quinta-feira, 8 de agosto de 2013

É o contexto, estúpido!


POR CLÓVIS GRUNER

Começo com uma pergunta: quando foi a última vez que você leu um texto de autor branco reivindicando respeito e visibilidade ao seu grupo ou etnia? Eu nunca li e não me espantaria se você também não. Porque se trata de algo desnecessário. Social e historicamente, aquilo que convencionalmente chamamos de “realidade” foi construído com o propósito de reafirmar, constante e veementemente, a superioridade e a naturalidade de ser branco. Da linguagem cotidiana aos meios de comunicação; da ideia de beleza aos currículos escolares; tudo ou quase tudo a nossa volta contribuiu e contribui para forjar um imaginário onde o natural é ser alvo e europeu. É cômodo e fácil. E se você for também homem e heterossexual, aí é mel na chupeta.

Não é preciso ir longe. Cidade dos muitos monumentos étnicos - há praças e parques para tudo e para todos em Curitiba -, a Praça Zumbi dos Palmares, homenagem à “contribuição africana” na construção do estado e da capital, fica em um bairro periférico e nem mesmo é parte do roteiro turístico. Aliás, muitos curitibanos sequer sabem da sua existência. Muito diferente das praças, parques e monumentos dedicados aos japoneses, alemães, italianos, ucranianos, poloneses, etc..., localizados em bairros ou regiões abastados e parte do roteiro oficial da cidade.

Em Joinville não é diferente. Procurem nos livros canônicos da história local – as centenas de páginas escritas por Apolinário Ternes, por exemplo –, e os negros são uma incômoda ausência. Há até pouco tempo se acreditava que não havia escravos na Colônia Dona Francisca, baseando-se tal afirmação no fato de que os colonos que para cá vieram eram proibidos por contrato de possuí-los. Foi preciso esperar o século XXI e o trabalho minucioso e ousado de Denize Aparecida da Silva para nos darmos conta que não possuir e não usar o trabalho escravo eram, afinal, coisas bem distintas.

E como é cômodo ser branco, é sempre desconfortável alguém ou algo desestabilizar nossa condição. Foi o que aconteceu no final de semana com o texto do Felipe Cardoso. O número de acessos e a enxurrada de comentários falam por si. Bem como as inúmeras tentativas de desqualificar sua argumentação: um leitor considerou a discussão “enfadonha”. Outros tentaram diminuir seu argumento limitando o tema a algo regional e demográfico. Exaltado, alguém chegou a afirmar que tal discussão só existe porque os negros são “moda”, reproduzindo talvez inconscientemente (concedo-lhe o benefício da ignorância) o mesmo discurso dos senhores de escravos. De mercadoria à moda, a mentalidade mediana segue a mesma: os brancos continuam a negar, do alto de sua arrogante supremacia, qualquer outro direito ao negro que não o de resignar-se à sua condição de “coisa”.

O PRECONCEITO NOSSO DE CADA DIA – Os argumentos se sustentaram principalmente em duas premissas. A primeira, de que no Sul negros não são valorizados porque em menor número, diferente de estados como a Bahia, por exemplo, caiu por terra quando constatado que, mesmo lá, onde são maioria, eles continuam a ser, por paradoxal que pareça, minoria. A segunda não é mais consistente. Trata-se de construções sociais e midiáticas fortemente assentadas em nosso imaginário e em nossas percepções de mundo: acostumamo-nos a perceber como bonito e bom o que é branco, e como feio e mal o negro, disseram. Não discordo. Mas justamente porque se trata de construtos sociais e históricos é que tais percepções devem ser denunciadas, combatidas e transformadas. Agarrar-se a elas como se fossem naturais e imutáveis é, na melhor das hipóteses, estupidez. Afinal, no passado também aceitávamos a escravidão como algo “natural”. E talvez ainda a aceitássemos não fosse a coragem de alguns homens e mulheres, negros e brancos, que acreditaram ser necessário e possível mudar isso.

Há algo fundamental nesta discussão que escapou ao debate provocado pelo texto do Felipe. A noção de “minoria” não é apenas numérica – nunca é demais lembrar que na África do Sul os negros eram em muito maior número, o que não impediu o apartheid. Ela está ligada a um conjunto de fatores que condicionam nossa maneira de ver, interpretar e estar no mundo. Exemplos abundam: piadas ofensivas; comentários e atitudes estigmatizantes; salários diferenciados; humilhações públicas; anúncios de emprego a pedir “pessoas de boa aparência”; olhares oblíquos...

