sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O racismo é ambidestro



POR FELIPE CARDOSO

Na polarização entre direita e esquerda, impeachment ou golpe, azul ou vermelho, o racismo permanece intacto. Mesmo com tanto tempo de debates e acirramentos entre esses dois polos de pensamentos, raramente vimos episódios de inclusão e verdadeira preocupação para resolver os reais problemas dos negros e indígenas.

Se do lado direito não encontramos, na maioria das vezes, o reconhecimento da existência do racismo em nossa sociedade, do lado esquerdo, encontramos tal reconhecimento acompanhado do racismo velado, que torna-se perceptível apenas com análises de algumas posturas e ações daqueles e daquelas a quem costumamos chamar de camaradas.

Engana-se quem pensa que a luta antirracista esbarra somente na onda conservadora e reacionária da direita que insiste em produzir e martelar constantemente a ideia de “vitimismo”, “meritocracia” e “racismo reverso”.

Ela também fica presa ao discurso vazio e com a falta de prática real da esquerda para o combate efetivo ao racismo estrutural e institucional presente na nossa sociedade. Quando não é silenciada por aqueles militantes brancos que se apropriam do discurso de que o problema existente é o “de classe”. Como se não tivessem acesso a História mundial (que tanto cobram da direita) sobre a colonização e escravidão. Deixando de lado as nossas pautas, tornando-as secundárias, tornando invisível a nossa luta.

A luta antirracista esbarra também na visão de alguns militantes de esquerda que insistem em colocar celebridades negras, que detém algum poder aquisitivo, como vilãs ou como objeto do capitalismo, esquecendo-se realmente da cor predominante que controla o sistema. Parece que alguns militantes de esquerda sofrem ao ver um negro com poder aquisitivo ou exercendo alguma representação de poder, mesmo sentimento que muitos que têm o pensamento voltado aos ideais da direita transparecem. E isso é somente mais um reflexo do nosso passado escravagista que não permitiu a sociedade a se acostumar a ver o negro em posições de poder político, econômico e cultural.

Justamente por isso, os negros e negras ficam reféns da representação na mídia oligárquica que trabalha a estereotipagem negra sempre de maneira negativa, pejorativa, desde as novelas e jornais até a publicidade. E isso também se repete em alguns poucos veículos midiáticos e de imprensa progressistas e de esquerda existentes no país.

Um exemplo disso é a capa recente de uma edição do jornal Le Monde Diplomatique, em que mostra um negro, nu, desdentado e alienado com as novas medidas adotadas pelo atual governo de Michel Temer. A imagem pode ter várias leituras de sua representação, mas analisando de acordo com o nosso contexto e histórico é notório o racismo. A animalização do corpo negro, a representação do negro como um ser politicamente alienado, ignorante, alheio aos acontecimentos, pobre e desvalido do senso crítico e político. Tal representação fica descaradamente racista ao lembrarmos que os veículos de imprensa da esquerda, durante a onda de protestos contra a ex-presidente Dilma, destacaram a presença maciça de pessoas brancas e de classe média presentes em tais atos. Isso prova como é descabido e racista tal capa, induzindo a interpretação dos leitores do jornal a culparem os negros pobres do país pela guinada à direita.

Tal representação relembra os anúncios publicitários e imagens jornalísticas do período colonial e pós-escravista em que utilizavam os mesmos recursos para ridicularizar e culpar os negros pelo atraso do país.

Isso se deve ao fator histórico a que fomos condicionados. Desde a colonização dos países africanos por países europeus, o mundo conheceu, interpretou e enxergou o continente africano, seus habitantes e descendentes em diáspora sob a ótica eurocêntrica, ou seja, com a visão branca, europeia, colonizadora. Então, tanto os brancos de direita, quanto os de esquerda, construíram e constroem suas visões de acordo com essa visão racista, com esse olhar do colonizador.

Tudo isso gera na cabeça de nós, negros e negras, a falta de perspectivas e nos faz acreditar e aceitar o racismo como algo que está posto e que devemos aceitar, sobrevivendo com tais injustiças. Faz-nos crer que o racismo é um fator natural que sempre existiu e sempre existirá, tornando-nos impotentes, não sabendo para onde ir, em que caminho trilhar ou seguir.

E é aí que realmente mora o problema: a naturalização do racismo. Stuart Hall* (2016, p. 171) afirma que:

“A lógica por trás da naturalização é simples. Se as diferenças entre negros e brancos são “culturais”, então elas podem ser modificadas e alteradas. No entanto, se elas são “naturais” – como acreditavam os proprietários de escravos –, estão além da história, são fixas e permanentes. A “naturalização” é, portanto, uma estratégia representacional que visa fixar a “diferença” e, assim, ancorá-la para sempre. É uma tentativa de deter o inevitável deslizar do significado para assegurar o “fechamento” discursivo ou ideológico”.

