sexta-feira, 28 de março de 2014

Abuso de poder na UFSC mostra continuidades da ditadura

POR FELIPE SILVEIRA

Nos meus últimos textos defendi a criação de atividades e espaços da memória que refletissem sobre a ditadura civil-militar (1964-1985) – e consequentemente sobre a história do Brasil e do mundo, já que este é um episódio marcante internacionalmente. Leia aqui. Mais do que isso, defendi que seja pensada e construída uma educação emancipatória cujo sentido seja não repetir a barbárie de 64. Leia aqui. E não repetir a barbárie também é enfrentá-la nas suas manifestações do dia-a-dia. Lutar para não repetir a barbárie da ditadura também é lutar contra as suas continuidades, como a que aconteceu na UFSC nesta semana.

O que a polícia fez foi um absurdo, e há inúmeras coisas a se discutir a respeito disso. Não vou abordar todas aqui, mas chamo a atenção para duas: a motivação da polícia e a reação da mesma diante da reação dos estudantes e professores.

Quanto à primeira, diz o delegado que não vai deixar que transformem a universidade em uma “república de maconheiros”. Olha aí a continuidade da ditadura. Temos o inimigo, a maconha e os maconheiros, responsáveis pelos males do mundo. E não importa se o mundo que raciocina contraria essa tese. Para uma boa parte da polícia, maconheiros são os grandes financiadores do tráfico e devem ir em cana, de preferência tomando umas porradas antes. Se for comunista, antes, durante e depois. Hoje, em uma discussão, um policial militar disse: “Comunista bom é comunista morto.”

Outra continuidade foi a reação das forças repressoras diante da reação das forças populares. Por causa de alguns cigarros de maconha (e não estou defendendo que a polícia simplesmente ignore o fato) armou-se uma guerra. Não se quis dialogar ou negociar, como poderá ser visto no vídeo e lido na entrevista linkada abaixo. E não se quis porque a ideia do agente policial era demonstrar poder. Um poder que entre 1964 e 1985 não conhecia limites. E um poder do qual muitos tem saudade ou não acham que perderam.

Alguns apontam um exagero das duas partes – polícia e universitários –, mas esqueceram que a polícia queria levar estudantes em carros não identificados. E isso me parece um bom motivo para uma reação popular, não? Não foi o único.

Neste vídeo pode ser vista a tentativa do professor Paulo Pinheiro Machado de dialogar com o delegado Cassiano:


E este é o mesmo professor tendo a resposta da polícia, ao pedir mais dois minutos para tentar dialogar:

Foto de Marco Santiago, do jornal Notícias do Dia, de Florianópolis

E aqui tem uma entrevista com o professor ao Diário Catarinense. Segue um trecho sobre como começou o confronto: "Ficamos por duas horas negociando com o delegado Cassiano da Polícia Federal. Ele foi irredutível. Quando iríamos conseguir a dispersão mútua para evitar o confronto ele decidiu levar os estudantes presos. O comandante Araújo da Polícia Militar estava cooperando conosco, mas o delegado se mostrou intransigente. Propomos que o Boletim de Ocorrência fosse feito no local ou então que um procurador e um professor acompanhasse os estudantes, mas ele disse que não poderia colocar eles no carro da polícia."


***

A truculência da polícia não é novidade. Não era nem na ditadura. A polícia é violenta desde que foi criada, mas durante o regime militar se extrapolaram todos os limites. A violência que vemos hoje –na universidade, nas comunidades periféricas, nas favelas e nas manifestações populares – é uma continuidade daquele período sombrio. Para quem não sabe como foi esse período, vale dar uma olhada nas declarações do ex-agente do CIE, Paulo Malhães, dadas à Comissão Nacional da Verdade há dois dias, nas quais admitiu a prática de tortura, mortes, ocultações de cadáveres e mutilações de corpos, cujo objetivo era impossibilitar a identificação das vítimas.

A truculência policial é somente um aspecto. A herança da ditadura é muito ampla. Continua-se calando trabalhadores e sindicatos pelas mais diversas formas, continua-se fazendo tudo em nome do lucro, continua-se destruindo o meio-ambiente e escravizando pessoas em nome do capital, continua-se comprando votos... Sem contar que destruiu uma geração de intelectuais e artistas que estava em ebulição e trabalhava pela construção de um Brasil melhor.

