sábado, 21 de setembro de 2013
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Porque há histórias bonitas
POR ET BARTHES
Para quem gosta de uma história bem contada, daquelas que emocionam.Os nomes e as coisas
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
No tempo em que era criança não havia bullying. É que a palavra não exisitia (nunca ouvi alguém falar) e então a gente não
sabia se sofria disso ou não. Como podem ver, o problema da minha geração era apenas sofrer de déficit
semântico, porque ninguém tinha dado o nome à coisa. Aliás, se fosse pelos padrões de hoje acho que não tinha sobrevivido à minha
infância e pré-adolescência.
Gente, aquilo era o reino do bullying. O Baleia era
gordo. O Tiziu era um preto pequenininho. O Bode era japonês. O Mijão mijava na
cama (mas era boato). O Frangão tinha um parafuso a menos. O Portuga, filho de
portugueses, era burro. O Pamonha era molóide. O Barranqueiro nem me atrevo a
dizer. O Pelé, nem preciso dizer. E eu era o Linguiça, por ser muito magro e alto.
É claro que a gente fazia piada e sacaneava com essas
características mais marcantes dos outros. Aliás, se não houvesse motivo para
pôr apelido, a gente inventava. Criança sabe ser amiga, mas também tem um certo
prazer em sacanear os outros. Mas às vezes o caldo entornava e tinha gente que saía
no braço. Só que ao final do dia a coisa passava e o pessoal acabava sempre amigo. Era normal para a molecada da minha geração.
Hoje é diferente. Vem especialista e diz:
- O que parece ser um apelido inofensivo pode afetar
emocional e fisicamente o alvo da ofensa.
Claro que pode. Mas que culpa a gente tinha? A minha geração cresceu de
outro jeito, com mais autonomia. Naquela época a gente tinha a rua, o campinho de futebol e o córrego para nadar nos dias de calor (e de frio também que criança não sofre com essas coisas). E garanto que não há maneira melhor para
cimentar as amizades. Ah... e tinha o lado legal de que os pais e os professores nunca estavam nesses lugares.
Aliás, não sei que caminhos tomaram todos os meus
amigos, apenas alguns. O Baleia ficou magro. O Frangão trabalha com
investigação em agricultura. O Bode virou um pro dos computadores. O Portuga é
engenheiro. O Tiziu tentou fazer carreira no futebol mas se deu mal. Eu fiz
voto de pobreza e fui para o jornalismo. Mas sobrevivemos.
E hoje, quando vejo tanta gente a repetir essa palavra
– e o tantão de gente que parece saber tudo sobre o assunto – só penso numa coisa: ainda bem que eu não sabia
inglês e nunca aprendi aprendi essa palavra bullying. Porque a minha infância podia ter sido muito chata. E viva o déficit semântico.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
E se houvesse uma troca de lugares?
POR ET BARTHES
A cidadania nossa de cada dia. Deem uma olhada na mulher do 1m08s.
Os intocáveis
POR CLÓVIS GRUNER
Se depender da vontade do vereador James Schroeder (PDT) e de 17 de seus pares, joinvilenses que forem flagrados bebendo em lugares públicos serão considerados infratores. Assunto da semana, na última quinta-feira a Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei 48/2013, que visa proibir o consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos. O projeto precisa agora passar por uma segunda votação antes de ser submetido ao prefeito Udo Döhler, que não sabe ainda se vai vetar ou sancionar a nova lei. Mas não importa seu futuro. Já é uma excrescência que ela tenha sido redigida, submetida ao legislativo e obtido ampla maioria de votos.
Trata-se de uma lei repleta de furos,
aparentemente ambigua em suas intenções. Exemplos: os bares que possuem mesas em
calçadas, que são públicas, podem continuar
a fazê-lo, porque pagam pela ocupação do
espaço, que é público! Não por coincidência, é na badalada “Via Gastronômica” e
adjacências, que se localizam as principais casas que poderão continuar a
utilizar as calçadas públicas como se fossem privadas. Aliás, trata-se da mesma
via onde acontece o Stammtisch, um evento que nada tem de popular e, por isso
mesmo, pode continuar a frequentar e usar os espaços públicos sem ser afetado
pela lei.
