terça-feira, 1 de abril de 2014
50 anos, hoje
POR CLÓVIS GRUNER
Há cinco décadas o Brasil
acordou sombrio. Na madrugada do dia 1º de abril de 1964, um golpe orquestrado
por forças militares e civis colocava fim ao breve interregno democrático que
se iniciara com o fim do Estado Novo, duas décadas antes. Uma democracia
sitiada, é verdade, e em permanente estado de tensão. Frágil e confrontada pelo
golpe, a ela se seguiu uma ditadura que se estendeu pelos 21 anos subsequentes,
e cuja herança nos assombra ainda, como um espectro não inteiramente sepulto. O jornalista Luiz Cláudio
Cunha resumiu assim o período e seu legado:
“A conta da ditadura de 21 anos prova
que ela atuou sem o povo, apesar do povo, contra o povo. Foram 500 mil cidadãos
investigados pelos órgãos de segurança; 200 mil detidos por suspeita de
subversão; 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; 11 mil acusados nos
inquéritos das Auditorias Militares, cinco mil deles condenados, 1.792 dos
quais por “crimes políticos” catalogados na Lei de Segurança Nacional; dez mil
torturados nos porões do DOI-CODI; seis mil apelações ao Superior Tribunal
Militar (STM), que manteve as condenações em dois mil casos; dez mil
brasileiros exilados; 4.862 mandatos cassados, com suspensão dos direitos
políticos, de presidentes a governadores, de senadores a deputados federais e
estaduais, de prefeitos a vereadores; 1.148 funcionários públicos aposentados
ou demitidos; 1.312 militares reformados; 1.202 sindicatos sob intervenção; 245
estudantes expulsos das universidades pelo Decreto 477 que proibia associação e
manifestação; 128 brasileiros e dois estrangeiros banidos; quatro condenados à
morte (sentenças depois comutadas para prisão perpétua); 707 processos
políticos instaurados na Justiça Militar; 49 juízes expurgados; três ministros
do Supremo afastados; o Congresso Nacional fechado por três vezes; sete
assembleias estaduais postas em recesso; censura prévia à imprensa, à cultura e
às artes; 400 mortos pela repressão; 144 deles desaparecidos até hoje”.
Desde o começo deste ano não
faltam eventos a rememorar a data e avaliar suas muitas implicações: simpósios,
colóquios, programas de TV, edições e cadernos especiais na imprensa, títulos memorialísticos,
acadêmicos ou grandes reportagens revisitam sob diferentes prismas o período. Não
pretendo um balanço exaustivo dessa produção, nem tecer sobre a ditadura algum
comentário original. Mas como brasileiro e historiador, creio que é um
compromisso, além de profissional, também ético e político, contribuir para que
os eventos daquele fatídico 1º de abril não sejam esquecidos. E é nesse espírito
que gostaria de retomar três questões sobre o assunto, que considero fundamentais:
Um golpe contra outro
golpe – Consagrou-se em alguns círculos, e não apenas militares, a versão de
que o golpe de 1964 fez-se para evitar outro. Trata-se, obviamente, de uma narrativa
que interessa aos responsáveis pelas mais de duas décadas de ditadura, mas que não
se sustenta em nenhuma das muitas evidências históricas sobre o período. Em
entrevista concedida ao CPDOC da FGV, o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira
fala das muitas “provocações” que antecederam o 1º de abril, essenciais
para criar um clima de animosidade e conflito necessário para justificar a tomada
de poder pela direita civil e militar. E embora admita a tendência à radicalização
de algumas lideranças ligadas a João Goulart, é enfático quanto à inexistência
de qualquer condição ou pretensão golpista, dentro e fora do governo: a
principal força de esquerda, o PCB, além de atuar na ilegalidade, tinha um
perfil muito mais reformista que revolucionário.
