quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

As mentiras de um jornalista "isento" e "honesto".

O grande cara de pau. Fonte: Wikimedia commons.
Quaisquer paralelos desse caso com o comportamento de jornalistas e/ou empresas jornalísticas do Brasil é mera coincidência. Espero.


No começo deste mês, um ancora da rede de notícias NBC foi suspenso de suas funções. O motivo? Brian Williams mentiu a respeito de sua experiência cobrindo a guerra do Iraque, em 2003. Na ocasião, o helicóptero a frente do que Williams estava abordo foi atingido por um foguete, e teve de fazer uma aterrizagem forçada. Porém em janeiro deste ano, Williams recontou a história como sendo que o seu helicóptero o que fora abatido. Williams foi obrigado a se retratar, e foi suspendo do cargo. Essa história, no entanto, não é sobre ele.


Essa história é sobre outro âncora, de outro canal, pego em uma mentira similar. Essa história é sobre o “astro” do jornalismo Neo-conservador da Fox News, Bill O’Reily. Tão logo o engodo de Williams veio a tona, O’Reilly - praticamente o Azevedo de lá - foi um dos primeiros a condena-lo. Mais: O’Reilly com a tipica fúria da Fox News, usou da mentira de Williams para atacar toda a imprensa “liberal” (por liberal, entenda a definição americana de liberal: de esquerda). Afinal, se Williams mentira, o que garante que todo mundo não estava mentindo?


Infelizmente para ele, enquanto a NBC devidamente punia Williams, O’Reilly foi pego em uma mentira maior. Williams mentiu quanto a que helicóptero fora atingido, e qual a sua participação no incidente. O’Reilly, por sua vez, repetidas vezes afirmou ter presenciado combate durante a Guerra Falklands/Malvinas, ter escapado da morte por um triz durante a mesma guerra, ter visto soldados argentinos executando manifestantes, e ter salvo a vida de um fotógrafo durante um protesto.


Nada disso aconteceu, no entanto. Nenhum jornalista dos EUA cobriu a guerra no front. Apenas 30 jornalistas receberam credenciais do governo inglês para acompanharem as tropas britânicas. O’Reilly não era um deles. Ninguém da CBS (canal para qual ele trabalhava na época) pisou nas Malvinas. O único estadunidense a ir para as ilhas foi Robin Lloyd, da... NBC News. E mesmo Lloyd esteve lá por apenas um dia, acompanhado das forças armadas argentinas, antes das forças britânicas chegarem.


A cobertura da própria CBS, feita em parte pelo próprio O’Reilly, desmente as alegações de mortes nos protestos: a única cena de violência registrada foi um manifestante dando um soco em um jornalista canadense. A narração, lida pelo correspondente chefe da rede para a Argentina, Bob Schieffer, informava que alguns carros de imprensa foram apedrejados, e que a polícia ameaçou usar gás lacrimogêneo. Nada batendo com as cenas de extrema violência que O’Reilly depois viiria a alegar.


Por último, a parte de salvar um fotógrafo... Segundo ex-colegas na CBS, O’Reilly foi afastado da cobertura da Argentina após desobedecer ordens explícitas para não usar iluminação nas tomadas de vídeo. A medida levava em conta a animosidade dos argentinos contra os EUA, e visava a segurança dos jornalistas. O’Reilly, no entanto, forçou os cinegrafistas a ignorar a ordem, e gravou multiplas tomadas iluminadas. Para piorar, quando foi informado que o correspondente chefe seria quem leria a cobertura, reclamou que “não foi capturar imagens para aquele velho usar”.


Como foi que o veterano “isento” e “racional” da Fox News reagiu a exposição do seu engodo? Acusando os jornalistas que revelaram a mentira de serem “assassinos de esquerda”, desejando que um deles “estivesse na zona de risco”, e ligando para a redação do New York Times para fazer ameaças, é claro. O que, você esperava que ele fosse agir como Williams, e se desculpar publicamente? Da mesma maneira, a Fox News respondeu ao escândalo fazendo... nada. Absolutamente nada.

E essa é a rede de notícias que se diz detentora da verdade. E que acusa a rede que puniu o seu âncora desonesto de ser a rede das mentiras. Precisa dizer mais alguma coisa? O comportamento é muito similar ao de certos "formadores de opinião" e "guardiões da moral" que vimos pelo Brasil afora. Muitos mentem abertamente, e quando a mentira é escancarada, se enfurecem... Fica ainda pior quanto as redes sociais, onde qualquer coisa vale, e mentiras correm a solto. Alguns, ainda usam da carreira "jornalística" para adentrar na política. Ao menos nisso, O'Reilly ganha pontos: teve a hombridade de manter as coisas mais ou menos separadas (digo mais ou menos, pois o seu jornalismo "isento" é 100% propaganda republicana).