Não são melhores os argumentos para
explicar a necessidade do projeto. De acordo com Schroeder, ele atende um clamor popular, embora sua noção de
“popular” seja bastante restrita, limitando-se aos conselhos comunitários
de segurança (Consegs) e ao 17º Batalhão da Polícia Militar, responsável pelo policiamento
na zona Sul de Joinville, que o demandaram. Em entrevista concedida a um jornal local meses atrás, o vereador explica
didaticamente suas intenções: “O que queremos”, afirmou, “é justamente promover
o debate sobre o consumo de álcool entre os jovens. A lei vai permitir que a
polícia aja preventivamente e não precise ir até um local depois que uma
aglomeração de jovens com som alto e bebidas, por exemplo, já tenha virado
bate-boca ou vias de fato com vizinhos incomodados, o que acontece com frequência nos bairros”.
PRODUÇÃO DE ILEGALIDADES – Tudo junto e misturado, e a
cidade pode vir a ter uma lei elitista, preconceituosa e segregacionista.
Porque nem mesmo o discurso pretensamente bem intencionado – o de que o álcool
é um problema de saúde pública, por exemplo – convence: medidas
sócio-educativas são muito mais necessárias e eficazes para combater problemas
como o alcoolismo, que proibir seu consumo em lugares públicos. Principalmente porque
não é nas ruas e praças onde mais se consome álcool, mas em espaços fechados,
como bares e baladas. Há o acúmulo de lixo, o barulho, as brigas, os excessos?
Sim, por certo. Mas como se tratam de exceção, e não da regra, não seria mais
razoável prevenir ou, se for o caso, coibir e punir os excessos usando os
mecanismos e aparatos legais e policiais já à disposição, ao invés de produzir
novas ilegalidades?
A resposta é simples: o objeto da lei são os bairros e
populações periféricos, (o texto não podia ser mais explícito quando se refere à
Zona Sul, lugar historicamente estigmatizado pelos joinvilenses mais
“tradicionais”), aqueles que vivem em “vulnerabilidade social”, na definição do
Charles Henrique aqui no Chuva. Os frequentadores da Via Gastronômica e
do Stammtisch podem beber nas calçadas e fechar uma via pública, consumir
álcool, voltar para casa dirigindo e postar suas fotos nas redes sociais. O
problema, afinal, não são eles: nenhuma lei municipal ousaria tocar nos
privilégios de quem circula exibindo suas Tommy Hilfiger. Mas James Schroeder, seus colegas de parlamento e os muitos
joinvilenses que aplaudiram a nova medida não estão sozinhos.
No século XIX, autoridades inglesas
limitaram o horário dos pubs ao perceberem que, mais que beber, seus
frequentadores os utilizavam como lugar de sociabilidades e discussões
políticas. No começo do século passado, praticar capoeira era delito previsto
no Código de Posturas da então capital federal, o Rio de Janeiro. Andar
descalço também – uma proibição que inspirou uma das mais memoráveis passagens
do romance de estreia de Lima Barreto, “Recordações do escrivão Isaías Caminha”.
Mais ou menos à mesma época, em Curitiba, reuniões e eventos populares –
definidos como “batuques e fandangos” – organizados por negros ou imigrantes que
vivessem em regiões distantes do centro, só poderiam ocorrer mediante
autorização policial.
A HISTÓRIA SE REPETE COMO FARSA – Na década de 1960, em Joinville, entre as preocupações das autoridades
estavam os mendigos, jogadores e prostitutas. Para os primeiros, pretendeu-se o
internamento compulsório; para os segundos, além de limites impostos pelo
Código de Posturas de 1956, inúmeras batidas policiais, principalmente em bares
localizados nos bairros mais à periferia. Para as últimas, o prefeito Helmut
Fallgater projetou a construção
de uma espécie de “centro de tolerância”: casas construídas especialmente para
o funcionamento da prostituição, “tudo ficando seguramente bastante isolado (...) em zonas apropriadas, para melhor
contrôle e observação da Polícia”.
Em abril deste ano a Câmara de Vereadores de São Paulo aprovou em primeira
votação um projeto que proíbe os bailes funks nas ruas da capital paulista.
O que eventos tão
distantes no tempo e no espaço tem em comum? Todos, sem exceção, não legislaram
em função do bem comum mas, tão somente, proibindo e punindo práticas populares.