Havia um ambiente de conflito,
em parte decorrente da Guerra Fria e do fantasma da ameaça soviética. Se desde
o início da década de 60 falava-se do “perigo
comunista”, em um contexto de acirramento das tensões e posições políticas, o “perigo
comunista” se transformou na ameaça de um golpe que instauraria uma “república
sindicalista” aos moldes da revolução cubana. Mas fora da propaganda que ajudava
a alimentar a atmosfera golpista, a realidade era diferente. Se por um lado as
experiências de Cuba e da Argélia, ainda recentes, inspiraram parte da esquerda
brasileira, essa mesma esquerda não tinha pretensões nem tampouco fôlego para
qualquer coisa que, mesmo remotamente, sugerisse a revolução e o golpe.
Insisto: os principais
grupos e lideranças de esquerda eram reformistas: falavam
e defendiam a reforma agrária e as reformas de base; reivindicavam o
nacionalismo contra o capital estrangeiro; produziam uma cultura que se
pretendia “popular” como um meio de “desalienar” as massas demasiadamente
influenciadas pelos padrões culturais tidos por imperialistas, etc... A ameaça de
um “golpe comunista” é apenas mais uma mentira perpetrada pelos artífices da
ditadura. Repetida tantas vezes, ainda há quem nela acredite. Mas isso não a
torna uma verdade.
A ditadura não foi apenas militar – Não haveria golpe nem
uma ditadura que perdurou por duas longas décadas sem a estreita colaboração de militares e civis. Foi essa aliança que sustentou a ditadura, inclusive
financeiramente: hoje sabemos de empresários e grupos empresariais que levaram sua
adesão ao regime para além da simpatia, ajudando a financiar a máquina da
repressão que começa a funcionar já em 1964.
Também fundamental, e que finalmente tem merecido a devida
atenção de pesquisadores, foi o apoio dos meios de comunicação. Desde os pequenos
jornais do interior – como a joinvilense “A Noticia” –, até a chamada “grande
imprensa” – “O Globo”, “Folha” e “O Estado de São Paulo”, entre outros – raras,
raríssimas foram as exceções: os meios de comunicação não apenas ajudaram a
fomentar o golpe, colaborando para que se instaurasse no país um ambiente de terror
e temor. Consolidado o governo militar, poucos foram os que recuaram efetivamente
em seu apoio inicial, declarando abertamente sua contradição. A maioria
manteve-se titubeante, em parte pela ameaça da censura, mas também porque
continuava a reconhecer a legitimidade do governo militar.
E há, conhecidos, aqueles casos em que o apoio perdurou ao
longo dos 21 anos de ditadura, como a Rede Globo, numa relação promíscua em que
os sucessivos governos foram beneficiados com o suporte midiático, tanto quanto
beneficiaram empresas e empresários de comunicação. Aliás, nunca é demais
lembrar que se a cultura da corrupção está, ainda hoje, impregnada na vida
política do país, ela encontrou no ambiente instaurado pelo golpe de 64, um
terreno fértil. Foram duas décadas de corrupção e impunidade, favorecidas ambas
pela certeza arrogante que tem os governos autoritários, que nada nem ninguém
os ameaçam.
Resistências e repressão –
A repressão feroz que se abateu sobre toda e qualquer forma de oposição, tem
sido recentemente relativizada aqui e acolá, inclusive por alguns historiadores.
Mas não há relativização possível quando se trata da garantia dos direitos
humanos fundamentais, sucessivamente desrespeitados nos porões e Casas da Morte
onde a ditadura humilhou, torturou e assassinou oponentes. Sobre esses, já se
falou muita coisa, mas é preciso que se diga uma vez mais: nem toda oposição
aos militares pegou em armas. A luta armada, aliás, representou uma ínfima parte
de uma resistência que se fez também por caminhos institucionais – com a
atuação do MDB, da OAB, de setores da igreja, entre outros –; intelectuais e
artísticos, além das muitas tentativas de manter vivos e atuantes os movimentos
sociais urbanos e rurais. A ditadura não perdoou ninguém e tratou a todos,
indiscriminadamente, como criminosos e inimigos.