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Extinguir a Fundação Cultural?

POR JORDI CASTAN



A cada dia que passa fica mais clara a impressão de que o prefeito está perdido no seu labirinto. A proposta de compactar a cultura em um supersecretaria é típica de quem tem uma visão simplória das coisas. Ou pior, é a típica solução que apresentaria quem ainda não entendeu o problema.

Gostaria de lembrar de um texto que postei aqui sobre a reforma política e sugerir a sua leitura novamente. O texto de julho de 2014 fazia uma ligação entre a visão que determinado prefeito e um dos seus secretários tinham sobre a música. Usei uma composição de Schubert como exemplo do risco que representa uma visão parcial da situação. O risco era concreto e a ligação com a nossa realidade local era evidente.

A minha sugestão de leitura acrescentaria alguns pontos, para facilitar a compreensão e contextualizar a situação e o momento atual. A primeira é que o dito prefeito fosse, por exemplo, o de Joinville, a segunda que solicitasse a dos seus secretários mais próximos que apresentasse uma proposta de como reduzir gastos na área de cultura.

Não posso assegurar, mas conhecendo-o, não duvidaria que não tenha recebido sugestões de alguma conhecida empresa de consultoria e que desta constelação de sumidades tenha surgido uma proposta tão estapafúrdia como essa de extinguir a Fundação Cultural e compactar tudo o que cheire ou esteja ligado a cultura  numa secretaria que nem consegue cumprir direito suas obrigações e tem dificuldades até em manter as escolas funcionando e em fornecer a tempo os equipamentos e as instalações necessárias.

Se o governo municipal trata esta reforma administrativa com a mesma celeridade e eficiência com que tem tocado as obras em Joinville, ninguém deve ficar muito preocupado, porque não deve sair tão cedo. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A culpa é das estrelas?

POR SALVADOR NETO




Talvez você ria, talvez você chore, talvez você queira saber mais, estudar mais. Mas é possível também que atire meu texto na lixeira, imediatamente.  Ou, quem sabe, faça uma marca no jornalista para que seja rapidamente identificado como um "diferente". Veremos em breve. Comecemos por Goebbels. Não, este artigo não tem nada a ver com o livro de John Green, tampouco com o filme. Mas tem a ver com duas estrelas famosas, conhecidíssimas da nossa sociedade. 


Joseph Goebbels foi o ministro da propaganda de Hitler, o responsável pela criação do mito “Führer”. Cineasta, jornalista, literato e filósofo, possuía uma retórica única. Produzia filmes emocionantes divulgando o nazismo. Seus filmes estimulavam o preconceito étnico, a xenofobia, o patriotismo e o heroísmo e condenavam os judeus, alegando que eram culpados de acumular riquezas, explorando o povo. Junto a isso, o governo nazista decidiu que todos os judeus deveriam andar com a estrela de David em suas roupas, no peito ou no braço esquerdo.

A propaganda de Goebbels surtiu efeito. Milhares de alemães filiaram-se ao partido e contribuíram para o Holocausto de Hitler, torturando e matando seus próprios compatriotas, e entre eles cerca de seis milhões de judeus. A repetição da mentira várias vezes a torna verdade, dizia o propagandista preferido de muita gente até hoje, como políticos, líderes de partidos políticos, e até em muitos meios de comunicação. Afinal, a receita surtiu os efeitos desejados. Judeus foram marcados e podiam ser humilhados e agredidos em público. Seus bens eram confiscados, e ao final, foram escravizados e mortos em campos de concentração. Só não chegaram à solução final porque os aliados acordaram a tempo.

Processo de propaganda parecido, mas velado, tem se dado com o PT, partido político brasileiro nascido no meio do operariado no final da década de 1970 no ABC paulista. Antes identificado com lutas da esquerda e ao socialismo, foi tachado por várias vezes como sendo um criadouro de comunistas. Após conquistar o poder central a partir de 2003, sua estrela, marca que chegou até os jardins do Palácio da Alvorada, está lentamente sendo alinhada via investigações e noticiários à marca da corrupção, do banditismo, dos desvios de conduta que a sociedade contesta com os escândalos midiáticos do Mensalão e agora o chamado Petrolão. Não há aqui nenhum juízo de valor sobre se os fatos são realidade ou não. Há sim uma análise comunicacional.