Contaram, como o projeto de lei de James Schroeder, com o apoio da população
“ordeira”, os homens e mulheres de bem. Aliás, vem do Facebook o comentário que
define, sintética mas exemplarmente, o espírito da nova lei e as razões do
entusiasmo com que foi recebida por alguns: “meuuuuuuuuuuuu nem fala,
vai ser uma benção.... a gentalha tem q se ferrar mesmo... escória da sociedade”,
escreveu uma joinvilense de bem, certamente ordeira. Apesar da flagrante
limitação retórica, ninguém conseguiu defini-la melhor.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
LOT e financiamento de campanhas: o caso da Estrada Barbante
POR CHARLES HENRIQUE VOOS
![]() |
Fonte: webimprensa.sc.gov.br |
É sabido que as campanhas eleitorais são processos que incitam o desenvolvimento da corrupção. O financiamento privado pode colocar no jogo perspectivas particulares, através do dinheiro injetado na campanha dos candidatos. Sabemos também que o momento da alteração de zoneamento pode, por muitas vezes, representar interesses específicos de loteadores, empresários da construção civil, especuladores, etc. E o vereador tem um papel fundamental na hora das alterações de leis urbanísticas. Portanto, existe uma íntima ligação entre financiamento de campanha e alterações no zoneamento das cidades.
Para descrever isto, descobrimos nesta semana um fato muito curioso na política local, envolvendo a Toscana Construções S/A, o vereador Manoel Bento (PT) e a nova lei de ordenamento territorial. Os fatos levantados a seguir nos levam a crer que a relação entre os fatos citados existe.
Toda a suspeita começa com a inclusão da Estrada Barbante, no Morro do Meio, como uma Faixa Viária (clique aqui e entenda o que é Faixa Viária), após todas as discussões sobre LOT já estarem adiantadas nas instâncias internas da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Uma série de ruas e avenidas estavam incluídas previamente, e de repente, surge a Estrada Barbante.
A suspeita se desenvolve quando partimos para o entendimento do porquê da inclusão da Estr. Barbante no projeto de faixas viárias. O local é rural, não possui conectividade com outras vias troncais, e não possui nenhum motivo aparente (urbanisticamente falando) para ser uma nova faixa viária da LOT. Um erro dos responsáveis pelo projeto, aparentemente.
Entretanto, olhando a listagem dos donos de terrenos desta Estrada, aparece a Toscana Construções S/A, conforme mostra este arquivo, retirado do sistema da Prefeitura de Joinville. O terreno de 278mil m², enquanto zona rural, tem um uso muito restrito às atividades agrosilvopastoris. Enquanto faixa viária, terá seu uso amplificado, para vários tipos de empreendimentos. Ou seja: o terreno, com a LOT aprovada, vai valorizar e poderá ter empreendimentos da empresa no local, visto que a citada é uma construtora.
A consolidação da suspeita surge a partir da consulta desta empresa no sistema de informações das doações de campanhas. Em 2012, a Toscana Construções S/A doou R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a campanha do vereador Manoel Bento (PT),conforme imagem abaixo, este eleito para mais um mandato. E que a inclusão da Estrada Barbante como faixa viária no projeto da LOT ocorreu após Bento ter sido eleito presidente da Comissão de Urbanismo da Câmara de Vereadores de Joinville (veja a versão atualizada do projeto da LOT no site do IPPUJ.
Está clara a relação entre o empresário, o político, e a LOT. Deixamos o Chuva Ácida à disposição dos envolvidos para explicarem esta doação para a campanha de Bento e as consequentes alterações no projeto da LOT, visando a valorização de um terreno particular a partir de um ato especulativo. Entretanto, não dá para admitir que a LOT (esta LOT, do jeito que está sendo feita) seja para o bem de todos, e que deva ser aprovada imediatamente, sem discussão com a população e um Conselho da Cidade democrático, sob o risco da cidade "parar". Quanto mais discussões tenhamos, mais aparecerão situações como estas, e o processo se tornará mais transparente. O acompanhamento, pela população, de questões como a LOT, direciona as políticas públicas para o caminho da efetividade, ao invés de um caminho difuso e danoso para a coletividade. Outros casos estão sendo investigados e serão divulgados oportunamente.
Atualização (25 de setembro):
A assessoria do Vereador Manoel Bento (PT), encaminhou a seguinte resposta:
Resposta ao blog Chuva Ácida
A assessoria do Vereador Bento (PT) entrou em contato com o Cientista Social Charles Henrique Voos referente à publicação feita ontem (18/09/2013) no blog Chuva Ácida. O motivo foi entender qual o embasamento para o texto presumir a relação de favorecimento da Empresa Toscana na LOT (Lei de Ordenamento Territorial).