Pode-se dizer, hoje, que a
luta armada foi um equívoco, e que aqueles que lançaram mãos às armas não pretendiam,
efetivamente, a retomada da democracia, fazendo da oposição à ditadura um meio
para se atingir um fim: a instauração do socialismo. Tudo isso pode ser
verdade, e ainda assim nada disso justifica a violência do Estado. Primeiro,
porque a correlação de forças era absurdamente desproporcional: um punhado de
militantes, em sua maioria mal e parcamente armados e treinados, enfrentou o
poder e o aparelho do Estado, com seus muitos mecanismos de inteligência e órgãos de vigilância, além das instituições repressivas, parte delas atuando clandestinamente. Não havia ameaça e, mesmo se ameaça houvesse,
é terrorista o Estado que trata fora dos limites da lei cidadãos que, uma vez
rendidos, já não oferecem nenhum tipo de resistência.
Mas não é só. Não é
casual que a ousadia e a violência dos grupos armados e revolucionários aumentaram
na proporção da truculência institucional, de que o AI-5, decretado no final de
1968, é o marco histórico definitivo. Nesse sentido, a ditadura não apenas forjou
as condições para que parte da oposição optasse pela resistência armada. Ela forneceu
as razões políticas para todas as formas de resistência que se opuseram a ela. É preciso
que se diga, sem receio: é legítima a insurgência contra governos ilegais
que se sustentam na e pela tirania. Sob esse ponto de vista, mesmo a luta
armada traz intrínseca, apesar de seus muitos equívocos, uma aspiração que é não
apenas legítima, mas democrática, ao se insurgir contra um governo, além de autoritário,
ilegal, imoral, ilegítimo e corrupto, constitucional e politicamente.
***
Nas últimas semanas li e
ouvi inúmeras manifestações a pedir uma “intervenção militar”. O ápice dessa
nostalgia autoritária foi a tentativa, patética e fracassada, de reeditar a
Marcha com Deus pela Família. Nas cidades onde ocorreram, marcharam lado a lado
militares; religiosos exaltados e fundamentalistas; tucanos e demos
principalmente do baixo clero; eleitores sem partido descontentes com o governo
do PT, a quem atribuem todo o mal que há no mundo; e militantes neonazistas,
entre outros. Uma fauna apenas aparentemente diversa, que nas ruas e
principalmente nas redes sociais apela pelo retorno ao autoritarismo.
O Brasil vive, principalmente desde FHC e Lula, um processo de aprofundamento e consolidação democráticos. Como toda democracia, a nossa também é frágil e precária, não porque ameaçada, mas porque em permanente construção e invenção. Estar atento às suas fragilidades implica, sim, criticá-la. Mas para fazê-la avançar, não para retroceder. Precisamos de mais democracia. Nunca de menos.
O Brasil vive, principalmente desde FHC e Lula, um processo de aprofundamento e consolidação democráticos. Como toda democracia, a nossa também é frágil e precária, não porque ameaçada, mas porque em permanente construção e invenção. Estar atento às suas fragilidades implica, sim, criticá-la. Mas para fazê-la avançar, não para retroceder. Precisamos de mais democracia. Nunca de menos.
segunda-feira, 31 de março de 2014
Este é um país que vai pra frente
POR ET BARTHES
Neste 31 de Março, não podíamos deixar de lembrar o infausto golpe militar. E nem esta musiquinha que a ditadura usou para "mobilizar" os brasileiros.
Promiscuidade republicana
POR JORDI CASTAN
Difícil imaginar que algum dos nossos vereadores conheça o modelo republicano proposto por Montesquieu, baseado no equilíbrio entre os três poderes da república. Escreveu Montesquieu: "Não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Não existe liberdade, pois se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente".
Os nossos vereadores ou gazetearam essa aula ou não frequentaram a escola ou estão mais preocupados com os seus interesses particulares que com o bem publico. Numa atitude, diga-se, muito pouco republicana.
A promiscuidade entre executivo e legislativo em Joinville é tão escandalosa que não há a menor preocupação em dissimular. Jornais noticiam, divulgando nomes e cargos, quais e quem são os cargos comissionados, acomodados no executivo, que são indicados ou pertencentes à cota de cada vereador. Sem entrar em maiores detalhes, também vale a pena se informar sobre caminhões, escavadeiras e equipamentos locados, pela Prefeitura, e que pertencem a empresas - ou mantêm vínculos muito próximos - de vereadores e ex-vereadores.
