POR VALDETE DAUFEMBACK
De acordo com Hobsbawm, o papel do historiador é relembrar o
que os outros esquecem. Talvez seja em face desta responsabilidade que o
historiador tenha uma profunda empatia por folhas escritas que o tempo se
encarregou de lhes conferir o status de documentos, uma das fontes de pesquisa
para compor a narrativa histórica.
Particularmente, admiro quem consegue facilmente se desfazer
de papeis após a sua utilização primária, ou excluir informações antigas do
computador sem que o sensor interno ponha limites à capacidade de descarte.
No turbilhão das atividades
profissionais não tenho muito tempo para selecionar, guardar ou descartar
correspondências e informativos que chegam por via eletrônica, ou em suporte
físico (livros, revistas, textos, fotos, cadernos de anotações, cartões,
cartas, listas de nomes) que se acumulam durante o ano. Mas as férias têm
múltiplas serventias, não são apenas para repor as energias, como querem alguns
profissionais da linha utilitarista. Servem também para dar aquela atenção aos
cômodos da casa e ao computador, a fim de aliviar a bagagem acumulada.
Como estava decidida em passar a limpo uma parte da minha
história, revisitei gavetas que há muito tempo permaneciam guardiãs de
lembranças. Entre os inúmeros papeis como comprovante de pagamento de
mensalidades dos tempos da faculdade, holerites e notas fiscais, havia raridades
como fotos, cartões e cartinhas enviadas por alunos. Uma cartinha amarelada
pelo tempo me reportou a momentos significativos da minha profissão. Penso que
consegui fazer a diferença na vida de alguém que precisava de apoio. Dobradas e
coloridas, outras cartinhas se encontravam em envelopes. Eram de meninas,
ex-alunas, que sentiram a minha ausência quando saí da escola em que lecionava e
como pretextos escreviam cartas solicitando explicações sobre determinados
temas históricos. Por que guardei durante tanto tempo estes papeis? Não
encontro resposta racional. São coisas da alma. Ou será que é mania de
historiador?
Enfim, após uma semana selecionando materiais, o resultado
foi: voltem para os seus lugares, exceto alguns sem qualquer significado. Considero-me
pouco apta à arte do descarte, em qualquer sentido. Imaginem então, guardar
papeis com meu nome escrito e riscado com sangue, pimenta vermelha e regado à
cachaça, encontrados em despacho num cemitério do município. O desejo de quem
encomendou o despacho era de arruinar a minha carreira profissional. Cá estou,
décadas depois falando neste episódio porque reencontrei a prova material.
Oficio da profissão, um tanto quanto maquiavélico, ser amada por alguns e
odiada por outros, ao mesmo tempo.
Férias também sevem para resolver pendências burocráticas em
órgãos oficiais. Para complementar um processo de regularização fundiária
iniciado há meses, necessitava inserir novamente no sistema informações
anteriormente fornecidas com dados de outrem, à época, conseguidos por
telefone. Que alívio quando percebi que as papeletas com as anotações estavam
no envelope juntamente com o documento oficial. Pensei: “Mania de historiador,
guardar anotações”!
Isso, continue assim. Só poupe-nos de suas análises políticas/econômicas.
ResponderExcluirValdete não dá trela pra anônimo não. E toca a escrever mais.
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