De acordo com Charles, sua matéria é resultado de análises de dados para sua pesquisa de doutorado. O estudo cruza informações acerca de empresas doadoras em campanhas políticas com pedidos na LOT. O Vereador Bento não nega que a empresa tenha feito uma doação em sua campanha. No entanto, é necessário esclarecer que o contato com esse grupo imobiliário de Rio do Sul, se deve ao apoio e orientação que o parlamentar ofereceu a empresa que vinha elaborando o projeto habitacional de construção de três mil moradias. Através do Programa Minha Vida, o objetivo é contemplar famílias de 3 a 6 salários mínimos no bairro Morro do Meio.
Contudo não há em nenhum documento da Câmara (requerimento, moção, ofício) ou pedido verbal ao Vereador Bento (PT) solicitando a intervenção em questões de zoneamento na LOT. De nosso conhecimento, o único pedido de dados oficiais feito pela Toscana Construções consta como consulta branca na Seinfra para a construção de um empreendimento imobiliário do Programa Minha Casa Minha Vida.
Até a data de 31/12/2011 não havia nenhuma indicação de Faixa Viária para a Estrada Barbante. Bem como a LOT não sofreu alterações em 2012. Atualmente, no novo projeto da LOT (Lei de Ordenamento Territorial), foi incluída a Estrada Barbante, por sugestão do Executivo.
O Vereador Bento entende que o estudante de doutorado tem o direito acadêmico de fazer suas análises. Porém segundo o próprio Charles, sua opinião não se baseia em nenhum documento de trâmite oficial, sem o qual jamais poderia se concretizar o pedido.
É comum em pesquisas acadêmicas e cientificas utilizar a metodologia de análise comparativa onde o pesquisador ousa fazer essas considerações. Mas ao contrário do que foi citado, o Vereador Bento não teve nenhuma relação com a inclusão da Estrada Barbante como Faixa Viária na LOT (Lei de Ordenamento Territorial). O parlamentar manifesta seu posicionamento:
“Estou em meu terceiro mandato e justamente por isso, tenho um compromisso com a população. Sou o presidente da Comissão de Urbanismo e no ano passado fui presidente da Comissão de Legislação e Justiça. Não encaminhei nenhuma sugestão para o novo projeto da LOT. A nova Lei de Ordenamento Territorial está sendo analisada pelo Conselho da Cidade. Prezo muito pelo respeito a cada cidadão. Portanto, tenho o direito de exigir que não sejam feitas suposições que coloquem em dúvida a minha conduta ética e moral”, diz Bento.
Como a tese do estudante Charles ainda não foi publicada e nem julgada, o Vereador Bento sugere cautela nesse processo de pesquisa, para que não ocorram julgamentos precipitados e injustos antes da conclusão e legitimação do trabalho acadêmico. É importante que essas informações se pautem em dados factíveis.
Assessoria de Comunicação
Vereador Manoel Bento (PT)
E-mail: vereadorbento@gmail.com
terça-feira, 17 de setembro de 2013
Receita para o caos
POR JORDI CASTAN
Para implantar o caos urbanístico em uma cidade
como Joinville é preciso contar previamente com alguns ingredientes .
Estando eles presentes, o resultado está garantido. Sem ordem de prioridade, há que contar com
funcionários e legisladores permissivos, especuladores cobiçosos e uma sociedade pouco participativa Pode se
acrescentar ainda uma legislação complexa, recheada de termos técnicos que a
façam ininteligível à maioria dos cidadãos, um discurso
desenvolvementista a qualquer preço, um prefeito obtuso, uma maioria
confortável no legislativo, facilmente conquistada com as centenas de cargos comissionados e outros agrados que o executivo tem a sua disposição para cooptar os apoios necessarios e ainda acrescentar a atuação de
alguns energúmenos trasvestidos de lobbistas da gangue do tijolo e teremos as
condições perfeitas para converter qualquer cidade em um modelo do caos urbano, voltado
à lucratividade de poucos.
O processo inicia com
a omissão da Prefeitura, que deixa de agir e não autua e não impede que o meio
fio seja rebaixado em desacordo com e lei, que galpões irregulares sejam
construídos ou operados de forma ilegal, autorizando a construção de prédios em
ruas sem a largura mínima para esse tipo de empreendimentos.
Resta a dúvida se esta
omissão é ou não intencional. Senão vejamos.