É normal, nesse quadro, que o prefeito se ache no direito de dar um pito quando os vereadores não votam de acordo com os interesses do executivo. Há vereadores que mantêm uma relação de submissão ao prefeito, de tal subserviência que parecem ser comissionados e cujos cargos dependem da boa vontade do prefeito. A imagem dos chamados "vereadores da bancada", sendo lecionados pelo prefeito sobre como votar e o que votar, lembra a imagem da "Escolinha do Professor Raimundo".
Poucos vereadores têm conhecimento, capacidade, vontade ou a isenção necessária para fiscalizar o executivo. O risco de perder "bocas" e desempregar apaniguados faz que o legislativo municipal tenha se convertido num cartório de homologação dos atos do executivo. Isso faz que, sentindo a falta de fiscalização, o executivo fique cada dia mais arrogante e desavergonhado. Com ampla maioria e sem oposição, há uma tendência a prepotência e a descumprir prazos e procedimentos. A pressa tem se provado uma péssima conselheira.
A esse quadro há que acrescentar ainda a figura dos vereadores-secretários, que ocupam cargos no executivo, permitindo que a camara se encha de vereadores suplentes. Os suplentes são zumbis sem poder político, que não podem ter opinião diferente da do executivo, pois caso discordem poderão perder o seu mandato imediatamente. Assim secretários - vereadores podem ser exonerados a qualquer momento para que voltem para a Câmara e votem a favor de esse ou daquele projeto e ser renomeados, no dia seguinte, para que voltem a ocupar as suas secretarias. Numa situação que enfraquece o legislativo e causaria espanto em qualquer sociedade séria. Mas que aqui é tratada com naturalidade.
Estava certo aquele vereador que, desde a sua candidez, quando perguntado sobre se era a favor da "reforma administrativa" disse que ele era contrário à sua aprovação. Quando o repórter perguntou a razão, o vereador respondeu impávido: porque o prefeito ainda não falou comigo.
Faz bem a sociedade em buscar apoio no judiciário, o tripé republicando depende do equilíbrio entre os três poderes, pois para Montesquieu "só o poder freia o poder." O peculiar modelo republicano da Vila dos Manguezais, como no resto de Pindorama, é uma luxuriante orgia em que vale tudo pelo poder. O resultado é essa promíscua relação em que uns gozam e os de sempre pagam a conta.
sábado, 29 de março de 2014
sexta-feira, 28 de março de 2014
Abuso de poder na UFSC mostra continuidades da ditadura
POR FELIPE SILVEIRA
Nos meus últimos textos defendi a criação de atividades e espaços da memória que refletissem sobre a ditadura civil-militar (1964-1985) – e consequentemente sobre a história do Brasil e do mundo, já que este é um episódio marcante internacionalmente. Leia aqui. Mais do que isso, defendi que seja pensada e construída uma educação emancipatória cujo sentido seja não repetir a barbárie de 64. Leia aqui. E não repetir a barbárie também é enfrentá-la nas suas manifestações do dia-a-dia. Lutar para não repetir a barbárie da ditadura também é lutar contra as suas continuidades, como a que aconteceu na UFSC nesta semana.
O que a polícia fez foi um absurdo, e há inúmeras coisas a se discutir a respeito disso. Não vou abordar todas aqui, mas chamo a atenção para duas: a motivação da polícia e a reação da mesma diante da reação dos estudantes e professores.
Quanto à primeira, diz o delegado que não vai deixar que transformem a universidade em uma “república de maconheiros”. Olha aí a continuidade da ditadura. Temos o inimigo, a maconha e os maconheiros, responsáveis pelos males do mundo. E não importa se o mundo que raciocina contraria essa tese. Para uma boa parte da polícia, maconheiros são os grandes financiadores do tráfico e devem ir em cana, de preferência tomando umas porradas antes. Se for comunista, antes, durante e depois. Hoje, em uma discussão, um policial militar disse: “Comunista bom é comunista morto.”
