sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Admirável espetáculo (parte 1)*


POR APOLINÁRIO TERNES
 Serenidade e resignação são virtudes indispensáveis para se olhar o mundo através dos cenários de 2017 e a partir dos quintais que habitamos na era do ‘conhecimento, da informação e do consumo pleno’. Cenários e quintal em que desembocamos depois de dois séculos de era industrial. Ver e acompanhar o mundo, desde o cotidiano da nossa cidade, do nosso país e do mundo, continua o mais admirável dos espetáculos.

O mundo sempre foi assim, cheio de mudanças, transformações e desigualdades. Nunca, porém, elas foram tão bruscas, radicais e ininterruptas quanto agora. De fato, quando falamos em ‘sociedade líquida’, para homenagear o criador do rótulo, morto nos primeiros dias de 2017 – Zigmut Bauman – o obituário das verdades é devastador. Jamais, como agora, ‘o que é sólido desmancha no ar’, palavras de Marx interpretadas como o advento da modernidade. O Manifesto Comunista que contém a frase é de 1848 e, desde lá, a utopia do comunismo reinou por 70 anos na Rússia dos Romanov e continua hoje no autoritarismo de Putin.

As democracias enfrentaram outros perigos. Na América e na Europa, acuada e horrorizada com o terrorismo religioso e a invasão de milhares de refugiados da velha África e do Leste ariano de sempre. Sim, repete-se de alguma forma o Apocalipse, prenuncia-se a devastação, assombram-se os espíritos com o pior de todos os males, o medo imediato de certa insegurança. A angústia do mundo não é apenas sólida e física, é pior, é transcendental, digital, extensivamente global. Agora, depois de Trump, as esperanças estão se fundindo na promessa irreal, irracional e irrealizável de volta ao passado. Das certezas e das esperanças, por exemplo, da década de 1950, há meros 67 anos. Estamos de volta, na América e na Europa, pouco depois do que aconteceu por aqui, ao populismo, à demagogia, ao autoritarismo.

Não se trata, contudo, da repetição da história. Nem como farsa. Trata-se da instalação do ‘Admirável Mundo Novo’ de Aldous Huxley e do ‘Grande Irmão’, de Orwell. A sociedade hiperconectada, hiperinformada, hiperdirigida. É assim que estamos vivendo, nestes dramáticos dias de populismo direto na América e de obsolescência do Estado no Brasil. Aqui, com a dissolução de tudo o que antigamente se entendia por autoridade, instituições e Estado organizado. O caos das penitenciárias é o mesmo da Educação, da Infraestrtutura, da Segurança, da Justiça, enfim, do sistema. É nisso que chegamos, é disso que padecemos.

A Lavajato e o Petrolão são ícones de todo o resto. A liquidação final e total do Estado, com a desintegração das chamadas estruturas administrativas em todas as suas esferas e em todos os poderes. No Legislativo, Judiciário e Executivo, todos inoperantes, invadidos por gente desqualificada, ocupadas umas com salários e privilégios, outras em propinas e vantagens. A dissolução do Estado organizado e a desfaçatez completa e irrestrita com o povo. Aquele mesmo de que tudo participa, vota, aplaude e é o principal autor desta obra de Mefistófeles, o diabo do Dr. Fausto.

Um retrato ao mesmo tempo dramático, devastador e fascinante do ciclo construído pela ‘sociedade da informação’, anunciada em 1964 pelo semiótico Marshall McLuhan, o guru de então. Profético lá, fatídico agora. Somos uma sociedade mundial em acelerado processo de decomposição, onde os mais fortes começam a se recolher – e encolher – talvez na ilusão de resistir e sobreviver.

Primeiro a Inglaterra, saindo da Comunidade Européia, depois os americanos apostando no messiânico da vez. No Brasil, como em todas as periferias, ficaremos com os restos, próprios a uma nação que elegeu o resto para administrar suas cidades, estados e país. Para atulhar os legislativos com o mesmo resto humano que, igualmente, se ocupa de outras áreas, tidas como mais nobres, ainda que miseravelmente ineficientes.

Assim mesmo, são igualmente as demais democracias do planeta, onde a esqualidez dos protagonistas concorre com a pobreza intelectual e moral dos demais coadjuvantes. Sim, as instituições do planeta estão em frangalhos, como aqui. Lá, como aqui, em todas as esferas, reinam agora os sistemas de comunicação que se perderam na mediocridade, na bajulação contínua, na exploração do patético e na fatal desconsideração de leitores e espectadores. 

