quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Zicas e zarcões


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há duas razões que me levam a repercutir o texto do Felipe Silveira, publicado na segunda-feira aqui no Chuva Ácida.

ZICAS - A primeira é que ele cita a minha coluna de domingo no AN. Para quem não leu, é um texto no qual comento essa fissura que muita gente tem de apontar a bicicleta como alternativa para a mobilidade urbana em Joinville. Não é. É mais ou menos como pretender curar um câncer com aspirina. E sem querer repisar os argumentos apresentados no jornal, limito-me a tentar esclarecer uma dúvida exposta pelo Felipe: se a bicicleta serve para a Europa e se serve para Joinville.

A resposta e simples. A bicicleta serve para algumas cidades da Europa, como para algumas cidades das Américas ou da Ásia. Não serve para Joinville. Por causa do clima sufocante no calor e pelo tempo chuvoso em todas as estações. A natureza é o meu argumento. E já que vamos comparar com a Europa, um exemplo. A bicicleta também não serve para Lisboa, conhecida como a Cidade das Sete Colinas. Com essa indicação de relevo - que indica subidas e descidas íngremes - fica fácil perceber que a capital portuguesa não é o paraíso das zicas.

ZARCÕES - O segundo motivo não vem do texto do Felipe, mas do filme que mostra a entrevista com o estudante de marketing Ivan Rocha de Oliveira. O futuro marketeer propõe a criação, em Joinville, de um passe mensal no transporte público (é sempre no singular), a exemplo do que acontece em Portugal. Sob esse aspecto, só tenho uma coisa a dizer: é inacreditável que isso ainda não exista em Joinville. Em que século vive esse pessoal dos transportes?

Mas a minha concordância acaba aí. O que Rocha de Oliveira não explicou na entrevista é que os passes em Lisboa, por exemplo, são multimodais. Isso significa que há outras formas de transportes públicos (repito: outras formas). Eu, por exemplo, uso três tipos entre a minha casa e o trabalho: trem, barco e metrô de superfície (o tal VLT que as autoridades de Joinville nem aceitam discutir). Só me recuso a usar ônibus porque é um inferno: concorre com os carros e é a antítese daquilo que entendo por mobilidade.

Outra coisa que o estudante não referenciou foi que em Portugal o transporte público é tendencialmente público e subsidiado pelo governo. Aliás, o setor acabou se tornando um problema, agora que o país está sob controle da Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) por causa da crise. Os cortes nas despesas estão a obrigar essas empresas a criar administrações mais racionais. Os buracos financeiros são uma maravilha.

A proposta de Rocha de Oliveira, apesar de bem intencionada, nem de longe toca no que é essencial. Não dá para acreditar que, apenas pela implantação do passe mensal, as pessoas passem a andar de ônibus. Com todo respeito, é uma ingenuidade. A resistência a andar de ônibus tem pelo menos duas causas. A primeira é cultural, o que chamaria o “novo-classemedismo” – por declinação de novo-riquismo -, que leva a preferir o carro. E a outra é óbvia: a má qualidade do sistema de ônibus, que por si só não faz um sistema de transportes públicos a sério.

Uma coisa é certa. As pessoas só vão optar pelos transportes públicos quando houver alternativas e serviço de qualidade. E só com o ônibus a palavra “alternativa” fica banida do discurso. Pensar no transporte público apenas com ônibus é um erro crasso que vai custar caro à cidade num futuro bem próximo. Mas, como diria o conformista, dos males o menor. Com as ruas entupidas de carros e zarcões, talvez as pessoas se lembrem de escolher a bicicleta como alternativa. Não porque seja agradável, mais porque talvez seja a única maneira de alguém conseguir de locomover.

P.S.1. A foto que ilustra o texto é de Amsterdam. Lá as pessoas usam a bicicleta para depois pegar outro tipo de transporte.
P.S.2. O texto do AN. http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3583063.xml&template=4191.dwt&edition=18497&section=1205

10 comentários:

  1. Interessante o esclarecimento, mas eu passo aqui apenas para explicar que meu texto não se aprofunda sobre nenhuma proposta.

    Na proposta do MPL, por exemplo, eu só digo o que eu entendo por ela e dou o link para o facebook. Na do Ivan, eu mal comento e coloco o vídeo onde ele mesmo introduz ao assunto.

    No entanto, nenhuma delas é detalhada. O texto é um convite para que as pessoas conheçam diferentes olhares, discussões e propostas.

    Ambas, logicamente, contam com subsídio público, mas é claro que devem ser adaptadas de acordo com cada realidade. E a realidade brasileira é bem diferente da realidade portuguesa. (realidade, aqui, é no sentido mais comum mesmo...)

    Achei precipitado chamar de ingenuidade, pois, evidentemente, é o princípio de uma proposta, a essência. E, como tu mesmo disseste, "é inacreditável que isso ainda não exista em Joinville".

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  2. Eu discordo do Baço.

    A proposta do Ivan é um ponta pé para o debate. Eu não sou defensor da proposta de mensalidade, pelo pouco que encontrei sobre o tema, achei fraquinho para modificar a lógica privada no transporte coletivo.

    Eu sou bem mais chegado a proposta do Tarifa Zero, que apresenta experiências práticas na História recente do Brasil e algumas cidades europeis. No link http://tarifazero.org/ tem muitas informações.

    Eu acredito que o debate seja fundamental, por isso levantar propostas de diferentes lugares (como o IVan e o MPL estão fazendo) é um ponta pé inicial importantíssimo.