Outra continuidade foi a reação das forças repressoras diante da reação das forças populares. Por causa de alguns cigarros de maconha (e não estou defendendo que a polícia simplesmente ignore o fato) armou-se uma guerra. Não se quis dialogar ou negociar, como poderá ser visto no vídeo e lido na entrevista linkada abaixo. E não se quis porque a ideia do agente policial era demonstrar poder. Um poder que entre 1964 e 1985 não conhecia limites. E um poder do qual muitos tem saudade ou não acham que perderam.
Alguns apontam um exagero das duas partes – polícia e universitários –, mas esqueceram que a polícia queria levar estudantes em carros não identificados. E isso me parece um bom motivo para uma reação popular, não? Não foi o único.
Neste vídeo pode ser vista a tentativa do professor Paulo Pinheiro Machado de dialogar com o delegado Cassiano:
Foto de Marco Santiago, do jornal Notícias do Dia, de Florianópolis |
E aqui tem uma entrevista com o professor ao Diário Catarinense. Segue um trecho sobre como começou o confronto: "Ficamos por duas horas negociando com o delegado Cassiano da Polícia Federal. Ele foi irredutível. Quando iríamos conseguir a dispersão mútua para evitar o confronto ele decidiu levar os estudantes presos. O comandante Araújo da Polícia Militar estava cooperando conosco, mas o delegado se mostrou intransigente. Propomos que o Boletim de Ocorrência fosse feito no local ou então que um procurador e um professor acompanhasse os estudantes, mas ele disse que não poderia colocar eles no carro da polícia."
***
A truculência da polícia não é novidade. Não era nem na ditadura. A polícia é violenta desde que foi criada, mas durante o regime militar se extrapolaram todos os limites. A violência que vemos hoje –na universidade, nas comunidades periféricas, nas favelas e nas manifestações populares – é uma continuidade daquele período sombrio. Para quem não sabe como foi esse período, vale dar uma olhada nas declarações do ex-agente do CIE, Paulo Malhães, dadas à Comissão Nacional da Verdade há dois dias, nas quais admitiu a prática de tortura, mortes, ocultações de cadáveres e mutilações de corpos, cujo objetivo era impossibilitar a identificação das vítimas.
A truculência policial é somente um aspecto. A herança da ditadura é muito ampla. Continua-se calando trabalhadores e sindicatos pelas mais diversas formas, continua-se fazendo tudo em nome do lucro, continua-se destruindo o meio-ambiente e escravizando pessoas em nome do capital, continua-se comprando votos... Sem contar que destruiu uma geração de intelectuais e artistas que estava em ebulição e trabalhava pela construção de um Brasil melhor.
Que essa data simbólica seja marcada pela decisão de descontinuar esse tipo de coisa. E que seja um recomeço.
quinta-feira, 27 de março de 2014
Saudades da ditadura?
POR ET BARTHES
Cenas de tortura no filme "Pra Frente Brasil", de Roberto Farias, realizado em 1982. É ficção, mas...quarta-feira, 26 de março de 2014
A revistona e a servidão voluntária
Étienne de la Boétie |
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Um dia destes citei, algures por aí, o livro “Discurso da Servidão
Voluntária”, de Étienne de la Boétie. E hoje vou retomar o tema, mas numa
variação da abordagem. Na sua análise, desenvolvida no século 16, o filósofo francês
mostrava a sua inquietação frente a um fato: pessoas que, de forma espontânea,
estão dispostas a abrir mão da própria liberdade.
La Boétie fala de uma realidade concreta. Ou seja, de pessoas que abrem mão
do livre arbítrio em favor de um tirano. É a partir desse ponto que me permito
fazer uma extrapolação, saltando para o plano abstrato das ideias: pessoas que
abrem mão da liberdade de pensar pela própria cabeça e se deixam tiranizar pela repetição uma arenga ideológica qualquer (ideologia no sentido
atribuído por Marx – de deformação).