Ao deixar de
exercer o poder de polícia e coibir as construções irregulares no tempo e
modo apropriado (ou seja, exigir a suspensão/demolição do empreendimento
irregular antes mesmo que seja finalizado), a Administração Pública
Municipal acaba alimentando a demanda desses administrados pela regularização
de seus empreendimentos e estabelecimentos.
Ao deixarem de
ser fiscalizados e coibidos, o Poder Público chega, por via oblíqua, a incutir
nesses administrados a sensação de que podem empreender de tal forma. Em contrapartida, a
Municipalidade se utiliza da demanda pela regularização de tais empreendimentos
como um propulsor para aprovar a Lei de Ordenamento Territorial a qualquer
custo. Aliás, chega a
condicionar a regularização de tais empreendimentos à aprovação da LOT. Bravo!
Por que não suspendem logo todo o serviço público municipal e
não condicionam à aprovação da LOT? Nesse ritmo, a LOT
passa a ser usada de instrumento para regularizar ou autorizar as
ilegalidades que só existem pela repetida mistura de incompetência e omissão de
quem deveria fiscalizar o cumprimento da lei.
À luz da situação
atual, o Poder Público tem atuado historicamente com total cumplicidade com à
ilegalidade: o sujeito constrói irregularmente e depois o Poder Público, que
deveria exercer o poder de polícia, faz uma lei para regularizar.
Então, pode tudo e é
apenas uma questão de tempo para que venha uma nova versão da "Super Lei
Cardozinho" e seja concedida uma anistia ampla, total e irrestrita, desde
que pagas as taxas definidas.
Criado o
precedente e na linha de que todos têm o mesmo direito, imagino tudo o que não
deva estar sendo premeditadamente produzido seguindo a mesma fórmula. "Constrói, depois
a gente dá um jeito na LOT". Só mesmo a Faixa
Viária para absorver toda esta bandalheira. Desta forma o Prefeito
conta, para sustentar seu discurso, com aliados de peso que tem feito
investimentos em estudos, projetos e na aquisição de imóveis e direitos para
exercer uma pressão às avessas para dar celeridade à LOT.
Basta ver quem comprou
e investiu desde a edição desse Projeto da LOT (aliás, o mesmo da criticada
gestão anterior) nas margens das faixas viárias, já contando com a sua
aprovação.
É o velho fazejamento urbano. Estimula os administrados a edificar e estabelecer do jeito que quiser,
ignorando qualquer planejamento. Mais tarde, legaliza-se o que foi
feito.
A
"nova" lei é superveniente à infração urbanística, para
regularizá-la, quando deveria puni-la e demandar sua respectiva correção.
Vamos logo aterrar a
Babitonga e criar grandes faixas viárias dos centros industriais até os portos (não
vamos nos esquecer de combinar com um ou outro aliado do setor imobiliário para
que se adiantem na aquisição dos imóveis nas vizinhanças desse novo projeto).
Em pouco tempo
conseguimos uma nova norma que tornará isso legal.
Afinal, se não
fizermos isso, vocês já sabem, Joinville vai parar!
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Sobre a Cachaçada Coletiva, a domesticação e a istâmitixe
POR MARCUS CARVALHEIRO*
Este não é nenhum texto oficial, ou carta em nome do público que esteve no Parque das Águas no último domingo, é apenas uma reflexão minha, mas gostaria de dividir estes pontos com vocês. Tem sido comum estas revoltas populares se intensificarem nas redes, não sei se é pela facilidade de organizar estes atos ou pela possibilidade de qualquer pessoa emitir opiniões sem refletir profundamente sobre o fato.
A questão é que, mais uma vez, o número de confirmados (ou o debate das redes) não se estendeu para a praça. Particularmente, esperei por um movimento mais forte, mas no final da tarde a praça ficou cheia e o evento acabou contando com um bom público, de umas 300 pessoas, acredito. Não houve gritos de guerra, debates, nem nada do gênero. As pessoas simplesmente foram ao local, beberam e conversaram sobre qualquer coisa. Vários jovens, vários “pais de família” e várias crianças. Isso mesmo, várias famílias compareceram ao evento “Cachaçada Coletiva”. Por este motivo, chega a ser hilário imaginar que daqui alguns dias estas crianças verão seus pais, responsáveis ou amigos como infratores.