Há quem insista que “não somos racistas” apegando-se às falácias de que negros não são a única minoria, e é a pobreza o grande mal a ser combatido, como se fosse equivalente ser um imigrante europeu ou seu descendente e negro, em um país aonde os últimos chegaram, em sua esmagadora maioria, como escravos. Ou que basta reduzir os níveis de desigualdade econômica para banir os preconceitos étnicos e raciais, quando insistimos em reproduzi-los sempre que afirmamos que “os negros no Estado [de Santa Catarina] são minoria e não tiveram a mesma importância dos europeus. Ponto!”. O que define e sustenta o preconceito e, por consequência, justifica e legitima as minorias – negros, mulheres, gays, etc... – afirmarem cotidianamente o direito de serem vistos e gritarem seu orgulho, não são as estatísticas demográficas ou as condições econômicas.

É o contexto, estúpido!

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Pára tudo!


"Lincoln" e a luta por direitos



POR FERNANDA M. POMPERMAIER

Assisti no último final de semana o filme "Lincoln" e não pude deixar de relacionar o recorte do momento histórico relatado no filme com o momento em que vivemos no Brasil e no mundo com relação às lutas pelos direitos LGBT's.

O filme se passa em 1865, último ano do mandato de Abraham Lincoln como presidente dos Estados Unidos. Ele está no cargo desde 1861, ano do início da Guerra da Secessão. Uma guerra civil que aconteceu entre os estados do norte - União, e estados do sul - Confederados. O sul mais agrário com latifúndios e mão de obra escrava, o norte mais industrializado e com alguns estados "livres".

O presidente busca acabar com a guerra, unir o país e ao mesmo tempo aprovar na Câmara dos Deputados a 13a emenda à Constituição que oficialmente iria abolir a escravatura  no país.

Para que a emenda seja aprovada, um deputado, branco, que há 30 anos luta pelos direitos dos negros precisa admitir, contra o seu desejo, que o objetivo da emenda não é afirmar que negros são iguais aos brancos. Mas que, como seres humanos eles devem ter assegurados direitos iguais frente à Constituição. Essa é uma manobra política que os republicanos promovem, inclusive na mídia, para convencer os escravistas a aprovarem a emenda.

Se parece muito com o tipo de manobra que precisa ser feita hoje no Congresso Nacional, intensamente manipulado por cristãos fundamentalistas e preconceituosos como Marco Feliciano ou Silas Malafaia, para que sejam convencidos a aprovarem direitos básicos ao grupo LGBT. É preciso que se afirme que as pessoas não precisam concordar com o estilo de vida do homossexual ou do travesti, (como se fossem necessárias suas aprovações), mas que homossexuais devem ter os mesmos direitos que heterossexuais. É preciso falar em tolerância, quando o próprio sentido da palavra tolerância traz em si embutida uma relação de superioridade. ("Eu sou melhor que você e tolero o seu comportamento). O que é absurdo.

E não acontece só no Brasil. O mundo todo está passando por mudanças em suas leis para garantir direitos a esse grupo tão marginalizado. Alguns países avançam mais rápido, como nosso vizinho Uruguai, outros mais lentamente, como a Rússia, com um presidente que instiga na população a violência contra os homossexuais. Mas o caminho da garantia de direitos ao grupo LGBT é um caminho sem volta. O preconceito uma vez quebrado na cabeça das pessoas não volta atrás. É apenas necessário esperar, respeitar o tempo da democracia, da discussão, da informação e o dia da igualdade fica cada vez mais próximo. É uma mudança cultural, e mudanças geram insegurança, tiram as pessoas das suas zonas de conforto. Mas eu acredito na capacidade de adaptação do ser humano, tenho certeza que vamos todos nos acostumar à essas novas famílias.