NANISMO INTELECTUAL - A servidão
voluntária é para gente que, por razões de classe ou por simples abulia
política, se recusa ao motu proprio. Gente que prefere repetir o tatibitate de nanicos
intelectuais (tipo Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino ou o astrólogo Olavo
de Carvalho) ou de projetos editoriais que sequer se preocupam em disfarçar os
seus objetivos políticos.
Na semana passada pude acompanhar a repercussão, nas redes sociais, de
matérias de dois meios de comunicação, a Veja e o Estadão, publicados quase em
simultâneo, sobre a prisão do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto da Costa,
na Operação Lava Jato. E antes de continuar é importante lembrar que nem o
jornal e nem a revistona têm sido meigos com o governo de Dilma Rousseff.
UM FATO, DUAS LEITURAS - O título do
jornal atém-se ao fatos (“PF prende ex-diretor da Petrobrás citado na Operação Lava Jato”) e apenas
depois acrescenta que o homem chefiou uma das principais diretorias da
Petrobras. Já o título da revistona procura a jugular de Dilma Rousseff
(“Preso, ex-diretor da Petrobras é ‘caixa-preta’ da estatal”). E vai fundo
nessa linha ao dizer que o homem fez uma doação para o PT nas eleições de 2010.
A
matéria do Estadão mantém a sobriedade. O jornal dedica a maior parte do texto
a falar da operação policial, mas sem esquecer de falar na Petrobras na parte
final do texto. Para a revistona, o fato do dia parece não interessar. É apenas
o argumento para pôr o tema Pasadena novamente na agenda. E dedica apenas um simples
parágrafo no final do texto para falar da operação policial.
LEITOR QUE NÃO LÊ - É interessante como um mesmo
fato pode gerar alinhamentos de textos tão díspares. Mas isso interessa aos
leitores da revistona? Não. Porque eles se alimentam de restos de informação. E
fazem associações simplórias: “homem preso – Petrobras – Governo Federal – Dilma
Rousseff – PT – todos culpados”. Nada mais interessa.
E havia ainda a cereja no topo do bolo. A Polícia Federal apreendeu 700 mil
reais e 200 mil dólares em notas. Não demorou para muitos fazerem a ligação ao
PT, claro. Nem se preocuparam em saber se o homem estava a ser
preso pela associação a um doleiro. É a lógica dos intelectualmente servis: nem
tentaram imaginar a hipótese de doleiros terem muitos dólares e reais.
De volta ao princípio: no Brasil destes dias, o discurso da servidão
voluntária é o discurso dos que se limitam a repetir, adestradamente, um
discurso para lá de manjado.
Em tempo: não adianta tentar discutir Pasadena comigo. 1. Porque não é o
tema deste texto. 2. Porque não entendo nadinha dessa coisa de put option (e
nem a maioria de vocês).
Os links das matérias, que deveriam ser estudadas nos cursos de jornalismo:
terça-feira, 25 de março de 2014
Na ALESC, Nilson Gonçalves faltou a 37% das sessões; Darci, Sandro e Clarikennedy mais de 20%
POR CHARLES HENRIQUE VOOS
Os deputados estaduais de Joinville e região pouco aparecem na mídia para apresentarem seus trabalhos na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), e isto é justificado se contarmos as presenças destes nas sessões ordinárias, disponibilizadas pelo portal da transparência (controlado pelo poder legislativo de SC). No levantamento feito em todas as sessões desde agosto de 2013 até a presente data, contabilizamos 81 sessões, e os deputados que representam a cidade deixam a desejar no quesito frequência.
Antes de mostrar os resultados, gostaria de ressaltar que o trabalho de um deputado estadual vai além da sessão ordinária, momento onde acontecem as votações e outras importantes deliberações. Representações em funerais, acompanhamento de exames médicos da filha, e viagens particulares entram como importantes motivos para as faltas justificadas. Somado a estas, não podemos esquecer das "agendas previamente estabelecidas", campeãs entre os motivos apresentados pelos deputados da cidade.
A sessão ordinária é o momento mais importante (apesar de não ser o único), pois ali acontecem as votações finais, onde a população pode saber de forma direta qual o posicionamento do seu representante. Também mostra como o deputado lida com seu mandato; se segue linhas partidárias ou realmente representa os interesses do povo. Ou seja, a sessão é o momento de maior exposição do processo legislativo.