Percebem? Acho que já deu para entender que o problema não é o consumo, não é? Na verdade, muita gente aqui (Internet) já levantou a questão que, certamente, esconde-se por de baixo desta lei maluca: a da segregação social. Os primeiros atingidos por esta lei serão os moradores de rua, menos perigosos que alguns policiais que andam por ai. A prática de “higienização” se camufla nestas ações, mas fica evidente quando percebemos que eventos como a istâmitixi (sugeriram para errarmos a grafia propositalmente) continuarão ocorrendo normalmente, assim como o Carnaval. Ou seja, é justamente a classe que não frequenta estas “festas alemãs” da Via Gastronômica que será atingida pela lei. Ah, ok, ainda teremos a possibilidade de beber na rua durante o Carnaval, para não ter motivo de “reclamar de tudo”.
Bom, voltando ao encontro de hoje, acredito que, mesmo sem gritos ou debates, o evento foi muito significativo. As pessoas simplesmente fizeram aquilo que estavam reivindicando. Seria bacana que todos que debatem a gratuidade no transporte coletivo pulassem as catracas ou se todos que criticam nosso sistema político não votassem (por exemplo). Um número grande de pessoas lutando por algo socialmente relevante é sempre útil. Enfim, às vezes, as atitudes mais simples podem ser tão significativas quanto grandes manifestações, como as de junho. Seria ideal se as pessoas continuassem fazendo isso; Se no próximo domingo estivessem todos ali, novamente, ou que, na próxima citação do projeto na câmara, as pessoas também estivessem lá.
O fato que me preocupa é que, ao invés disso, muitas pessoas já estavam escondendo suas bebidas e temendo as possíveis atitudes dos policiais que estavam ali, no Parque das Águas. Vale salientar que eu nunca vi os policiais naquela região durante eventos como o MAJ Sounds. Ficou claro que a presença
refletia uma lei que ainda não foi nem aprovada. Os policiais argumentaram para as primeiras pessoas que chegaram ao “evento” que “já está proibido consumir bebidas alcóolicas em lugares públicos” (policiais bem desinformados, inclusive). Ou seja, o receio é tanto que a lei nem está valendo ainda, mas já há pessoas respondendo “pacificamente”.
Bom, há tantas coisas que podemos refletir... Podemos falar que esta é uma tentativa clara de forçar os as pessoas mais alternativas a ficarem em casa. As tribos que vemos nas praças ou nas faculdades também serão outras atingidas diretamente pela lei. Sou um destes personagens que frequentou muito estas praças. Bebemos, conversamos, rimos, choramos, enfim, interagimos socialmente. Este projeto de lei elimina a possibilidade desta classe encontrar os amigos, juntar moedas e comprar uma cerveja, um vinho, ou uma cachaça daquelas mais simples mesmo.
Não quero teorizar nada disso aqui, mas durante minha monografia da graduação conheci um autor muito interessante, o Michel Maffesoli e cheguei a relacionar o uso do crack no nosso ‘Centro Urbano’ aos seus estudos sobre “dispositivos de sociabilidade”. Não estou defendendo o uso do crack, mas estou dizendo que até no momento do consumo do crack aquele grupo de pessoas se relaciona e se comunica de alguma forma (mas este não é o assunto aqui, quem quiser saber mais sobre isso, peça-me referências que eu passo depois). O fato é que quando a polícia sai batendo nos moradores de rua e usuários de drogas por causa do crack a população faz vista grosa. Agora, o assunto envolve uma “outra classe” e uma droga “tolerável”. Você que aceitava as atitudes da polícia em relação aos moradores de rua e usuários de crack agora precisa tomar cuidado, pois beber em uma praça também poderá ser uma infração e, dependendo do ânimo dos policiais, você poderá até levar uns tapas.
Percebem? Enquanto as leis não mexem diretamente com nossas comunidades ou costumes, fazemos vistas grossas. A bebida será mais uma desculpa para a polícia “dar gerais” em afrodescentes (sejam jogadores do JEC ou não), em moradores de rua, em jovens, em roqueiros, em rappers e em toda ou qualquer tribo que, de alguma maneira, incomoda esta classe pseudo alemã cristã da nossa “Manchester Catarinense”.
Em entrevista ao jornal Notícias do Dia, no último final de semana, o vereador James Schroeder disse que este tipo de conduta, o de beber em espaços públicos, espanta a população que não possui este mesmo hábito. Acredito que este vereador não está muito acostumado a frequentar espaços públicos. Aliás, quantos vereadores vemos no MAJ Sounds, no Parque das Águas, no Parque da Cidade, e assim por diante? Espero que o “vereador” veja as fotos da “Cachaçada Coletiva” e perceba o grande número de crianças que também estavam no local, o que demonstra claramente que o problema não é o consumo, mas sim a consciência de cada cidadão.