Em um momento do filme, Lincoln pergunta a alguns colegas de trabalho se eles acreditam que algumas pessoas nasceram no momento histórico errado. Imagino que ele se questionava se talvez não deveria ter nascido noutros tempos, se ele deveria mesmo estar fazendo parte daquele grupo de homens tão dividido, alguns tão preconceituosos, mas ainda assim com o poder de mudar o futuro de milhares de pessoas.
Eu particularmente acredito que ele estava no tempo certo. Acredito que são necessárias no mundo pessoas como ele, como Mandela, como a Madre Teresa entre inúmeros outros. Pessoas com empatia para enxergar o ser humano por trás da cor, da situação social ou da orientação sexual. Pessoas com coragem e inteligência para se expor em espaços coletivos, assumir seu apoio e lutar por causas como essa com serenidade e respeito.

Um dia olharemos para trás com vergonha por ter negado direitos ao grupo LGBT.

Da mesma forma como hoje nos envergonhamos da escravidão e do racismo.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Reintegração de posse [2]

POR JORDI CASTAN

O post de terça-feira passada tinha como objetivo inicial propor um debate sobre o estado de abandono do patrimônio público. A ideia era falar sobre a forma como é tratado, de forma sistemática, o patrimônio público e o pouco que a sociedade parece preocupada com este descaso. No caso da Cidadela Cultural, havia um componente adicional: o uso a que o imóvel estaria destinado e a forma como o setor cultural, de um lado, e a sociedade em geral, do outro, se relacionavam com o espaço.

O post originou diversas reações e comentários, tanto aqui no blog, como também no Facebook. Tinha muito interesse em acompanhar como o leitor perceberia o tema e quais as implicações que os dois pontos abordados, o patrimônio ou o aspecto cultural, poderiam trazer à tona.

O tema do estado de abandono do patrimônio público tinha inclusive sido abordado pelo Charles Henrique, num post sobre a antiga sede da Prefeitura e a sua grafitada. Eu mesmo tinha preparado um texto sobre o mesmo tema, desde outra perspectiva diferente, e acabei publicando com o título "O essencial é invisível aos olhos".

Graças aos comentários dos leitores, o abandono do patrimônio ganhou corpo no debate, passando da falta de manutenção até a ausência da mais elementar regularização documental, desde as escrituras aos alvarás. A lista cresceu e praticamente nenhum prédio público ficou fora da lista. Nem museus, nem o Centreventos, nem o Mercado Municipal ou a Casa da Cultura se salvaram. O que já é uma prova clara que o abandono é algo inerente ao próprio poder público e que perpassa as diferentes administrações.

É ainda de se imaginar o que deve acontecer com as centenas ou milhares de outros imóveis e bens de propriedade do município. Em que estado se encontram - se é que se encontram. A velha prática de que o que é público não é de ninguém cabe aqui como uma luva.

FISCALIZAR - Destacar aqui também a omissão cúmplice dos vereadores: entre as centenas de pedidos de informação que os nossos legisladores fazem, pelos motivos mais peregrinos, nenhum referente à situação dos prédios e bens públicos, nenhuma palavra sobre ao seu estado de abandono. O legislativo não cumpre a sua função de fiscalizar o executivo e exigir que zele pelo patrimônio dos joinvilenses.

Outro aspecto, porém, acabou me surpreendendo, apesar de já tê-lo previsto no esboço inicial do texto: o aspecto cultural. O hábito de investir em estruturas físicas e não dar a menor atenção ao seu funcionamento, sua manutenção e sua operacionalidade. Como já citei no texto, “tampouco a simples cessão de uso dos diversos espaços a uns e outros parece a melhor solução, porque a soma das partes neste caso é menor que o todo.”  E essa é uma armadilha típica em que é fácil cair. Loteando os diversos espaços da Cidadela para uns e outros, o poder público faz de conta que cumpre o seu papel e na verdade não o faz. A administração opta sempre pela lei do menor esforço, por aquilo que dá menos trabalho e evita fazer o que é melhor. Foge, como o diabo da cruz, de qualquer coisa que represente trabalho ou esforço. E o resultado salta aos olhos.


TEATRO - Maikon K, leitor assíduo do Chuva Ácida, sentiu-se citado, assumiu as mágoas da AJOTE (Associação Joinvilense de Teatro) e reivindicou o direito que esta associação tem de utilizar um galpão na Cidadela para suas apresentações. Particularmente tenho assistido a, no máximo, duas apresentações de teatro no local.
Confesso, sob risco de ser queimado em praça pública, que o teatro não é uma das representações da arte e cultura que mais prezo. 

