POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Os brasileiros sabem que dois mais dois são
quatro. Mas muitos se recusam a fazer a conta. Só por isso tem gente aí a
acreditar na existência de um Wikigate Tupiniquim, por causa das alterações no perfil
da jornalista Miriam Leitão na Wikipédia. Ora, qualquer pessoa com dois dedos de testa é
capaz de perceber que estamos a tratar de um fait-divers e nunca uma notícia a sério.
Há uma tentativa de implicar Dilma Rousseff no
episódio, uma vez que o IP usado é do Palácio do Planalto. Aliás, foi o que
bastou para os opositores – aqueles que odeiam o partido da presidente acima de
qualquer coisa – se lançassem sobre o osso. Afirmam, com a convicção dos incautos, que o autor das alterações no perfil só pode ser
alguém a serviço de Dilma Rousseff. Mas vamos ao que interessa. E basta somar dois mais dois...
1.
O que a presidente ganharia com a
mudança no perfil da jornalista?
Nada. Não haveria consequência prática, uma
vez que a mudança não teria como produzir qualquer efeito, seja na governação
ou na disputa das eleições.
2.
Que pessoas poderiam ser
influenciadas por essas alterações?
Arrisco a dizer que nenhuma. Ou vocês, leitor
e leitora, conhecem alguém que já tenha ido à Wikipédia de propósito para pesquisar
sobre Miriam Leitão? Aliás, a própria jornalista não deve ir lá com muita
frequência, porque as alterações foram produzidas em maio de 2013 e só agora
ela parece ter dado conta da coisa, por causa de uma matéria publicada no “O
Globo”.
3.
O IP é do Palácio do Planalto?
Sim, mas o Palácio do Planalto afirma não ter
meios de saber quem usou a rede, que está aberta aos visitantes. Quem viaja e
fica em hotéis, por exemplo, sabe como funciona a coisa do wireless.
4.
Na suposição de que a ideia tenha
vindo de alguém do governo, é sensato achar que um hacker deixaria rastro?
Ora, o que faz um hacker ser hacker é
justamente o fato de não poder ser identificado. Será que alguém do partido da
presidente iria contratar um hacker que deixa impressões digitais no local do
crime? Seria muita aselhice, convenhamos.
5.
Faz sentido “difamar” Miriam
Leitão, conforme está a ser alegado?
A palavra difamação parece ser forte demais.
Depois da notícia decidi dar uma olhada no perfil. Talvez alguém tenha feito um contraponto ao perfil. Porque a "biografia" só pode ter sido
escrita por alguém que, não tarda, ainda pede a beatificação da senhora. Ela
é apresentada apenas como “a jornalista mais completa do país”. Tudo o que
aparece por lá são elogios. Ninguém cita, por exemplo, que o pessoal da oposição
chama Miriam Leitão pelo carinhoso apelido de “urubóloga”, por conta das suas
previsões sempre catastrofistas (e, não raro, furadas).
Ah... muita gente ainda não sabe que a
Wikipédia é um espaço participativo e aberto onde é possível mudar os textos. Não é crime mudar os conteúdos. Enfim, os opositores queriam um escândalo, mas
estão a ter apenas um fait-divers. E aqui o governo tem culpa. Se tivesse dado a pouca atenção que o tema merece, eu talvez não teria escrito este texto hoje.
É como diz o velho deitado: “A montanha pariu um rato”.