Que essa data simbólica seja marcada pela decisão de descontinuar esse tipo de coisa. E que seja um recomeço.

35 comentários:

  1. Mário Cezar da Silveira28 de março de 2014 às 08:30

    Felipe, fica óbvio que houve um despreparo até amador e ditatorial das forças policiais. chega a ser criminosa a forma de ação da polícia. Mas, gostaria de deixar alguns questionamentos que não podem deixar de ser feitos.
    1- Onde os usuários adquirem a maconha. Se só consomem dentro do Campus, tudo bem(?).
    2- A Cidade Universitária da UFSC está isenta de cumprir as leis vigentes no país?
    3- A reação dos alunos é contra a ação grotesca e condenável da polícia, ou pelo direito questionável de usar um espaço público sem a obrigação de respeitar as leis?
    4- A reação dos alunos, usando a mesma truculência que dizem condenar, virando veículos da polícia, atirando pedras, etc; não é condenável?
    5- Os demais alunos, não usuários de maconha, são contrários ou favoráveis ao uso dos bosques da UFSC como ponto de venda e consumo da droga?

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    1. 1 - Não sei
      2 - Não
      3 - As duas coisas, que estão relacionadas.
      4 - Não, e não usaram a mesma truculência.
      5 - Não sei.

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  2. É proibido o consumo de drogas ilícitas em espaços públicos.

    Os maconheiros foram abordados por policiais federais que não estavam atrás apenas de quem consome, mas também dos “aviõezinhos” e dos traficantes.

    Quando os policiais federais foram intimidados pelos maconheiros eles recorreram à polícia militar.

    Essa ideia de que a PM não pode entrar nos campi federais é conversa pra boi dormir, ela só não pode como deve intervir toda vez que for necessário.

    Truculência? O que dizer dos “estudantes” que depredaram e viraram dois automóveis da segurança do campus? É com esse pessoal tranquilo que a PF estava lidando.

    O maior índice de roubos de veículos de Fpolis se encontra dentro e nos arredores do campus. Não há segurança para os estudantes nem para quem frequenta as áreas verdes. Drogas (maconha, ecstasy, cocaína) são comercializadas e consumidas a luz do dia ao lado das salas de aula. Os maconheiros costumam se reunir com traficantes e consumir drogas no bosque próximo ao planetário, todos sabem disso, estava mais do que na hora da administração da universidade intervir e solicitar apoio da PF.

    Os gatos pingados que ocupam a reitoria não representam o corpo discente, estão lá para defender os interesses deles.

    Quem tem medo de polícia é bandido.

    Universidade não é terra sem lei. Universidade não é lugar para consumir drogas.

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  3. Normal. Nas universidades brasileiras há dois tipos de alunos: os que lá vão para estudar, garantir uma profissão e um futuro melhor... e os que vão para fumar maconha, falar de Karl Marx, Che Guevara, saem da universidade e dão aulas de história...

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    1. Comentário babaca o seu. Parece que foi influenciado pelo Prates, onde a ciências sociais são disciplinas menos importantes.

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    2. Eu sou um anormal. Eu fui para universidade brasileira, não fumei maconha, critiquei Marx, nunca usei camiseta do Che, ao me formar, passeia dar aula de história. hahaha

      Maikon K

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    3. Eu fumava todos os dias, adorava Marx, tinha (ainda tenho) um poster e camiseta do Che, vivi o movimento hippie, e tenho certeza que tenho uma diferença fundamental de vcs: paro em faixa de segurança para pedestres passarem e vcs não.

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    4. 11:43, você devia dar um pulinho nos cursos superiores de medicina e engenharia. Seu mundinho de merda viria abaixo.

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  4. O delegado Cassiano da PF mostrou-se completamente despreparado para o cargo que tem. Já possui um histórico de polêmicas e autoritarismos em sua carreira. E de quebra é evangélico ortodoxo. Ele foi o maior culpado desta celeuma toda. Se não fosse o mesmo os pretensos traficantes já estariam fora do campus, os universitários que quisessem poderiam continuar fumando seus baseados e fim de papo.
    Em tempo: fui estudante de universidade federal nos anos 70 e se fumava diariamente naqueles tempos; nem por isto viramos dependentes e muito menos delinquentes, a maioria dos que fumavam seriam os profissionais mais brilhantes e críticos. Nem os policiais da ditadura se aventuravam a prender gente dentro dos campus naquela época.