Mas ver atuar o Borges de Garuva é sempre uma boa experiência. Pessoalmente considero que lotear o espaço da Cidadela sem um projeto de ocupação e utilização da área é um erro. Não é só um erro, é um erro grave. Porque permite inclusive que alguns setores sejam beneficiados em detrimento de outros. 

A Cidadela Cultural deveria ser, como alguns dos leitores, principalmente no Facebook, propuseram: um espaço para promover a cultura, uma incubadora, um nervo de vitalidade cultural, no qual com certeza deverá haver um espaço para o teatro. Também para a dança, para o cinema, para o desenho, a pintura, o grafite, o comic, as tirinhas e charges do Cão Tarado, o Menino Caranguejo, a literatura, o vídeo, a música, desde a erudita passando pela popular. E sem esquecer-se da escultura, da gravura, dos títeres e de todas as formas de representação artística que a criatividade humana tenha desenvolvido ou venha a desenvolver. A Cidadela deve ser o espaço para que esta criatividade prospere e possa fazer de Joinville um polo da economia criativa. Dessa indústria sem chaminés que movimenta milhões em todo o mundo.

ESPECULAÇÃO - Surgiram também informações novas, que acrescentam dados para o debate. Há os que defendem que o espaço seja entregue à especulação imobiliária ou seja convertido num centro etílico-gastronômico. Foi possível saber que há até alguns projetos viáveis para um melhor aproveitamento do espaço. Haveria sempre o risco que a sua função primordial, que seria a de servir como celeiro da cultura e berço criativo, aberto a todos os segmentos culturais, acabasse sendo deturpada.

O debate sobre o uso e o destino da Cidadela Cultural é de todos e para todos. O espaço e sua proposta são nobres demais, importantes demais para que se restrinja o debate ao setor cultural. A cidade, como um todo, tem o direito de se manifestar e de opinar. Mas a maior responsabilidade cabe aos que, se intitulando representantes da cultura, devem liderar o processo de recuperação da Cidadela para que cumpra seu objetivo original.

Solicitar a reintegração de posse, não para se encastelarem nela e sim para que vicejem as manifestações culturais, como um bem maior a que o joinvilense tem direito. Sem esta mobilização e sem um vigoroso processo de reivindicação e valoração do espaço, não é só a Cidadela quem esta em risco. É a própria cultura que está ameaçada. A maior ameaça fica evidenciada pelos parcos recursos previstos no orçamento municipal para a cultura. Sem recursos, não há como fazer uma política cultural de qualidade.


Ao longo da semana, não faltaram os que entram no debate para tumultuar, para desmerecer, para desmoralizar. Eles são importantes para o blog e para os leitores do blog, porque eles cumprem o papel de bobos da corte, os que fazem rir a todos com suas idiotices. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Aeroporto versus rodoviária

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Fonte da foto: rodoviariaonline.com.br
Em Joinville existem dois grandes equipamentos urbanos responsáveis por receber turistas, e também os habitantes que se deslocam para outros lugares do Brasil e do mundo. O aeroporto e a rodoviária, em tese, possuem a mesma função, mas não recebem a atenção do poder público de maneira igual, e muito menos das entidades empresariais e da mídia. Isto reflete diretamente nas soluções e melhorias de cada local.

Nos últimos anos, ambos os locais passaram por problemas estruturais e logísticos. O aeroporto com a diminuição de linhas, de passageiros, de empresas operando, problemas na pista, árvores na cabeceira, ILS, falta de estação meteorológica e assim por diante. Já a rodoviária sofre com a péssima infraestrutura, falta de manutenção e oferecimento de serviços aos usuários, e até já foi usada para um ex-prefeito não ter problemas em suas contas.

Fonte da imagem: http://flightlife.files.wordpress.com

Precisamos derrubar o mito de que empresários não usam a rodoviária e pobres não utilizam o aeroporto. Porém, são minorias nestes locais. Os empresários desta cidade, como sempre tiveram canal privilegiado com o poder público, e também têm um poder associativo muito alto, conseguem incluir em suas negociações com agentes políticos as melhorias necessárias para o desenvolvimento de suas atividades. A pressão dos empresários, os quais dizem levantar bandeiras sociais em suas agendas, nunca recaiu sob a rodoviária, mas sempre pelo aeroporto, cobrando melhorias muito mais complexas que a rodoviária, inclusive participando de reuniões com ministros e senadores em Brasília.

