, desconsiderar, dizer que eram insinuações, boatos e que não era nada disso. Mas o texto da minuta estava lá, para que quiser ver. 



O convite para a reunião do Grupo de Trabalho para “Estudar a COTA 40” com os carimbos e selos do IPPUJ e do Governo do Município estavam também lá. Houve quem chegasse a insinuar que só poderia se tratar de uma montagem, ignorando a ousadia dos que desejam avançar sobre a Cota 40 e aumentar os lucros das suas especulações.



Uma petição foi lançada na internet e as redes sociais começaram a mostrar a sua capacidade de organização, sua rapidez e sua capacidade de articulação. Facebook, Twitter e Blogs foram as ferramentas da mobilização. O Chuva Ácida foi o primeiro a entender que não se podia furtar a esse debate e depois seguiram os jornais. Inclusive o primeiro comunicado oficial da Prefeitura Municipal sobre o tema foi no Facebook e o próprio prefeito o colocou na sua página pessoal.



Depois Twitter, emails e em poucas horas e dias mais de 600 pessoas colocaram seus nomes na petição. O próprio prefeito inclusive utilizou sua conta em Twitter para confirmar sua posição a favor da manutenção da Cota 40.



A sociedade só acreditou na posição oficial do prefeito quando ele próprio assinou a petição que lhe será encaminhada, solicitando que “Não ousem tocar na Cota 40”. Dois alertas e meus agradecimentos.



O primeiro alerta e a estranha atitude do IPPUJ, que demorou em entender que jabuti não sobe em toco e só desembarcou da defesa da sua proposta de uma Cota 50 depois da posição oficial do prefeito. O prefeito deve olhar com atenção também os outros jabutis trepados nos tocos da LOT, porque há outros. O segundo mostra a força que as redes sociais podem ter quando se trata da defesa de temas de interesse coletivo.  A quantidade de compartilhamentos, de pessoas que passaram a conhecer a legislação que protege a Cota 40 e que passaram a participar do movimento foi surpreendente e suprapartidária. 

O meu agradecimento, primeiro aos companheiros do Chuva Ácida, que levantaram a bandeira da defesa da COTA 40 e escreveram textos sobre o tema e também geraram material para divulgar e esclarecer. E para todos os cidadãos que, de forma individual ou anonimamente, assumiram a defesa do verde urbano. Sem este verdadeiro exército de voluntários que, de forma altruísta se engajaram nesta iniciativa, a resposta não teria sido tão rápida e tão contundente. O meu agradecimento ao prefeito Udo Dohler, que entendeu que só uma mensagem clara poderia ser a resposta correta, e sua assinatura na própria petição atingiu o objetivo desejado.

Não é hora de deitar e confiar que vencemos a guerra. Esta foi só uma batalha e outras virão. A Cota 40 continua ameaçada e deveremos nos manter atentos e vigilantes.



A relação de assinantes da petição será encaminhada ao Prefeito Municipal em meio digital e a petição será formalmente encerrada hoje a meia noite. Se não assinou ainda há tempo.

Meu muito obrigado a todos.

sábado, 9 de agosto de 2014

Industry Minded em Joinville


POR GUSTAVO PEREIRA

Em 1995 o autor contemporâneo Stone, defensor do desenvolvimento sustentável, cunhou um neologismo ao afirmar que os elementos naturais necessitam ter voz,  pois somente através de uma moral coletiva é que a sociedade encontraria respostas para casos tormentosos, em que se contrapõe o utilitarismo e a defesa dos valores coletivos. Segundo Stone, Industry Minded traduz-se numa espécie de afinidade transmitida em que os agentes políticos e poder público adquirem e incorporam o modo de pensamento de agentes econômicos.

A consequência, em um país culturalmente patrimonialista como o Brasil, é que os serviços oficiais encarregados da administração pública convertem-se em feudos e panelinhas suscetíveis de pressões pelos mais variados interesses que não aqueles da sociedade, mediante concertação e relações políticas nebulosas, conflitos entre o público e o privado.

Os exemplos são inúmeros em Joinville, a começar pelo Conselho da Cidade, o nosso querido “covil”, dotado de baixíssima eficácia social. Refratários às mudanças, os Industry Minded asseguraram o controle no setor público municipal, em órgãos colegiados e buscam lançar os tentáculos em outras searas. A cota 40 tornou-se o símbolo da defesa da cidadania e a contradição dos Industry Minded.


Nos bastidores, nosso guia sonha com o aumento da arrecadação, admirando o modelo atávico de construção civil de outras cidades. Mas em público é o bom samaritano acossado a assinar a petição da Cota 40. O estilo rolo compressor dá sinais de desgastes e o pleito de outubro vai decepcionar muitos candidatos Industry Minded, esperançosos que o discurso falacioso da empulhação faça a população continuar a ter memória curta. Atenção Industry Minded, a paciência da sociedade tem limites.

Gustavo Pereira é advogado.