Daí que a imprensa em papel encolhe em todos os lugares, jornais e revistas fecham às centenas e o próprio jornalismo – reinventado para pior nas escolas do mesmo nome – se empobreceu de forma absoluta. O grande mantra de nossos dias apregoa que todos somos jornalistas e todos são informantes. Deu no que tinha que dar – informação banalizada e jornalismo orientado pelos idiotas da Internet, como, aliás, apontou Umberto Eco pouco antes de morrer, ano passado.

Fiquemos em Joinville. O que aconteceu à cidade nos últimos anos, desde 2001 – quando dos festejos dos 150 anos de fundação? Lento e corrosivo retrocesso. Não apenas na paisagem, no urbanismo, no trânsito, nas praças e no lazer, mas do ponto de vista da administração pública, dos governos e da ação política? Corrosivo e lento retrocesso. Talvez o símbolo maior da última década e meia do que aconteceu à cidade esteja no prédio arruinado da ex-prefeitura. O retrato da administração pública, da ineficiência, da precariedade, da má gestão de tudo o que é público. A gestão foi despedaçada aos poucos, notadamente nos quatro anos de governo do PT.

No período, os prédios públicos da cultura, por exemplo, ruíram e paredes foram ao chão. Escrevi, então, que a cultura de Joinville reduzira-se a pó. O tempo provou o diagnóstico.  Os profetas do PT que pregavam a ‘democratização’ da cultura desapareceram, mas as ruínas que deixaram ainda nos cercam. Joinville retrocede e se tornou uma cidade medíocre, como milhares de outras. O que jamais fomos em 150 anos de história.

*Texto em duas partes. A segunda será publicada amanhã.

6 comentários:

  1. E no final, a culpa é do PT. Patético!

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  2. Esse texto me lembrou o Sandoval Quaresma da Escolinha do Professor Raimundo. Tava indo bem, até tava interessante, mas falou tudo isso pra no final, quando era pra tirar 10...PAU! A culpa é do PT. Não tem jeito mesmo.

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  3. Penso que temos outras SIGLAS com culpa no cartório! Mas muito interessante o texto. Como sempre.

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  4. Quando chegamos na prefeitura caiu um balanço na cabeça de uma criança, que infelizmente faleceu. Tivemos que fazer um contrato de manutenção de todos os parques infantis, não havia. Depois caiu o teto da Biblioeca. Fizemos um convênio com o governo do Estado para a reconstrução do Prédio. Depois interditamos o abandonado Abel Schultz e elaboramos um projeto para reconstrução total do equipamento. Depois tivemos que resolver problemas estruturais nos muros de arrimo da Prefeitura, que ameaçavam desabar. Pintamos e reformamos totalmente a Arena Joinville, que estava prestes a ser interditada para os jogos do JEC. Depois fizemos mais de 40 pontes, substituindo as de madeira por concreto armado. Também reformamos o Centroeventos, com goteiras, problemas hidráulicos e interdições dos Bombeiros. Pintamos e reformamos Museus, revitalizamos a rua das Palmeiras, reconstituímos o Centro Histórico, contratamos a segunda fase da fiação subterrânea, trocamos as luminárias da cidade e iniciamos a reforma completa do Mercado Público. Reformamos e construímos dezenas de praças, como a do Floresta e a do Calceteiro. Retomamos o Funplata que permitiu a construção do Parque da Cidade, do Parque São Francisco, do Portal do Mart e posteriormente o Mirante do Boa Vista. Abrimos linhas no PAC para a construção de escolas infantis, postos de saúde e UPAS, além de ter evitado o fechamento do São José, com investimentos maciços e a retomada de obras no Pronto Socorro. Revitalizamos o Portal da Cidade e construímos o Centro do Turista. Recuperamos instalações depreciadas da Fundamas e da SAS que estavam desabando sobre a cabeça dos funcionários. Construímos um prédio novo para a CONURB, com instalações totalmente novas para os agentes de trânsito. Retomamos o controle da Rodoviária, absolutamente abandonada. Adquirimos a sede própria da Águas de Joinville, um prédio moderno e funcional. Concluímos todos os contratos em andamento para a construção de escolas e finalizamos a construção do prédio do Restaurante Popular do Ademar Garcia, além de ter construído o novo Centro de Bem Estar Animal e ter recuperado laboratórios da Fundação do Meio Ambiente. Fizemos a macrodrenagem do Rio Morro Alto e o binario, além de ter deixado pronto o contrato para a obra no Rio Mathias. Negociamos à exaustão com o governo do Estado a finalização do binário da Vila Nova e retomamos investimentos de pavimentação do BADESC. Compramos um supercomputador para a Prefeitura e informatizamos o descalabro administrativo, regularizando serviços em tempo real, como a certidão de débito negativo. Isso é só uma pequena amostra. Falar que o PT não cuidou da cidade ou é absoluta e leviana ignorância ou uma opção política comezinha pela ridícula desqualificação do adversário.

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