Vale ressaltar que este levantamento não leva em conta viagens em missões internacionais ou demais viagens representativas. É um puro levantamento quantitativo. E, desde já, os deputados tem canal aberto no Chuva Ácida para apresentarem possíveis respostas ou contradições aos fatos aqui apresentados.
O campeão de ausências desde agosto até março é o deputado Nilson Gonçalves (PSDB), com faltas em 37,07% das sessões. Foram 30 faltas em 81 reuniões. Este número representa quase três meses inteiros de sessões. Se de agosto a março tivemos sete meses de sessões, Nilson teve uma baixíssima participação em termos de temporalidade.
O segundo lugar fica para Sandro Silva (PPS), apesar de contabilizarmos apenas as sessões de 2014 (Sandro não participou regularmente de sessões no segundo semestre de 2013). Sua ausência foi contabilizada em 23,8% das sessões de 2014.
Em terceiro está Clarikennedy Nunes (PSD), que faltou à 23,45% das sessões realizadas entre agosto e março. "Clari" foi o que mais faltou devido a viagens e representações oficiais para a Bolívia, o Uruguai e a cidade de São Paulo. Se isto não for levado em conta, ele é o deputado de Joinville mais presente nas sessões.
Em último (mas não muito distante dos demais) está Darci de Matos (PSD), faltante em 21,21% das sessões. Darci, entretanto, esteve ausente entre agosto e setembro, dando lugar a um suplente. Esta porcentagem de faltas não contempla o período em que seu suplente assumiu.
É inadmissível que os deputados da região faltem tanto aos momentos obrigatórios, como uma sessão. Independente do motivo, seus salários não são afetados por curtas faltas. Não é compreensível, ainda, que deputados agendem reuniões ou outras demandas justo no dia e horário de sessões, as quais possuem agenda amplamente divulgada (e com muita antecedência). O trabalhador, eleitor, e que diariamente luta para se sustentar não tem todas estas mordomias. Se possui falta injustificada, tem desconto no salário. Se falta frequentemente, é demitido.
O deputado estadual não. E ainda tem gordas diárias para utilizar quando está fora de Florianópolis em dias de sessão. Uma bonificação pelo desalinho.
segunda-feira, 24 de março de 2014
Inaugurar para sair na foto ou interditar e pagar o preço?
POR JORDI CASTAN
Ou entra na política para mudá-la ou para que a política o
mude. O prefeito Udo Dohler ameaçou mudar a política local. O seu discurso de
campanha propunha outra forma de fazer política, trazer para a desacreditada
administração municipal uma nova cultura de gestão, que incorporasse conceitos
de eficiência, eficácia e racionalidade econômica. Ou seja, conceitos que parecem ausentes da
gestão pública joinvilense há décadas. Mas até agora o prefeito não tem conseguido.
Quanto mais seu governo avança no tempo, mais a política muda o prefeito. E menos a velha forma de fazer política parece mudar. Quando o prefeito Carlito
Merss inaugurou um sinaleiro na sua gestão houve críticas pertinentes. Mas agora, quando nesta administração se inaugura nada, há um silêncio cúmplice. Quem
acreditou que o Parque Caiera, no Bairro Adhemar Garcia, foi reformado e reinaugurado
teve uma surpresa ao encontrar que o parque continua interditado e oferece
risco para os visitantes.
Quando o trabalho da assessoria de imprensa é melhor que o
dos outros setores da prefeitura o resultado é esse mesmo: se vende uma imagem
que não corresponde com a realidade. Já foi assim com a inauguração do binário da
Vilanova, inaugurado incompleto e que apresentou falhas menos de dois dias
depois de inaugurado. Também a ponte sobre o rio Águas Vermelhas é um exemplo do conceito de qualidade das obras públicas em Joinville.