Está em andamento um novo modelo de propaganda, com requintes do ideólogo nazista Goebbels. A ideia ao que parece é criminalizar a estrela petista, e por consequência quem a utilize ou faça parte deste grupo. A luta pelo poder tem resvalado no limite da insensatez, buscando pregar os sentidos da antiga estrela de David para os nazistas, à estrela petista do século 21. Não deixa de ser uma estratégia de comunicação visando o poder, mas que ao assumir proporções em alta escala levam ao perigo de voltarmos às atitudes violentas e antidemocráticas nas ruas. Vimos isso entre 1933 e 1945. Vimos isso nas eleições de 2014.

Para os incautos e não afeitos ao acompanhamento da grande e poderosa mídia tupiniquim, francamente aliada às forças conservadoras, ao capital internacional, e controlada por poucas famílias ligadas às forças políticas e empresariais, isso pode ser imperceptível. Sim, este movimento, esta mensagem, dirigida, pensada pacientemente, e executada parcimoniosamente. Mas é fato. Lembre: o nazismo levou 10 longos anos para se tornar forte e matar milhões na Segunda Guerra mundial. Repetição, massificação. Lenta, gradual, mas firme.


Não amigos, a culpa não é das estrelas. A culpa é da luta dos homens pelo poder, o controle das riquezas nacionais, seja aqui ou no outro lado do mundo. Cabe a nós como seres pensantes acompanharmos os fatos, aprendermos com a história, antes que ela nos leve novamente ao absurdo da violência. Nada pior do que ser estigmatizado por suas escolhas, e pior, ser perseguido, agredido e impedido de uma vida normal. Não podemos e nem devemos repetir os erros do passado, que aqui e acolá teimam em reaparecer. Tenhamos muita cautela, pois a democracia é o nosso bem maior.



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Ninguém é profeta em sua terra: uma (tentativa de) autocrítica

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Às vezes os novos caminhos de nossas vidas surgem de forma repentina. Lembro-me bem de quando foi publicado no jornal, há 10 anos, meu primeiro artigo de opinião. Na época era um secundarista com vontade de me graduar em Letras. Desisti e achei as Ciências Sociais por um acaso, graças àquela publicação no jornal. Falar sobre a cidade, escrever e debater era o que eu mais gostava na adolescência. Nada contra, mas bem menos chato que as possíveis aulas no curso de Letras. De lá para cá, muita experiência e a presente decisão de parar por uns tempos.

A tarefa de expressar a sua opinião publicamente é árdua e desgastante. Faz você perder amigos, empregos, e o seu círculo social fica cada vez mais restrito às pessoas que pensam parecido com você, graças a tal homofilia. Comportamento que partiu de todos os círculos sociais em que eu estava inserido. Também me ensinou a lidar melhor com as críticas, algo que raramente você consegue quando é jovem. E ah, aceitar os erros, que foram muitos.

Neste período também mudei muito meu posicionamento político sobre várias questões, felizmente. Essa mudança talvez não tenha sido bem aceita por alguns, mas foi por outros. Enquanto uma ligação termina, outra começa. Expressar a opinião é mergulhar neste telefone sem fio interminável, sob tutela da opinião alheia.

Sinto-me na obrigação de dar um tempo, até porque expressar abertamente aquilo que penso me cansa demais, principalmente perante o cenário caricato que nossa cidade vem ganhando nos últimos anos (parece que nada melhora ou se desenvolve), e também a abertura para novos lugares e novas possibilidades profissionais e pessoais. O blog Chuva Ácida foi muito importante neste processo pois consolidou algo diferente para a cidade, e deu a todos os leitores opiniões diárias sobre os acontecimentos e que geralmente não eram vistas nos jornais. Quase 1 milhão de acessos em três anos. Pode parecer pouco, mas são 500 pessoas que, todos os dias, leem algum texto por aqui publicado. Só tenho a agradecer ao Jordi, Baço e Felipe que me convidaram para esta aventura, aos demais colegas de blog e a todos os leitores, gostando ou não do que eu escrevi.

Se não fosse este espaço, dificilmente teria condições de escrever abertamente sobre a UFSC em Joinville, sobre os assuntos de planejamento urbano da cidade (mobilidade urbana, LOT, gestão democrática da cidade, Praças da Cidade, IPPUJ, etc.), sobre as diárias dos deputados (que mudaram o sistema após nossa denúncia) e tantos outros temas em que "dei a cara" mais de 150 vezes. Fico feliz por estarem surgindo outros nomes e se consolidando outros, sinal de que algo novo está em uma necessária gestação.