Ao invés de agirem coletivamente, pensando também no restante da população, agem em conta própria, escamoteando seus interesses como se fossem de todos, da mesma forma que fazem com todas as suas reivindicações (vide o caso da LOT e Conselho da Cidade). Não podemos nos esquecer da mídia local que, pra variar, pontualmente mostra problemas da rodoviária, ao mesmo passo que faz campanhas para melhoria do aeroporto, justificando-as de acordo com as pautas das entidades empresariais de Joinville.

O resultado disto é o cenário em que encontramos os dois prédios, atualmente: o aeroporto com melhorias constantes (incluindo uma variedade enorme de serviços ao usuário), e resolução de todos os problemas levantados pelos empresários (nem que para isso seja necessário desapropriar famílias e utilizar novíssimos sistemas via-satélite até o pleno funcionamento do ILS). A rodoviária sofre constantemente com a falta de melhorias, a insegurança (difícil ver policiamento durante as madrugadas), e com o tratamento que o poder público dá a tudo que é público neste Brasil, e que não serve prioritariamente a empresários ou pessoas mais privilegiadas economicamente.

domingo, 4 de agosto de 2013

Acredite, sou negro e catarinense

POR FELIPE CARDOSO

Como é bom morar em um estado que é comparado com a Europa, que tem clima europeu, que tem muitas influências da cultura de lá. Sim, é bom viver em Santa Catarina. Um estado que valoriza sua cultura, que mantém viva suas tradições.

Como é bom se sentir um pouco alemão, um pouco italiano, português, africano... Africano? Como assim? África não fica na Europa! Pois é, mas existem negros por aqui. Só que muita gente já se esqueceu ou já se acostumou com tamanha invisibilidade. E não só pelo fato da quantidade de negros no estado ser pequena, mas sim pela mídia insistir em não apresentar o negro como parte deste estado.

O erro já começa em muitos catarinenses acharem e até afirmarem que por esses lados não existiu escravidão, que por aqui o negro chegou a pouco tempo.

Por falar nisso fica aqui minha indagação: como andam os estudos sobre o estado nas salas de aulas, o que os professores ensinam sobre sua colonização? O que é passado para nossas crianças e jovens sobre a história de Santa Catarina e em que parte o negro entra nessa história? (Se é que entra).

Outro erro que vejo é o estado celebrar festas típicas de origem germânica, italiana, açoriana, que ganham proporções nacionais e até internacionais. Orgulham-se disso e fazem questão de deixar claro que as tradições por aqui são preservadas por pessoas de pele clara, cabelo liso e olho azul, que muitas vezes falam até na língua estrangeira, para deixar claro que por aqui é assim que funciona, é assim que se vive. O erro não está na comemoração em si, não está em sentir orgulho da sua história, da sua cultura. O erro está em estereotipar o estado para o mundo,excluindo a presença de índios e negros que também vivem aqui e que ajudaram e ajudam a construir a história de Santa Catarina.

Bom, você deve estar pensando: “tá, mas e daí? O que isso interfere?”

Interfere que é passado para quem não mora aqui a ideia de que no estado catarinense  não existam pessoas de cor, fora do “padrão catarinense de qualidade”. Faz com que pessoas negras que venham de fora se admirarem quando você (também negro) diz que nasceu e foi criado aqui, junto com sua família e mais um monte de negros. Dá a entender que por aqui negro não exista e nem tenha espaço e faz também com que o negro que mora aqui se sinta de alguma forma rebaixado, fora do padrão, sentindo-se no lugar errado.

Sim, de um modo sútil e sem muito alarde eu vos digo, isso é racismo. Vivemos em um estado racista.

Não acredita? Dia desses lendo alguns comentários no Facebook sobre racismo, encontrei e me identifiquei com o comentário da Fran Vasconcelos, na qual ela define racismo:

“O racismo é um sistema de sentidos material e histórico, não é subjetivo. É um modo de organização social em que uma 'raça' se sobrepõe a outra, se afirma como paradigma, se naturaliza como regra e oprime as demais. O racismo não é algo subjetivo, individual, que se manifesta entre pessoas. Ele está estruturado e inserido na sociedade, na forma como ela se organiza e se reproduz, no mercado de trabalho, na mídia, entre as vítimas da violência, entre o público do sistema carcerário, entre os pobres em todo o mundo, entre os proprietários e os não proprietários”

E o que acontece em Santa Catarina?