E mais adiante, ao definir hegemonia, Hall (p. 193) diz que:

"A hegemonia é uma forma de poder baseada na liderança de um grupo em muitos campos de atividade de uma só vez, para que sua ascendência obrigue o consentimento generalizado e pareça natural e inevitável".

Isso nos faz refletir sobre a hegemonia branca, que está presente e na liderança de vários segmentos da sociedade (mídia, moda, política, economia), inclusive em organizações, entidades e movimentos de esquerda, que podem contribuir com a naturalização do racismo.

Então, cabe a nós, negros e negras, insistir e investir no entendimento do racismo como algo cultural e histórico, construído, estruturado e ramificado na sociedade. Pois somente assim conseguiremos alterar e modificar tal cultura. E fiquemos atentos e atentas, pois a tentativa de naturalização e fixação do racismo está tanto na esquerda, quanto na direita. E nós, nós continuamos negros.

*HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC Rio: Apicuri, 2016.

3 comentários:

  1. No lado direito entendemos que o racismo existe, mas confiamos que a evolução do cidadão seja suficiente para diminuir as disparidades étnicas e econômicas. Entenda-se como “mérito” simplesmente, já que, independentemente da cor da pele, o ser humano costuma nascer com um dorso que une quatro membros e uma cabeça contendo uma massa encefálica. “Meritocracia” é termo esquerdista politizado para a palavra mérito, tal qual inventaram “neoliberalismo” (que nada tem a ver com liberalismo) como eufemismo para “capitalismo de confrades” ou “capitalismo de estado” que é o receituário da própria esquerda e o responsável pela situação caótica que o país atravessa.

    A esquerda, da qual os movimentos negros fazem parte, com o seu racismo velado, aposta no acirramento entre classes, no vitimismo, na mentira e tenta, a todo custo, camuflar fatos históricos.

    Não vou me estender muito, mas antes que filosofar sobre a condição do negro no país, seria interessante pensar nos mais de 12 milhões de desempregados, boa parte formada por negros – existe violência maior do que perder o emprego, a renda e não ter perspectiva de retorno ao mercado de trabalho?

    Veja só uma situação real: conheço uma empresa em Joinville que está diminuindo em 50% o seu número de funcionários porque ela não tem capacidade de pagar integralmente os salários nos próximos meses. Com a reforma trabalhista (que poderia ter sido realizada, vejam só, pelo Partido dos TRABALHADORES quando no governo Lula II a única oposição para esse tema era da própria base parlamentar petista) a flexibilização de horas e salário seria bem-vinda e, ao invés de demitir um funcionário, a empresa, em momentos de crise como este, poderia mantê-lo o seu quadro. Mas para quem é funcionário público (até que enfim as reformas trabalhista e previdenciária vão atingir também essa classe!), pensionista ou sindicalista não entende a derrota que é a perda do seu “ganha pão” independentemente da cor do desempregado.

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  2. A visão do racismo no Brasil é meio exagerada,ou pelo menos nos últimos anos pois parece que a esquerda pinta a coisa mta maior do que ela é de fato.
    Sou pai de filhos mulatos, olha q estudam em escola particular e não vejo sofrerem qualquer problema pelo fato de sua cor de pele.Isso que moram numa cidade como Joinville que tem poucas pessoas negras na rua. Sendo meu filho mais velho um ótimo aluno, o melhor da sala , meu orgulho, rss. O outro é namorador e nunca teve problema com isso, tipo uma Maria Joaquina.
    Mas os negros tem problemas, sim fato decorrentes de uma situação histórica. Mas que não vai ser melhorada com a vitimização/ criação de cotas ou coisas do tipo é isso que fala grande parte da direita que discute esse assunto.
    Como dizia aquele velho deitado : Faça amor não faça guerra. Se tornar isso uma questão de classe , logo isso se tornar uma questão de luta, e guerra. Agora se deixarmos isso para o sexo se considerarmos o grande cio do brasileiro, umas 5 gerações essa discussão já não fara nenhum sentido visto a miseginaçao que já é grande e que se exentuara ainda mais. Ou seja, com nosso grau atual de miscigenação em 5 gerações dificilmente encontraremos brasileiro que não tenham afrodescendente. E então não fara mais sentido dizer quem é negro ou não no brasil, como quase já não faz.
    Acredito que temos que assumir que somos um povo mestiço, e sim acabar com nosso complexo de vira latas. Ai esta uma discussão interessante será que temos esse complexo ? Eu acredito que sim , interresante que a esquerda tem puxado pra sí esse conceito Rodriguiano e direita o acusado de um nacionalismo tacanha.

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