terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Sobre primeiras-damas e ódios coletivos



POR CECÍLIA SANTOS
Semana passada faleceu Marisa Letícia, esposa do homem mais odiado deste país. As demonstrações de insensibilidade e violência chocaram até os mais alheios às batalhas ideológicas nas redes, que muitos sinalizam como a etapa anterior ao fascismo.

Marisa Letícia foi uma mulher de origem bastante humilde, que por necessidade começou a trabalhar por volta dos 10 anos de idade. Nós da classe média não conseguimos conceber o que significa precisar colocar nossas crianças superprotegidas para trabalhar com essa idade. Mas a realidade fora dos nossos condomínios é outra. E eis que um dia a ex-babá se tornou primeira-dama do Brasil.

E o que significa ser primeira-dama? É uma função meramente protocolar e não remunerada. A esposa do ex-presidente Getúlio Vargas criou a LBV – Legião da Boa Vontade, que durou até a gestão Collor. No governo de Fernando Henrique Cardoso, sua mulher, Ruth Cardoso, criou o Programa Comunidade Solidária, que deu origem a diversos programas sociais. Estes, mais tarde, foram colocados sob a responsabilidade de secretarias especializadas, o que faz muito mais sentido, pois conduzidos por pessoas que têm formação e competências específicas.

Com o impeachment e a necessidade de tentar melhorar a imagem de um governo composto exclusivamente por homens brancos, ricos e velhos, a mídia tentou promover a imagem de Marcela Temer e ela foi nomeada embaixadora do programa “Criança Feliz”, do qual pouco se ouve falar até o momento.

Então Marisa Letícia não assumiu nenhuma função assistencialista no governo Lula e manteve-se distante dos holofotes. O que absolutamente não a poupou de críticas. Quando ela e Lula fizeram uma festa junina na residência oficial, valorizando uma das nossas tradições populares que tenta resistir à influência de cowboys texanos e de músicas sertanejas de qualidade duvidosa, a elite brasileira ficou profundamente ofendida.

Não vou tratar aqui das acusações feitas contra ela e Lula, muito menos dos detalhes da vida, morte ou velório da Marisa Letícia. Eu só queria entender qual é a razão de tanto ódio contra ela.

Uma das explicações que eu arrisco é que Marisa Letícia se parecia muito com qualquer um de nós. Tinha talvez os nossos mesmos hábitos prosaicos e correspondia demais à imagem das mães e avós que todos nós conhecemos. Ela não se encaixava na imagem decorativa e glamorosa que muita gente insiste em associar às mulheres de presidentes, como Jacqueline Kennedy ou Carla Bruni.

Mais que isso, Marisa ousou emergir da sua origem humilde e ocupar um palácio de governo durante alguns anos. E nem quando voltou para o mesmo apartamento classe média em São Bernardo do Campo as pessoas lhe deram sossego.

O que me espanta é essa repulsa a um lugar de poder ser ocupado por pessoas iguais a nós, ainda que essas pessoas, quando líderes, vivenciem nossa realidade e conheçam nossos problemas melhor que ninguém. A gente não entende o que significa democracia, no seu mais básico sentido, que é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Entregamos felizes nosso destino nas mãos de governos plutocráticos.

Quanto às acusações feitas a Marisa e Lula, também não acredito que justifiquem tanto ódio (na verdade, nada justifica o ódio). Penso nisso quando me lembro das selfies de Claudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, feitas na fachada de grandes maisons francesas, exibindo sacolas com compras de milhares de reais cada, que inclusive serviram para que a Receita Federal confirmasse as acusações de gastos incompatíveis com a renda do casal. Claudia anda flanando por aí sem ser incomodada, o que me leva a crer que não é a corrupção que mobiliza a direita. Ou pelo menos nem toda corrupção.