Muitos não ficarão surpresos e nem darão bola para o que aqui escrevo, pois já estão até cansados desse papo. Mas para outros esse debate é importante sim. Para os negros é muito importante a luta pelo espaço e não temos nem devemos nos cansar desse assunto. Também somos catarinenses, vivemos aqui, ajudamos a cada dia no crescimento do estado, temos a nossa cultura, as nossas festividades que vão além do dia da abolição e da semana da consciência negra. Nossa história não é representada em um dia, nem em uma semana. Nossa história é representada sempre, junto com a luta pela igualdade.

Sim, sou negro, joinvilense, nascido e criado aqui. Tenho orgulho da minha cor, da minha cidade e do meu estado, mesmo sabendo que com os dois últimos não é recíproco.

Felipe Cardoso é estudante de Publicidade e Propaganda

sábado, 3 de agosto de 2013

Ellivnioj é um lugar legal para viver

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Ellivnioj é uma cidade legal. O que eu mais gosto é que lá as ideias provincianas não têm acolhida. O pessoal vive num ambiente cosmopolita, de liberdade e tolerância.

Todo mundo tem médico na hora que precisa. Gente que morre nas filas dos hospitais é coisa de ficção.

É uma cidade feita para as pessoas. Lá a democracia é coisa séria e o povo está em primeiro lugar. Ah... e o poder econômico nunca se mistura com o poder político.

Tem outra coisa que eu gosto em Ellivnioj. É que ninguém quer ver instaladas indústrias pesadas e poluentes, coisas que vêm da pré-história do capitalismo.

Em Ellivnioj o meio ambiente é tratado muito cuidado. O rio que corta a cidade é tão limpo que os moradores não se cansam de caminhar pelas suas margens e respirar o ar puro.

A cidade tem muitos parques para os moradores. Mas parques a sério. Tem gente que vai lá para correr. Tem quem quer apenas descansar à sombra das árvores. Tem pais que levam os filhos para brincar.

Ellivnioj tem um sistema de transportes moderno e ecológico. Nada de ônibus desconfortáveis e com tarifas caras. E há outras opções.

Por causas das ciclovias, o pessoal começou a usar bicicleta e ficou mais saudável e desestressado. Os motoristas dos carros respeitam os ciclistas.

As ruas não têm buracos.

A mídia de Ellivnioj é moderna. Os programas de rádio são informativos, feitos com seriedade por jornalistas a sério. Lá ninguém tolera picaretas que transformam a informação num balcão de negócios. Lá também não há “jornalistas” que babam os ovos dos poderosos a troco de favores.

Os políticos da cidade não pensam em projetos pessoais ou mordomias, porque estão interessados apenas no bem-estar dos cidadão. E ninguém vota em sujeitos que misturam política e religião.

Enfim, Ellivnioj é um lugar legal para viver.


Chato é quando é o contrário.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Apesar de vocês...

POR FELIPE SILVEIRA

Apesar de papas, bopes e bolhas, o momento que vivemos é sensacional na luta por um mundo mais justo, igualitário e fraterno. Sensacional e delicado, porque é neste momento que construiremos as bases e fundamentos das lutas nos próximos anos e décadas. É nesse momento que quem sempre oprimiu vai usar das suas armas mais letais (literalmente e ideologicamente). Esse é o recurso que eles têm para tentar inibir um pouco a multidão que ganha as ruas e as redes na busca por um mundo melhor.

Não estou falando somente da multidão que foi às ruas em junho de 2013. Também é dessa, mas não somente. Estou falando de todo movimento contra a opressão e pela liberdade e justiça que acompanho nos últimos dez anos (friso: período que acompanho).

Sempre que penso no nosso contexto político-social, imagino a figura de uma estrada com uma bifurcação ao final. Seguindo por essa estrada vai a sociedade, que disputa o volante com todas as suas forças, numa disputa para seguir apenas um dos caminhos quando a estrada acabar (e não vou falar de esquerda e direita nesse momento porque não é exatamente disso que se trata). E apesar de achar que a estrada não acaba nunca, acredito que o momento que vivemos nos dá a sensação de estar muito perto da bifurcação.