Voltando ao Parque Caiera. De acordo com a assessoria de
imprensa da prefeitura, o que foi realmente aberto no último dia 8, com a
presença do prefeito Udo Döhler, foi a academia de ginástica e quiosques, logo
na entrada do parque, que fica no final da rua Valdemiro Rosa, bairro Adhemar
Garcia. O local estava fechado para visitação desde junho do ano passado. O problema é que nesta área do parque,
com exceção do deck, os demais equipamentos estão interditados em razão do
péssimo estado de conservação em que se encontram, oferecendo risco de
acidentes.
Quem tentar subir no mirante, por exemplo, pode pisar numa madeira podre e despencar para o chão. Por isso, a prefeitura achou por bem proibir a entrada das pessoas e veículos, fixando uma cerca no meio do trajeto que dá acesso ao local, com um aviso de interdição. Como a cerca não oferece segurança e não há vigilância suficiente, os visitantes não respeitam e avançam sobre as áreas interditadas. De quem é a responsabilidade sobre a segurança do parque? Vamos esperar um acidente? Quem autorizou o funcionamento de um parque nestas condições?
Quem tentar subir no mirante, por exemplo, pode pisar numa madeira podre e despencar para o chão. Por isso, a prefeitura achou por bem proibir a entrada das pessoas e veículos, fixando uma cerca no meio do trajeto que dá acesso ao local, com um aviso de interdição. Como a cerca não oferece segurança e não há vigilância suficiente, os visitantes não respeitam e avançam sobre as áreas interditadas. De quem é a responsabilidade sobre a segurança do parque? Vamos esperar um acidente? Quem autorizou o funcionamento de um parque nestas condições?
Numa situação como esta faz sentido inaugurar? O prefeito escolheu sair na foto. Difícil escolha. No caso do Zoobotânico a administração municipal optou por mantê-lo
fechado durante anos a fio enquanto as obras se alastravam a velocidade de
cágado. Ou melhor, ao ritmo normal das obras pública em Joinville. No caso do Parque
Caiera não há previsão de que a situação mude, não há prazo para a conclusão
das obras, não há orçamento para as reformas. Sobre a péssima qualidade das
obras públicas, nenhuma palavra e tampouco nenhuma mudança. A Fundema informa
que as obras serão feitas “na medida do possível” e ninguém fica muito
preocupado com uma resposta como essa. Na verdade o joinvilense tem se
acostumado a não esperar nada do poder público e acaba reagindo bovinamente a
tanta incompetência.
O Parque Caiera, como todos os parques de Joinville, apresenta um estado de conservação vergonhoso e oferece risco aos visitantes. Há necessidade constante de custosas obras de remodelação e recuperação, o que faz dos parques um
poço sem fundo de recursos públicos. O que se vê em Joinville é um circulo vicioso
de parques mal projetados, caros, pessimamente executados e sem nenhuma manutenção, pelo que
precisam ser interditados com frequência durante os largos períodos necessários para as reformas. E, claro, sempre à custa de quantidades ingentes de recursos públicos que
deveriam ser destinados a novos parques ou a melhoria dos existentes. O pior é
que está consolidada a cultura que é assim e que isso não vai mudar.
Não tem que ser assim, como mostram três exemplos de parques
urbanos no Brasil, que recebem forte visitação e se mantêm em bom estado apesar de terem siso projetados e construídos há muito tempo. Cumprem a sua função e não
precisam ser interditados por longos períodos. No Rio de Janeiro, o Parque do
Aterro do Flamengo (1961), em São Paulo o Parque do Ibirapuera (1954) e em
Curitiba o Barigui,(1972). Todos eles com áreas próximas a 1 milhão e meio de metros quadrados, equivalentes ao Parque Caiera.
É preciso não se acostumar com a mediocridade. Há parques
bem projetados, sem desperdício de recursos públicos e que são motivo de
orgulho para os seus usuários. Parques são espaços de lazer, de valor social,
ambiental e paisagístico, reservas de verde urbano que contribuem a qualidade de
vida das cidades. Mas por aqui ainda são uma ficção.
"O que há no governo é mais que má gerência. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia."
"O que há no governo é mais que má gerência. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia."
Elio Gaspari
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