Bom, de uma forma geral, este debate é muito intenso e complexo. Podemos falar de Foucault, de Mafesolli, de Marx, das consequências destas políticas de “higienização/segregação social”, entre muitos outros pontos que não podem se resumir neste texto. Por isso, espero que o encontro do último domingo represente alguma reflexão, algum foco de debate que possa ser alimentado nas próximas semanas, mostrando que este projeto de lei do James não tem nada de “inocente”. Trata-se de mais uma ferramenta de coação. Se o projeto persistir e realmente virar uma lei, proponho, assim como alguns amigos já comentaram aqui na rede, que os espaços “autorizados” também sejam ocupados. Que na próxima istâmitixe o pessoal que, por ventura, não possa mais beber em praças pegue seu Velho Barreiro, seu Maracujá Joinville e ocupe a Via Gastronômica. Adoraria ver os universitários pé rapados (me incluo nesta), a galera da periferia, os andarilhos, moradores de rua, mendigos e a população como um todo participando desta festa “tradicional”. Enfim, qual vai ser James, vocês preferem a gente no meio da elite, é isso? Cuidado, a tentativa de vocês de nos segregarem pode se tornar um tiro no pé.
*Marcus Carvalheiro é jornalista (marcus.carvalheiro@gmail.com).
Texto enviado para o Coletivo Chuva Ácida.
Este não é nenhum texto oficial, ou carta em nome do público que esteve no Parque das Águas no último domingo, é apenas uma reflexão minha, mas gostaria de dividir estes pontos com vocês. Tem sido comum estas revoltas populares se intensificarem nas redes, não sei se é pela facilidade de organizar estes atos ou pela possibilidade de qualquer pessoa emitir opiniões sem refletir profundamente sobre o fato.
A questão é que, mais uma vez, o número de confirmados (ou o debate das redes) não se estendeu para a praça. Particularmente, esperei por um movimento mais forte, mas no final da tarde a praça ficou cheia e o evento acabou contando com um bom público, de umas 300 pessoas, acredito. Não houve gritos de guerra, debates, nem nada do gênero. As pessoas simplesmente foram ao local, beberam e conversaram sobre qualquer coisa. Vários jovens, vários “pais de família” e várias crianças. Isso mesmo, várias famílias compareceram ao evento “Cachaçada Coletiva”. Por este motivo, chega a ser hilário imaginar que daqui alguns dias estas crianças verão seus pais, responsáveis ou amigos como infratores.
Percebem? Acho que já deu para entender que o problema não é o consumo, não é? Na verdade, muita gente aqui (Internet) já levantou a questão que, certamente, esconde-se por de baixo desta lei maluca: a da segregação social. Os primeiros atingidos por esta lei serão os moradores de rua, menos perigosos que alguns policiais que andam por ai. A prática de “higienização” se camufla nestas ações, mas fica evidente quando percebemos que eventos como a istâmitixi (sugeriram para errarmos a grafia propositalmente) continuarão ocorrendo normalmente, assim como o Carnaval. Ou seja, é justamente a classe que não frequenta estas “festas alemãs” da Via Gastronômica que será atingida pela lei. Ah, ok, ainda teremos a possibilidade de beber na rua durante o Carnaval, para não ter motivo de “reclamar de tudo”.
Bom, voltando ao encontro de hoje, acredito que, mesmo sem gritos ou debates, o evento foi muito significativo. As pessoas simplesmente fizeram aquilo que estavam reivindicando. Seria bacana que todos que debatem a gratuidade no transporte coletivo pulassem as catracas ou se todos que criticam nosso sistema político não votassem (por exemplo). Um número grande de pessoas lutando por algo socialmente relevante é sempre útil. Enfim, às vezes, as atitudes mais simples podem ser tão significativas quanto grandes manifestações, como as de junho. Seria ideal se as pessoas continuassem fazendo isso; Se no próximo domingo estivessem todos ali, novamente, ou que, na próxima citação do projeto na câmara, as pessoas também estivessem lá.