Então, é mais ou menos por isso que alterno pessimismo e otimismo várias vezes ao dia. Vou citar alguns exemplos de coisas que enxergo como disputas pela direção na figura citada que descrevi acima.

Se por um lado alguns prefeitos por aí acham que investir em duplicação e alargamento de vias e elevados resolve o problema da mobilidade urbana, por outro há cada vez mais ciclistas organizados, movimentos e cidades interessados em desenvolver e estimular outras maneiras de se locomover.

Se por um lado o sistema cria cada vez mais barreiras e dificuldades de acesso aos pobres, há cada vez mais puladores de catraca. Se por um lado a maioria dos políticos dá um jeito de sempre fazer um negócio excuso com licitação, há movimentos como o Passe Livre e o dos Trabalhadores Sem Terra.

Se por um lado a Copa do Mundo promove a derrubada de casas da população pobre para agradar a Fifa, também há gente lutando em prol do direito à moradia. Assim como há governos, como o da Venezuela, que investiram em grandes programas de casas populares.

Se por um lado há uma polícia que já matou centenas de pessoas nos últimos anos - e não digo BOPE porque cada batalhão tem o seu esquadrão de extermínio -, há também gente que luta pela desmilitarização da polícia e há gente que vai lutar para descobrir onde está o trabalhador Amarildo Souza, desaparecido depois de ser levado para uma delegacia (leia aqui o texto do Clóvis Gruner para entender). Algo quase impensável no nosso passado recente e sombrio (e aqui indico o filme Zuzu Angel).

Se AN, Folha de S. Paulo e New York Times fecham o conteúdo livre para seus assinantes, há cada vez mais informação livre circulando. Assim como há toda a cultura do software livre que mudou e vem mudando o mundo da tecnologia e da informação.

Se por um lado existe gente como Marco Feliciano, que tem aumentado seu número de seguidores e ainda por cima em nome de Jesus, a presidenta do Brasil sancionou a lei sobre vítimas de violência sexual, o Uruguai permitiu o aborto há algum tempo e recentemente os seus deputados aprovaram a venda da maconha (falta passar pelo Senado).

Enfim, há milhares de exemplos em todos os campos, mas vou parar por aqui. Não estou defendendo a Dilma ou sendo otimista demais com o mundo citando esses exemplos. Como disse antes, todos os dias alterno diversas vezes entre o pessimismo e o otimismo por conta disso tudo. O objetivo desse texto é apenas refletir sobre vivermos em um campo de batalha pelo mundo que vamos viver amanhã e pelos próximos anos.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Imaginação para economizar gasolina

POR ET BARTHES
Sabe quando você quer encontrar estacionamento no shopping e não sabe onde tem vagas? Os coreanos resolveram o problema de maneira simples, mas com muita imaginação. A vantagem é que o pessoal economiza gasolina.



O papa é Bope

POR CLÓVIS GRUNER

Sou ateu, mas isso não me impede de reconhecer e respeitar determinados aspectos do cristianismo. Os santos católicos, por exemplo: simpatizo com um ou outro, não pela sua santidade, coisa em que não acredito, e mais por suas obras ou trajetórias de vida. Francisco de Assis é um deles. Consta que era um rebelde na juventude. Rebeldia que, a se pautar pelas muitas hagiografias escritas a seu respeito, não abandonou inteiramente após sua conversão. Em um período marcado pela opulência – estamos a falar da chamada “alta Idade Média” – da igreja católica, Francisco de Assis confrontou a instituição a que pertencia reafirmando alguns valores que estão na origem do cristianismo, ainda no primeiro século depois da morte de Cristo, tais como a pobreza e a humildade.

Eleito papa, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio adotou o nome Francisco, e com a escolha pretendia reatar os vínculos da igreja com os mais pobres e humildes. Se a intenção foi boa, há de se lembrar ao sumo pontífice que de boas intenções o inferno está cheio: entre os dois Franciscos, séculos de história a separá-los. E se o primeiro perturbava, com seu apelo ao despojamento, a opulência e o poder da igreja romana, este reafirma ambos. Do primeiro, o segundo talvez preserve o carisma, exaustivamente mencionado pela mídia nativa – embora, sejamos honestos, não é difícil esbanjar simpatia se você substitui alguém como Bento XVI. Mas as semelhanças param por aí.