E de novidades é que se faz a vida. Foram 10 ótimos anos neste ciclo entre blogs, TV, rádio e jornais. Não me arrependo de nenhuma linha escrita, ou de posicionamento político tomado. Talvez só de algumas mudanças que não consegui fazer, principalmente nas minhas passagens pela gestão pública. Mas como nem tudo dependia de mim...

Por mais irracionais que algumas escolhas possam parecer, elas fazem parte do nosso amadurecimento, nesta busca incessante por medalhas de reconhecimento para tudo o que ocorre em nossas vidas. Todos temos uma história, cheia de confusões e certezas, mas tudo o que queremos é fazer algo de diferente, que seja a nossa imagem. Ao fim, todos temos as nossas medalhas, advindas simplesmente da vontade de mudança. E, em Joinville, diante das dificuldades, o que pode parecer simples, banal e frívolo para uns vira grandes conquistas pessoais para outros. Alteridade.

Como já dizia o ditado, "ninguém é profeta em sua terra". Tá na hora da minha terra aprender com seus próprios erros, sem precisar do chato aqui para "encher o saco".

A vibe agora é outra.

PS: cadê a Leroy Merlin?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O racismo naturalizado


POR FELIPE CARDOSO

Após entrar em um longo e produtivo debate no meu Facebook sobre a “ação solidária” para com Adriano, morador de rua de Joinville, pude perceber que as ideologias colonizadoras de branqueamento, higienização e etnocentrismo não só fazem parte da nossa sociedade, como já estão naturalizadas, o que as tornam mais difíceis de serem desconstruídas e contribuem para a propagação do racismo. Logo, e infelizmente, o racismo já se naturalizou na nossa sociedade.

Nem todo o material teórico parecia ser capaz de explicitar e exemplificar a minha análise crítica sobre o caso. Então, recorri a minha monografia para tentar explicar um pouco mais do que acontece diariamente com os corpos negros, mutilados em busca do padrão de beleza que, em sua maioria, é europeu.

Branqueamento e higienização nada mais são do que ferramentas do racismo, que é causado pelo etnocentrismo, por onde pretendo iniciar a minha explicação.

Nas expedições em busca de novos territórios, o europeu ao se deparar com um novo povo, teve a experiência do choque cultural. Esse choque se dá pelo encontro com a diferença que representa uma ameaça, pois fere a própria identidade cultural.

Isso explica o motivo dos europeus inventarem diversas teorias que comprovavam que os africanos eram inferiores. Tal pensamento europeu é reconhecido como etnocentrismo, o que Everardo P. Guimarães Rocha, em seu livro “O que é etnocentrismo”, define como:

“... uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc.”.

Então, após tomarmos o choque ao vermos Adriano, automaticamente tentamos colonizá-lo com a nossa visão de mundo, com os nossos valores e pontos de vistas que fomos ensinados a ter e propagar. O incômodo que um morador de rua nos causa é justamente por ele representar o “diferente” no nosso mundo. Não procuramos entende-lo, respeitá-lo e preservá-lo. Tentamos de todas as formas traze-lo para a nossa realidade, para o nosso cotidiano, pois o “eu” está certo, o centro somos “nós”, com empregos, carros, rotina. Ele está à margem, é o desempregado, o inferior, representa o insucesso.

Além de ser morador de rua, Adriano é negro, e optou por deixar seu cabelo crescer.

Com a educação brasileira pautada na Europa e a construção e preservação da cultura escravista desde o período colonial, sempre nos foi apresentado e ensinado que o que era do branco era bom e, tudo o que tinha de ruim, pertencia ao negro. Assim, a partir da representação do negro enquanto um ser não civilizado, o branco forjou a sua própria imagem como civilizado e distinta por sua superioridade. Dessa maneira, o negro começou a desprezar a si próprio e tomar como verdade a imposição do branco.

“O processo escravista de colonização, associado a uma catequese opressora, conseguiu engendrar mudanças fundamentais na auto visão do negro. Após gerações de perda absoluta de direitos e dos valores, a visão do negro sobre si mesmo absorveu influências da concepção escravista da época” (AZEVEDO, Eliane –Raça - Preconceito e conceito, p. 48).

Tudo isso somado a tentativa de branquear o país, principalmente a região sul, trouxe ainda mais consequências ruins para a população negra.