O fato que me preocupa é que, ao invés disso, muitas pessoas já estavam escondendo suas bebidas e temendo as possíveis atitudes dos policiais que estavam ali, no Parque das Águas. Vale salientar que eu nunca vi os policiais naquela região durante eventos como o MAJ Sounds. Ficou claro que a presença
refletia uma lei que ainda não foi nem aprovada. Os policiais argumentaram para as primeiras pessoas que chegaram ao “evento” que “já está proibido consumir bebidas alcóolicas em lugares públicos” (policiais bem desinformados, inclusive). Ou seja, o receio é tanto que a lei nem está valendo ainda, mas já há pessoas respondendo “pacificamente”.
Bom, há tantas coisas que podemos refletir... Podemos falar que esta é uma tentativa clara de forçar os as pessoas mais alternativas a ficarem em casa. As tribos que vemos nas praças ou nas faculdades também serão outras atingidas diretamente pela lei. Sou um destes personagens que frequentou muito estas praças. Bebemos, conversamos, rimos, choramos, enfim, interagimos socialmente. Este projeto de lei elimina a possibilidade desta classe encontrar os amigos, juntar moedas e comprar uma cerveja, um vinho, ou uma cachaça daquelas mais simples mesmo.
Não quero teorizar nada disso aqui, mas durante minha monografia da graduação conheci um autor muito interessante, o Michel Maffesoli e cheguei a relacionar o uso do crack no nosso ‘Centro Urbano’ aos seus estudos sobre “dispositivos de sociabilidade”. Não estou defendendo o uso do crack, mas estou dizendo que até no momento do consumo do crack aquele grupo de pessoas se relaciona e se comunica de alguma forma (mas este não é o assunto aqui, quem quiser saber mais sobre isso, peça-me referências que eu passo depois). O fato é que quando a polícia sai batendo nos moradores de rua e usuários de drogas por causa do crack a população faz vista grosa. Agora, o assunto envolve uma “outra classe” e uma droga “tolerável”. Você que aceitava as atitudes da polícia em relação aos moradores de rua e usuários de crack agora precisa tomar cuidado, pois beber em uma praça também poderá ser uma infração e, dependendo do ânimo dos policiais, você poderá até levar uns tapas.
Percebem? Enquanto as leis não mexem diretamente com nossas comunidades ou costumes, fazemos vistas grossas. A bebida será mais uma desculpa para a polícia “dar gerais” em afrodescentes (sejam jogadores do JEC ou não), em moradores de rua, em jovens, em roqueiros, em rappers e em toda ou qualquer tribo que, de alguma maneira, incomoda esta classe pseudo alemã cristã da nossa “Manchester Catarinense”.
Em entrevista ao jornal Notícias do Dia, no último final de semana, o vereador James Schroeder disse que este tipo de conduta, o de beber em espaços públicos, espanta a população que não possui este mesmo hábito. Acredito que este vereador não está muito acostumado a frequentar espaços públicos. Aliás, quantos vereadores vemos no MAJ Sounds, no Parque das Águas, no Parque da Cidade, e assim por diante? Espero que o “vereador” veja as fotos da “Cachaçada Coletiva” e perceba o grande número de crianças que também estavam no local, o que demonstra claramente que o problema não é o consumo, mas sim a consciência de cada cidadão.
Bom, de uma forma geral, este debate é muito intenso e complexo. Podemos falar de Foucault, de Mafesolli, de Marx, das consequências destas políticas de “higienização/segregação social”, entre muitos outros pontos que não podem se resumir neste texto. Por isso, espero que o encontro do último domingo represente alguma reflexão, algum foco de debate que possa ser alimentado nas próximas semanas, mostrando que este projeto de lei do James não tem nada de “inocente”. Trata-se de mais uma ferramenta de coação. Se o projeto persistir e realmente virar uma lei, proponho, assim como alguns amigos já comentaram aqui na rede, que os espaços “autorizados” também sejam ocupados. Que na próxima istâmitixe o pessoal que, por ventura, não possa mais beber em praças pegue seu Velho Barreiro, seu Maracujá Joinville e ocupe a Via Gastronômica. Adoraria ver os universitários pé rapados (me incluo nesta), a galera da periferia, os andarilhos, moradores de rua, mendigos e a população como um todo participando desta festa “tradicional”. Enfim, qual vai ser James, vocês preferem a gente no meio da elite, é isso? Cuidado, a tentativa de vocês de nos segregarem pode se tornar um tiro no pé.
*Marcus Carvalheiro é jornalista (marcus.carvalheiro@gmail.com).
Texto enviado para o Coletivo Chuva Ácida.
Assinar:
Postagens (Atom)