sábado, 18 de fevereiro de 2017

Admirável espetáculo (parte dois - final)


POR APOLINÁRIO TERNES

Olhemos o Estado de santa Catarina. Construiu-se e se mantém o mesmo castelo de cartas, cuidadosamente montado sob inspiração de marqueteiros. Estão distantes os tempos em que a economia catarinense era forte e o Estado tinha condições de investir e fazer obras. Nos últimos anos, o castelo é sustentado por milhões de reais aplicados na mídia em nome de uma servidão a que ela jamais se recusou a prestar. Tanto país afora, quanto em SC. O que apenas facilitou a corrupção e a sustentação dos 13 anos do PT em Brasília. Até aqui, contudo, ninguém cobrou a omissão e a conivência da mídia, que perdura até nossos dias.

Ainda e, principalmente, agora. O Estado continua um dos maiores clientes de publicidade no país. Trata-se de um desaforo inaceitável, quando o povo morre nos hospitais e presos são tratados como animais. Em SC há muitos anos e ainda hoje a receita é a mesma. Com todos os cúmplices e beneficiários de sempre. Nos tempos de crises sérias, por aqui não faltam retratos inescrupulosos de um povo feliz e realizador. Mesmo que greves e paralisações mostrem realidades opostas, Santa Catarina segue no caminho em que afundaram o Rio Grande do Sul primeiro e, depois, o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e outros tantos que iremos conhecer em meses.

O colapso do Estado é real e brutal, ainda que muitos digam que nisto não se deve tocar, falar ou apontar. O custo da mediocridade de um lado, da ineficiência e populismo do outro. Os jornalistas são raros, os intelectuais desapareceram. Primeiro apoiaram a devastação do PT, agora se desesperam na preservação de seus empregos públicos. Muitos continuam nas quadrilhas do PSDB e do PMDB, igualmente partícipes do processo de depredação da coisa pública no país.

A desgraça do mundo não se reduz à desmoralização da Democracia ou à decadência da Política, das artes, do sistema de educação e da mídia, mas, e principalmente, estamos sendo jogados num mundo em que apenas o fator religioso pode socorrer e impedir a mutação do humano num ente metade carne e metade tecnologia, como estamos a caminho. A próxima etapa, a da inteligência artificial, cujos fundamentos já foram fincados pela universalização da imbecilidade, tem sido alvo de muitos artigos, conferências e livros de alguns estudiosos do futuro. Leia-se o último livro – Homo Deus - do historiador israelense Yuval Noah Harari, grande sucesso mundial em 2016.

A contribuição da mídia para a instalação dessa admirável sociedade de imbecis em todo o planeta é das mais significativas. Mas não é dela apenas o brilhantismo da realização. Também contribuíram de forma significativa os novos intelectuais que se instalaram nas melhores universidades do planeta, plantando o pensamento único do ‘politicamente correto’, invencível obscurecimento do mundo moderno, sob os fundamentos dos mais disparatados raciocínios. Os artistas, especialmente os denominados ‘plásticos’ - polivalentes criadores do feio e do ridículo – cultuados na mídia ‘progressista’ de todo planeta, também ajudaram. Assim, ‘criaturas do pensamento’ instaladas na mídia, na academia e nas artes se encarregaram de destruir todo e qualquer resquício de cultura, do belo e do que emociona nas manifestações intelectuais do nosso tempo. Nasceu o mundo feio, caótico e ‘menos desigual’ que assusta a todos e a tudo macula e enxovalha.

De fato, há uma curiosa combinação de fatores e de interesses na construção dos cenários de frivolidades e efemeridades em que vivemos. Não apenas a indústria da informação, com o desmoronamento da imprensa – instituição da modernidade tanto quanto a repartição dos poderes – mas com a massificação dos processos educacionais que, cada vez mais intensamente, estão se pulverizando em amenidades, superficialidades e irrelevâncias. O ensino é um desarranjo só em todas as partes do mundo. Restam apenas alguns centros de referência nos países do leste asiático, onde se pesquisa, produz e, principalmente, se persegue a disciplina, o método e o aprendizado real.