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    1. Muito bom o seu depoimento, também estudei nesta época na UFRGS e fumava-se sem problema algum, era tudo muito simples, quem não quisesse não fumava, pronto.
      Passaram-se quase 40 anos, o mundo deu bilhões de voltas, a liberação da maconha está tomando cada vez mais espaço no mundo, e este delegado em vez de prender sonegadores e corruptos vai aplicar a sua moral dentro de um campus? Me poupe.

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  5. Parabéns por fumar DIARIAMENTE e mesmo assim não ter virado dependente e ser um profissional brilhante.

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    1. Hahahahahahahhaha.
      Pra quem tu tá falando isso?
      Eu nunca fumei, apesar de já ter planejado várias vezes.

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    2. Anônimo 28 de março de 2014 12:35

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    3. se foi para mim Dirk te aconselho a fazer o mesmo, abre um pouquinho os horizontes...um dos primeiros preconceitos que provavelmente vai fazer vc se dar conta é este...

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    4. Ah, tá. Fiquei na dúvida porque o comentário não tava como resposta àquele.

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    5. "Eu nunca fumei, apesar de já ter planejado várias vezes.'

      TÍROSO!

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  6. Esse felipe é uma piada....um texto ruim atrás do outro...nunca pisou na ufsc, não sabe como é lá. Criticar a polícia é fácil, sendo que no mínimo os dois lados tem culpa.

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    1. Já falei que ele tem problemas com a sua ancestralidade, mas ninguém me ouve. Enquanto ele está a solta eu não frequento cinemas....

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    2. Ótimo. Assim sei que não vou ter que dividir o cinema com um sujeito escroto.

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  7. Tá aí ó!
    Os estudantes reivindicando aquilo que pertence a todos, não só a um grupinho que se acha diferenciado.

    http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2014/03/estudantes-de-engenharia-da-ufsc-fazem-protesto-contra-a-ocupacao-na-reitoria-4459165.html#

    Mais democrático que isso, impossível.

    A propósito:

    http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2014/03/estudante-leva-coronhada-de-pistola-no-rosto-em-assalto-na-ufsc.html

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  8. Minha sugestão:
    O Felipe dar o enderenço da casa dele para que os "estudantes" interessados possam fazer uso do local com a "liberdade" (sem responsabilidade) que tanto estão reivindicando.

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    1. Se quiserem, apesar de a sugestão ser idiota demais, é só me chamar no bate-papo.

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  9. Se for liberado o uso de drogas, conforme os "intelectuais" desejam, deveria haver um complemento na lei, ou seja, ao se cadastrar para a compra, o "dependente" deve abrir mão do financiamento porte do governo para qualquer tipo de tratamento relacionado à droga. Acho justo, pois afinal a escolha é pessoal, então as consequências devem seguir o mesmo caminho. Mas dai o Felipe vai dizer que é inconstitucional.

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  10. Se for liberado o uso de drogas, conforme os "intelectuais" desejam, deveria haver um complemento na lei, ou seja, ao se cadastrar para a compra, o "dependente" deve abrir mão do financiamento porte do governo para qualquer tipo de tratamento relacionado à droga. Acho justo, pois afinal a escolha é pessoal, então as consequências devem seguir o mesmo caminho. Mas dai o Felipe vai dizer que é inconstitucional.

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  11. subir morro, a policia não sobe, fiscalizar a ponte que é a unica entrada na ilha, não fiscaliza; agora, invadir uma faculdade sem identificação, causar tumulto, negar direitos e causar um tiroteio contra alunos e professores pode neh, e estão ganhando parabéns das pessoas ignorantes ainda . . .