5 comentários:

  1. Engano seu. É esse o discurso que a esquerda estúpida tenta imputar ao povo brasileiro, o tal discurso do ódio. Na verdade o povo brasileiro teve simplesmente apatia pela falecida Marisa, ou até um pouco de mágoa pelo fato dela ter recusado a instituição de Primeira-Dama, e a importante relação com instituições de caridade que atribui essa posição. Na época, dona Marisa dizia não “querer sentar-se com as dondocas de Brasília”, como se o seu passado humilde (seu passado!) fosse algo que lhe conferisse a superioridade da retidão. Mentira! A recusa em apoiar instituições caridade era ou por falta de capacidade ou de vontade mesmo, afinal ela era esposa do Filho do Brasil, o ungido – já bastava.

    Acontece que a apatia e a mágoa por alguém que, como milhares, todos os dias, faleceu por um AVC, transformaram-se em piedade. Quem conhecia a peça já imaginava que o Lula tentaria se beneficiar politicamente da morte da esposa. O que as pessoas não esperavam, por mais ojeriza que sentem desde senhor, era que ele usasse o velório da esposa para o seu palanque. Pergunto se a autora assistiu ao discurso político, quero dizer, o “velório”. Este CANALHA discursou por mais de vinte minutos e quase nada falou sobre a mãe dos filhos dele, apenas sobre a “perseguição” que estaria sofrendo pela justiça que acabou “abalando” a esposa nos últimos tempos. Onde estão as feministas de “grelo duro” simpatizantes do PT depois deste show dos horrores, desta bizarrice, desta baixeza?

    Interessante a frase da autora: “A gente não entende o que significa democracia, no seu mais básico sentido, que é o governo do povo, pelo povo e para o povo”. Não sei quanto à autora, mas a esquerda, sobretudo a brasileira e latino-americana, não gosta de democracia. A frase que a esquerda brasileira ama e que se encaixa bem nos moldes políticos é "Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado.”

    Que vem de encontro com esse segundo recorte da autora: “Entregamos felizes nosso destino nas mãos de governos plutocráticos”. Agora o governo virou plutocrático? E o que dizer do maior esquema de desvio de dinheiro público já esquematizado (duas vezes) nos governos petistas?

    A contradição da esquerda é algo a ser pensada, pena que os intelectuais honestos têm coisas mais importantes para fazer.

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    1. Antônio Carlos, eu assisti a toda a fala do Lula no velório da Marisa, sim, mas pelo jeito você assistiu a um outro discurso. Na maior parte do tempo ele reviveu os anos de casados e o nascimento dos filhos. E eu acho perfeitamente normal que ele aponte a perseguição que provavelmente minou a saúde da Marisa e resultou na sua morte. Assim como faria qualquer pessoa que sentisse que perdeu um ente querido para uma violência.

      Quando ao que você chama de maior esquema de desvio de dinheiro público, sugiro que você pesquise o escândalo do Banestado.

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  2. Gostaria de enfatizar um trecho muito importante de seu texto e que parece que o povo brasileiro anda esquecendo, mesmo que muitos se digam cristãos e que só Deus pode julgar alguém:

    NADA JUSTIFICA O ÓDIO!

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    1. Indignação seletiva, não é? Enquanto isso, conquistas históricas e patrimônio público estão indo pelo ralo.

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  3. Márcia Tiburi foi flagrada expulsando uma mulher, Kelly Cristina dos Santos, do Palácio do Planalto, um prédio público. Kelly vestia uma camiseta escrito “impeachment é democracia”. O contra-argumento intelectual que recebeu foi uma camorra enervada expulsando Kelly aos berros de “Fascistas, fascistas, não passarão!”, o que não é exatamente um esforço sináptico muito avançado. Talvez pudesse até ser considerado “discurso de ódio”. Márcia Tiburi estava, sabe-se lá por que raios, pouco à frente de Dilma Rousseff, a dirigente. Ela e seu bando estavam usando o Estado como propriedade de um Partido. Ela e seu bando expulsaram uma cidadã com uma forte ameaça física de linchamento por ela utilizar uma instituição que deveria ser, digamos, não-fascista.

    Nunca ficou tão claro como se deve conversar com um fascista: à distância, para ele não usar o aparato estatal para te agredir. Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato. Fascistas somos nozes.

    http://sensoincomum.org/2016/04/08/como-conversar-com-marcia-tiburi/

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