No restante, existem apenas falsos mestres e aprendizes equivocados. Todos se nivelam por interesses menores, de salários, carreiras e fama. A mistificação e o falso se revezam nas melhores escolas, seja aqui no Brasil, quanto na América, em Londres ou mesmo na França, onde a cultura e a educação tiveram pontos altos. Tiveram. Na ‘sociedade global e do conhecimento’ valem apenas as redes sociais. O celular, alimento indispensável e de uso contínuo das mentes ralas do nosso tempo, comanda o mundo. Impera em tudo, da política à religião, da economia ao lazer. Tudo é feito, conectado e resolvido por esses aparelhos minúsculos que encolheram o planeta e reduzem cérebro, mentes e almas de todos nós. Somos, os reféns do celular e do mundo digital, os andróides de hoje.

Estamos apenas no alvorecer da sociedade digital do terceiro milênio. Sim, as expectativas são imensas, apesar das nuvens pesadas, das trovadas e das descargas elétricas nos céus. Inesperadas mudanças que não ocorrem apenas na economia, na política e na cultura, mas se registram de forma assustadora no próprio clima da mãe Terra. Há muito ainda pela frente.

Como, afinal, poderia ser o mundo de amanhã? Apenas de chuvas e tormentas? De angústias e medo? De lenta desesperança? Não é o que penso, vencida a primeira etapa daquelas tormentas. Mantenho-me otimista quanto a espécie humana e cultivo o nobre sentimento do ceticismo. O aprendizado humano é lento. Feito de milênios de paciência e de invencível obstinação. O espetáculo da vida não é feito apenas de crescimento e aceleração, como estamos conhecendo nos dois últimos séculos. É lento, sinuoso, cheio de surpresas. Como agora, de novo.

Foi assim há dez mil anos, quando inventamos a agricultura. Seguiram-se os grandes impérios e as civilizações do Egito, da Grécia e Roma. Alexandre, o Grande, viveu cerca de 300 anos antes de Cristo. Foi o primeiro Napoleão do planeta. Daquela época, nos ficaram Buda, Zoroastro, Abraão, Jesus Cristo. Depois veio Maomé e o islamismo. A expansão muçulmana. As grandes descobertas, Cabral e Colombo. O novo mundo. A Reforma, Gutenberg, o Iluminismo. A revolução industrial. E hoje, temos a pós-verdade e a pós- modernidade, nas bordas do fim da sociedade de consumo.

Há um futuro, talvez brilhante para a espécie humana. Por que não um retorno à natureza? Um retorno à espiritualidade? Um retorno ao respeito à individualidade? O fim da autoridade e do autoritarismo? Um novo matriarcado não será possível? Sim, existiu – é pouco conhecido e menos divulgado – uma sociedade matriarcal há cerca de cinco mil anos. Não um grupo isolado e efêmero. Sociedades que se espalharam pela Europa do paleolítico e deixaram esculturas de deusas-mães gordas e férteis. As escavações arqueológicas jamais encontraram nestes sítios qualquer tipo de arma, ou mesmo de esqueletos que tiveram mortes violentas.

Supõe-se que existiu uma civilização que não conheceu hierarquias, armas, propriedade e muito menos exércitos. Teria sido a Idade de Ouro, o Jardim do Éden, a Terra Prometida?  Talvez estejamos a pleno caminho desse retorno. Não foi Nietzsche que escreveu sobre isto, assim como os filósofos da Grécia antiga? O espetáculo admirável da vida e do planeta, da história e dos homens, continua admiravelmente o mesmo. Também nos dias interessantes em que fomos contemplados. Espetáculo curto, mas sempre fascinante. Como agora. 

10 comentários:

  1. Nossa, até que enfim!
    Emocionado aqui.

    (O que aconteceu com o administrador do CA, sumiu? Ficou doente? Como ele deixou que esse belo texto fosse publicado?)

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  2. Brilhante análise. Esperemos que gere reflexão por parte de quem se dignar a ler.

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  3. Grata surpresa.
    Racionalidade e bom-senso servem como luvas de pelica contra a demagogia e as paixões ideológicas.

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  4. Um artigo digno e decente neste site??? Deve haver algum engano ou alguma surpresa próxima...

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  5. Tens que escrever mais aqui, já estava ficando cansado da parcialidade e ignorância de muitos dos articulistas daqui

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  6. Ah, saudosismo conservador! Sempre com seu papo de merda. Realmente, a mídia está mal... Vide os textos do Apolinário. Sempre com a mesma fórmula: culpar o PT, falar que antigamente era melhor, culpar o comunismo, puxar saco da espiritualidade...

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    1. Ih, um petista bravo! Deve estar empregado na iniciativa privada. Mantenha-se anônimo pelo seu bem...

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  7. Antes do renascimento teremos o Caos !

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