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  12. Fatos como esse só reforçam as demonstrações, que se repetem no nosso cotidiano, de que já é hora de se rever e de se propor mudanças na legislação concernente ao consumo de substâncias psicoativas.
    É fundamental por um fim na hipocrisia que se instalou na sociedade diante da ineficácia da legislação atual, que ao invés de promover a diminuição do consumo da tráfico, serve muito mais parra consolidar um mercador negro que enriquece barões, da poder aos bandidos e torna a sociedade refém.
    renatopfizer@yahoo.com.br

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  13. JORNAL A NOTÍCIA 28/03/2014:
    "Entre as EXIGÊNCIAS dos estudantes estão um posicionamento efetivo da reitora contra a presença da polícia no campus e não-criminalização dos envolvidos"
    Posicionar-se contra, significará em outras palavras, dizer que garante a segurança de todo aluno ou aluna dentro do campus sem a necessidade da presença da autoridade constituída, assumindo para si toda e qualquer responsabilidade.
    Quem em sã consciência afirmaria isso a um pai ou uma mãe que têm seu filho ou filha fazendo uso da instituição?
    É uma questão de bom senso.
    Enquanto a população brasileira reivindica a presença mais efetiva da polícia (ainda que ela precise melhorar em alguns aspectos) para proteger a população de toda espécie de crime, um grupo pequeno de estudantes se acham no direito de EXIGIR um tratamento especial e diferenciado por parte da reitora e do próprio governo federal dentro do campus?
    Sabemos que segurança privada é contratada basicamente para cuidar do patrimônio, e não possuem autoridade legal para deter ninguém, visto que estamos falando de um local público.
    Sendo um local publico, é regido pelas mesmas leis que se fazem presentes fora de seus muros, ou seja, fazer uso de qualquer tipo de droga é crime previsto em lei, e quem deve combate-lo é a autoridade constituída também por lei.
    Diante disso, é muito provável que os pais da grande maioria destes estudantes (para não dizer todos) não concordam com a atitude que gerou todo o problema, assim como questionariam o constrangimento imposto em relação à direção da instituição com esta exigência ridícula.
    Concordar com tal imposição é no mínimo respaldar uma liberdade sem responsabilidade.

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  14. Desculpe, mas fui bem claro quanto ao fato de que estava me referindo especificamente ao problema do uso de drogas e da exigência do posicionamento da reitora, não falei que todas as "REIVINDICAÇÕES" (e não EXIGÊNCIAS) são sem relevância. Volo a insistir: Liberdade precisa ser acompanhada de responsabilidade e deve ser uma via de duas mãos.
    Mudar é preciso, mas nem tudo pode ou deve ser descartado, e tenho certeza que você entende muito bem isso. Ouvir se faz necessário tanto quanto falar, e nada deve ser imposta de forma "horizontal", tanto quento de forma "vertical".
    Tenha um bom dia.

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    1. Mas se você ler o restante das exigências vai ter a resposta para coisas que questionou.

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  15. Felipe, peço a Deus que você não tenha nunca um filho viciado em drogas, seja ela liberada ou não, seja ela lícita ou não.
    Você está falando de coisas cujas consequências sociais e familiares desconhece, ou melhor, conhece na teoria, e muito pouco.
    Sugiro se envolver diretamente em algum grupo de pais que lutam para tirar os filhos do vício.
    Permita-me uma observação, não uma crítica, você é muito evasivo quando faz seus comentários, demonstra que não está disposta a participar de maneira conjunta na busca por amenizar ou solucionar esse que no fundo é um grande problema mundial.
    Não concorda, seja coerente, rebata de forma a tentar mudar as opiniões através de argumentos consistentes e não simplesmente dizer que não concorda,
    isso qualquer um pode fazer. Você está fazendo uso um veículo de comunicação, aproveite para debater, não para simplesmente discordar, nisso a ditadura era especialista, e até onde sei você a abomina.


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    1. Obrigado pelo pedido a Deus. Eu também espero não ter que passar por isso.

      PORÉM, você está enganada. Conheço muito bem a questão da droga, do mal que ela faz e do mal que dizem que ela faz. Por isso sou a favor da legalização. Acredito que é a melhor forma de combater o problema. Você está supondo que eu não saiba algo que eu sei. Sugiro que você não faça isso. Aliás, você conhece o trabalho do CAPS?

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    2. Como ele vai ter um filho.... ah, adoção, hoje já tão podendo ne???

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    3. Desculpe meu pré julgamento quanto ao seu conhecimento das consequências que as drogas promovem no usuário e em sua família.
      Quanto ao CAPS, conheço o trabalho que exercem, assim como outras entidades sem fins lucrativos.
      Confesso que não estou convicto ainda de que "descriminalizar" o uso das drogas minimize as consequências, mas estou aberto a conhecer melhor está proposta, por favor, não me tome como radical em minhas posturas.

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