POR FELIPE SILVEIRA
Aprovei, ontem, meio a contragosto, um comentário anônimo que dizia que todos os negros são hipócritas, inclusive eu, Felipe Silveira. Isso me fez repensar a posição sobre defender o anonimato. A discussão dentro do Chuva Ácida é boa sobre o assunto, e eu sempre fui a favor dos anônimos, apesar de ser um dos que mais se incomoda com eles.
Entendo que o anonimato tem um papel importante na história e que serve muito mais para proteger a identidade de quem tem alguma crítica importante a fazer, sobre qualquer coisa. Mas, como disse o Maikon K, aqui no Chuva Ácida o anonimato perdeu esse sentido, se é que algum dia teve. Aqui ele serve para deixar que gente escrota publique escrotidão, como a que eu citei no início do texto.
Evidentemente que eu apagaria esse comentário numa situação normal, mas o publiquei, a contragosto, para fazer com vocês essa reflexão. Eu gostaria, sinceramente, de saber como explicar para esse cara que ele é racista, pois ele jura de pé junto que não é, já que escreveu essa asneira para dizer que somos todos iguais. Para finalizar, ele pergunta por que todos os negros querem aparecer. Juro, ele perguntou isso.
E agora sou eu que pergunto: alguém teria coragem de escrever isso sem a proteção do anonimato? Sim, teriam. Mas seria um número bem menor a fazer desse jeito tão vergonhoso.
Mas certamente teriam. Se os caras têm coragem de entra na Justiça para impedir que seja aprovado um feriado para comemorar e refletir sobre o Dia da Consciência Negra, imaginem o que eles podem fazer nas caixinhas de comentários de blogs como o Chuva Ácida. Eu sei que é difícil acreditar, mas é verdade. DOZE, entidades empresariais e sindicais (das empresas, só pode) fizeram isso.
Eu sei que é chocante, mas eles foram covardes o suficiente para fazer isso. E eu não sei o que é mais feio, se é o racismo por detrás disso ou a desculpa do prejuízo de dez milhões num único dia. Sim, esses caras dizem que fizeram por causa de dinheiro. Acreditem se quiser.
Eu não vou discutir se já estava tudo armado pelo poder público, pois, pelo que observei de longe, eles fizeram a sua parte - aprovaram a lei. Sei que houve pressão popular, principalmente do movimento negro, para aprovar a lei na câmara, mas não vou entrar no mérito dessa discussão porque não a acompanhei. E também não vou discutir a decisão judicial. A história mostra a quantidade de injustiças que a Justiça já cometeu.
O que não faz sentido, pra mim, é aceitarmos tudo isso. Aceitar essa gente louca anônima e essa gente louca da Acij, CDL, Acomac e outros diabos.
Volto ao começo do texto para falar do anônimo que me chamou de negro e hipócrita, sendo que para ele todo negro é hipócrita. Não sou negro, como vocês podem observar na foto ali em cima, na qual estou verde. Sou descendente de brancos europeus com alguma mistura indígena. Talvez ele tenha dito isso porque fiz um texto em defesa do feriado no Dia da Consciência Negra, e ele não deve achar normal uma pessoa branca defender algo relativo ao povo negro, assim como deve achar que eu sou gay por defender a igualdade de direitos e o respeito às pessoas com orientação sexual diferente da hetero. Deve achar também que não sou joinvilensense por não ter preconceito contra paranaense ou nordestino. Deve achar que sou mulher também porque me declaro feminista.
Eu posso não ser nada disso de fato, mas nós somos tudo isso enquanto houver opressão. Temos a obrigação de ser tudo isso e de lutar contra aquilo que nos oprime. A violência do Estado, que some com milhares de Amarildos e mata a população negra e pobre das periferias como o jovem Douglas; a violência de dentro de casa contra as mulheres, tanto pelas mãos quanto pelas palavras; a violência das ruas, com o espancamento e a humilhação de mendigos, de crianças, de gays, de mulheres e de negros; a violência do mercado de trabalho, na sua busca por homens brancos; a violência da entidade empresarial, que é racista e ainda usa o dinheiro como desculpa.
Nesse sentido, então, o anônimo tinha razão. Eu sou mesmo negro.