A POLÍTICA DA INDIFERENÇA – O papa Francisco está à frente de uma instituição que, embora em crise, permanece sólida e poderosa. E que não parece nenhum pouco disposta a respeitar os limites impostos a ela pela modernidade política nos últimos dois séculos. Uma das evidências foi a escandalosa soma de dinheiro público gasto para financiar parte da visita papal, algo em torno de 120 milhões de reais. Como se não bastasse, a Jornada Mundial da Juventude serviu de palco para o proselitismo conservador, de forte teor machista e homofóbico, que marca a trajetória das igrejas de um modo geral e que no caso da Igreja Católica Apostólica Romana, acentuou-se principalmente depois do pontificado de João Paulo II, ele  mesmo um notório conservador ligado à Opus Dei.

Na última semana e não por coincidência, aumentaram as pressões para que a presidenta Dilma Rousseff vete projeto de lei, já aprovado no Congresso, que obriga os hospitais públicos a atender em caráter emergencial e multidisciplinar vítimas de violência sexual, garantindo-lhes acesso a antibióticos para evitar doenças sexualmente transmissíveis, antivirais contra o HIV, cuidados ginecológicos, assistência psicológica e social e medidas de “profilaxia da gravidez”. Indiferentes à criminalização e prisão de mulheres que abortam clandestinamente ou a vida de outras milhares que morrem anualmente em função das más condições higiênicas de seus abortos e, principalmente, insensíveis ao sofrimento das vítimas de estupro, grupos religiosos que se autoproclamam “pró-vida” querem que Dilma vete integralmente o projeto – o que, parece, ela não fará. Com o propósito de fortalecer a posição da igreja, foram produzidos e distribuídos durante a JMJ pequenos fetos de plástico e terços com fetinhos abortados, entre outros artefatos bizarros. Tudo muito esclarecido.

OSSO DURO DE ROER – Neste sentido, é emblemático o gesto de Francisco ilustrado pela imagem no alto deste texto. E para entender sua dimensão, menciono uma passagem do filme “Hannah Arendt”, em que a filósofa alemã assiste na televisão as notícias sobre o sequestro de Adolf Eichmann e seu julgamento em Israel. Em um dado momento, o âncora informa (e se tratam de imagens de época, retiradas de arquivo) que o nazista alemão havia fugido para a Argentina depois da guerra com o auxílio do Vaticano, que lhe fornecera passaporte e outros documentos falsos.

Se provoca certo incômodo em alguns, a informação certamente não causa estranhamento em quem conhece um pouco da história recente. As evidências estão aí a mostrar que a igreja católica apoiou em graus variados e por diferentes razões todas as ditaduras de direita ao longo do século XX: o fascismo italiano de Mussolini; as ditaduras de Franco e Salazar, na Espanha e em Portugal, respectivamente; os muitos golpes civis militares na América Latina (Paraguai, Chile, Argentina, Brasil...). Com o nazismo alemão, há quem diga que o Vaticano foi, na melhor das hipóteses, conivente. Mas não é difícil encontrar quem acuse Pio XII de ser o “papa de Hitler” e o Vaticano de manter com a Alemanha nazista uma relação para além da simples conivência silenciosa. Claro, sempre houve e haverá clérigos dispostos a enfrentar e resistir à barbárie, como foi o caso no passado de um Francisco de Assis e no Brasil contemporâneo, de Paulo Evaristo Arns e Pedro Casaldáliga, entre outros, que usaram sua autoridade política e moral para denunciar os crimes da ditadura. Mas eles são a nota dissonante na história de uma instituição que preferiu acarinhar ditadores a proteger os perseguidos.

Saber disso não diminui a indignidade de ver Francisco abençoar os soldados do Bope, a Tropa de Elite que um mês antes da benção papal assassinou dez moradores da Favela da Maré e é responsável também pelo desaparecimento de Amarildo há mais de duas semanas. Se não minimiza a indignidade, ao menos pode servir para aplacar um pouco a surpresa. O gesto de Francisco reafirma um compromisso e uma postura históricos da igreja católica: afagar os assassinos ao invés de perguntar-lhes sobre suas vítimas.