    Antes que alguém faça lembrança do modelo de transporte realizado em Bogotá:

    Algumas opiniões críticas sobre o sistema de transporte de Bogotá “Transmilenio”*
    http://pro-cao.blogspot.com/search?updated-max=2010-04-28T13:28:00-07:00&max-results=1

    abraço

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  3. Atenção. Eu não questiono o texto do Felipe. E nem ponho a proposta do Ivan em questão. Apenas digo que a ideia de um bilhete mensal (que já deveria existir) é curta para um problema complexo. O meu entendimento é que as pessoas - autoridades e também os movimentos sociais - estão muito centradas no ônibus. Não parece ser a solução para os problemas do futuro. Acho importante pensar fora dessa caixa.

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  4. Em Joinville chove é? E em Amsterdã neva e faz frio, andar de bicicleta seria um inferno, porém está inserido na cultura. Falta incentivo e estrutura, e o mais importante: Tirar da cabeça das pessoas que carro é sinônimo de status.

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  5. Baço, dê uma olhada; http://youtu.be/2rETLfzQrIw
    http://youtu.be/WkgKYjrNLwg

    Força de vontade, falta de alternativa ou cultura do país? Desculpas para não pegar um ônibus ou uma bicicleta não faltam, né! ;-)

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  6. Meu caro Alexandre. Como diria Jack, the Stripper, vamos por partes.
    1. Na Holanda as cidades são pensadas para as pessoas. Não se trata propriamente de uma "cultura", mas de habituação. Se as bicicletas tem prioridade, as pessoas usam. Se há interfaces com outros meios de transporte, as pessoas usam. Joinville é uma cidade historicamente (des)organizada para os carros.
    2. Das vezes que estive na Holanda, só vi nevar uma vez. E não havia ninguém da nas ruas, muito menos de bicicleta. O calor é perfeitamente suportável. Não sei se já estiveste por lá no verão, mas é tranquilo. Em Joinville o calor é insuportável e sufocante.
    3. Lembro do que escrevi no AN. Não sou um especialista em mobilidade urbana e o meu julgamento é feito a usar as glândulas sudoríparas: eu não andaria de bicicleta em Joinville, mas andaria na Holanda.

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  7. Então, eu também não especialista, porém não vejo muita alternativa para Joinville (e demais cidades)que já estão estruturadas para os automóveis. Melhoria do transporte coletivo talvez? O que vemos são medidas paliativas e emergenciais. Posso estar sendo ingênuo, afinal não sou especialista no assunto, mas oferecer condições para que as pessoas utilizem a bicicleta, pode ser uma alternativa. Abraço!

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  8. Olá José Baço,

    Em primeiro lugar obrigado pelos comentários referentes ao vídeo e abrir a oportunidade do debate.
    Concordo com você na questão das "Zicas". As chuvas são seus piores inimigos e o que fazer famílias com crianças e as diversas coisas que se precisa carregar quando se sai de casa. Porém muitas pessoas tem andado de bicicleta, que é uma fatia do transporte de pessoas, então não resolverá todo o problema mas funciona em casos pontuais. Mesmo com tanta chuva e tanto calor.
    Ainda temos as motos, que também sofrem os mesmos problemas que teoricamente inviabilizariam o uso de Zicas, e são os grandes vilões das mortes de trânsito.
    Acredito que este público é potencial para voltar a utilizar o transporte coletivo, que hoje não utiliza devido a falta de alternativas.
    Acrescente aí todos os adolescentes que hoje vão para cima e para baixo sendo levados de carros por seus pais, não são todos, nem a maioria, que ganharão carros ao completar 18 anos e você terá um aumento considerável no número de usuários.
    Porém você citou o “novo-classemedismo”, que eu prefiro chamar de Nova Classe C. É Nova, porque é diferente da antiga. Segundo revistas que pesquisam comportamento do consumidor, a antiga era egoísta e se espelhava nos ricos. A nova é nova porque é diferente. Ao invés de se espelhar nos ricos, prefere história de pessoas que eram como elas, e venceram. E diferente do egoísmo da antiga, a nova classe média tem mais valores sociais e é mais preocupada com seus vizinhos e familiares.

    Com base nesses dados eu acredito então que a implantação da mensalidade vai sim aumentar o número de usuários logo após sua implantação.

    Porém concordo que isso não é suficiente para haver uma mudança completa do sistema, mas da um ponto de partida básico na mudança de visão das pessoas sobre o sistema de cobrança por uso, passando para a visão de pagamento mensal.

    Falando sobre os outros detalhes que "omiti" sobre o sistema português, e com o aumento do número de usuários do sistema, e do número de viagens, fica lógico a necessidade de outros investimentos, como o VLT.

    Sobre o subsídio, minha proposta é a criação de metas para novos usuários, cada vez que uma meta é alcançada, aumenta-se o subsídio e diminui a mensalidade, podendo chegar até o tarifa zero. Também não há dúvida que para fazer esse controle é preciso que seja uma empresa pública para que se alcance a qualidade necessária.

    E sobre os cortes públicos, com base nisso que prefiro iniciar com mensalidade até chegar no tarifa zero, do que sugerir diretamente o tarifa zero.

    Aliado a isso ainda tenho propostas a serem implantadas em simultâneo no trânsito, para que se valorize em primeiro lugar a SEGURANÇA, para então poder dar preferência ao pedestre, mas isso é motivo para outro debate complementar...

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  9. Andar de bike em Joinville é para os fortes. Para os que têm tutano nas veias, sangue para jorrar e pele para esfolar, quando são atropelados. Porque vivemos de promessas... mais ciclovias, mais ciclofaixas. É sempre a mesma lenga. E também com a eterna falta de respeito dos motoristas.
    Stefana

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