Para tentar permanecer e sobreviver no Brasil industrializado, os negros tiveram que se adaptar ao modelo imposto pela elite branca da época. Com intuito de lucrar, a indústria de cosméticos passou a produzir produtos exclusivos para os negros recém-libertos, fazendo-os pensar que, utilizando tais produtos, ficariam brancos e seriam, assim, incluídos na sociedade. Alisar o cabelo, passar pó de arroz, afinar o nariz, a boca... Gerando, assim, uma crise na identidade étnica negra.

(Uma das exigências dos brancos para com os negros era que eles negassem seus traços, suas culturas, suas raízes e podemos perceber que tais exigências permanecem até hoje).

 Mas a partir da década de 1960, com o início da luta por direitos civis dos negros norte-americanos, houve uma grande mobilização para a preservação e o respeito da cultura e do povo africano, que acabou influenciando muitos países, inclusive o Brasil. Muitos movimentos começaram a surgir aqui e o cabelo afro tornou-se símbolo dessa época. O black power representava a resistência negra.

Mais uma vez, sentindo uma eminente ameaça, a elite branca decidiu enfraquecer tais movimentos, investindo duramente contra as comunidades negras.

No início da década de 1990, os black powers perderam a força, depois de muitos investimento para manchar a imagem de quem apreciava e preservava a cultura afro. O black power perdeu espaço para os cabelos raspados e, principalmente, alisados. E foi aproveitado dessa situação para construir, novamente, no imaginário popular, que o cabelo grande representava a falta de higiene e que o melhor padrão a ser utilizado pelos homens negros era o cabelo raspado e, para as mulheres, alisado. Essa ideologia foi passada por meio de piadas, publicidade, novelas, com comentários semelhantes ao do tempo da escravidão.

Depois da virada de século é quase raro você encontrar pessoas negras usando black power. Adriano fazia parte dessa raridade. Mesmo em uma cidade provinciana, racista, que cultua uma única cultura, Adriano representava a resistência negra. Destacava-se ainda mais por ter um estilo diferente de todos os outros moradores de rua. Todas as roupas que ele ganhava, ele vestia, e assim, seguia. Mas o que dava todo o estilo e toda a sua identidade era o seu cabelo. E, pelo visto, era o que mais incomodava também... Os outros, é claro.

Durante três anos tentaram convencê-lo a cortar. Ele resistiu o quanto pode, até aceitar.

Mas o fato de ele passar por uma mudança “ESTÉTICA” ganhou destaque.  Adriano, que era tratado como qualquer outro morador de rua (à margem da sociedade, invisível) recebeu muita atenção por ter deixado seus traços para trás. Mais uma vez houve festa na Casa Grande. Mais um negro negou a sua raiz. Mais um negro entrou para o padrão de beleza branco. Ficou “IRRECONHECÍVEL”, ou seja, quase um branco.

“Dissemos quase, agora pode voltar pra rua, pra marginalidade”.

“Agora ele está agradável aos “nossos” olhos. Agora não terei mais aquele choque cultural quando estiver indo para a casa ou para o trabalho. Agora ele está do jeito que “eu” queria e gostaria que ele sempre estivesse. Que conforto. Que alívio.”.

Esse ato praticado com Adriano representa sim o racismo, a falta de entendimento e aceitação da cultura negra. E achar que é um simples caso de solidariedade, sem tentar analisar tudo isso que foi citado, toda a história por trás da nossa vivência ou é maldade, ou inocência, ou falta de conhecimento. O que está sendo criticado aqui é a perpetuação dessa cultura racista, colonizadora, recheada de padrões, rótulos e ignorância.

Se Adriano fosse branco, de olhos azuis, com traços finos, talvez tivesse a oportunidade de virar modelo, sair das ruas. Pois segundo a nossa sociedade que “não é mais racista”, a rua não é lugar para branco estar.

Se os erros do passado continuam acontecendo hoje, se ainda tudo o que é/vem do negro ainda é visto como ruim e tudo o que é/vem do branco ainda é visto como bom e como superior, ainda existe racismo. E nesse caso, após essa análise, espero que tenha ficado evidente.

No mais, fiquem avisados: vai ter crítica sim e vai ter militância também. Se ficar reclamando, ou com raiva, ou até mesmo em silêncio, vai ter do mesmo jeito. Não nos calaremos!

Nosso cabelo não é moda, não é tendência. Nosso cabelo é nossa identidade. Nosso cabelo é resistência!