quarta-feira, 1 de julho de 2015

“A gente aprende com as ocorrências...”

POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES



A catadora de lixo Estamira, personagem do filme documentário que leva o mesmo nome, em uma de suas reflexões, afirmou que a escola ensina a copiar e que o caminho para a aprendizagem passa pelas ocorrências.
Nas duas últimas semanas presenciamos um debate sobre racismo envolvendo um campo de poder ao estabelecer aí relações de forças institucionais e pessoais.


A ocorrência do fato, ou seja, a apropriação de uma personagem, a namoradeira, por uma educadora escolar, para fazer bonito em uma festa junina, desencadeou um debate que extrapolou as fronteiras da sociedade joinvillense, quando, em outros tempos não teria chegado ao grau de relevância que chegou. Importante mencionar que o fato ocorreu alguns dias após o município de Joinville ter aderido ao Sistema Nacional de Promoção Racial. 

A desconsideração pelas minorias étnicas faz parte de um pensamento tradicional que se naturalizou pelas condições históricas. Durante séculos os afrodescendentes ocuparam uma posição de inferioridade em todo país, mesmo nos lugares em que sua presença é maioria, isso porque o capital econômico contribui relevantemente na mensuração das esferas de poder. 


No entanto, a partir de movimentos sociais em favor da democracia e da representatividade popular no cenário político, a sociedade deu um passo significativo ao instituir na Constituição Federal de 1988, no Art. 5º, inciso XLII, que a prática do racismo constitui crime. Além do que a Carta Magna dispõe de mecanismos que dão suporte à criação de leis que coíbem o preconceito e discriminação às minorias étnicas, como, por exemplo, a Lei 9.459/97, que entre outras coisas, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.


Sequencialmente, o Estatuto da Igualdade Racial (Projeto Lei nº 3.198, de 2000) foi transformado em Lei nº 12.288, em 2010, visando o combate à discriminação racial e desigualdades raciais que atingem os afrodescendentes.  Sem falar que desde 2003, de acordo com a Lei nº 10.639, as escolas públicas e particulares da educação básica foram obrigadas a inserir em seus currículos conteúdos que contemplem a história e cultura afro-brasileira. 

Com isso, entende-se que não há razão para que educadores desconheçam o teor das leis acima mencionadas, uma vez que delas necessitam para se prepararem ao assumir o compromisso de educar. No caso da professora que se pintou para representar a personagem namoradeira, uma parcela da sociedade não considerou esta atitude como uma expressão de racismo por entender que as circunstâncias do ambiente festivo, a festa junina, justificam a “brincadeira”. Houve quem justificasse o episódio como um mal entendido, pois a professora teria ligações com a cultura do local de onde surgiu a personagem em questão. 


Desta ocorrência, seguindo a lucidez de Estamira, podemos tirar a lição de que em Joinville há um movimento importante que está atento às expressões que sinalizem racismo; que a sociedade tomou conhecimento da importância de se refletir sobre a naturalização e superação do racismo; que a educação escolar precisa estar atenta ao Estatuto de Igualdade Racial; que as instituições de ensino precisam qualificar seus profissionais se desejarem fazer a diferença na promoção da cultura da paz.


Na literatura, a namoradeira poderia ser tanto mulheres negras como brancas, as quais, na sociedade patriarcal ficavam debruçadas no parapeito da janela à espera de um moço para casar. Mas, com raras exceções, as negras é que ficaram popularmente eternizadas em esculturas e sob o estereótipo de vadia (desocupada, preguiçosa), ou fofoqueiras. Neste sentido, pesa aqui a razão de que lideranças do movimento negro ter se manifestado contrariamente à representação considerando um ato de racismo. Por que a professora pintou o rosto para parecer negra? Por que não incorporou a namoradeira branca?  Para reproduzir um ato de racismo naturalizado? Ah, para alegrar pais e alunos desmotivados, afinal, o folclore serve para justificar o injustificável. 

8 comentários:

  1. Agora, além das palavras, temos de pinçar ações que, para um seleto grupo de preconceituosos enrustidos, podem soar como racistas.

    (Interessante a sua leitura, não sabia que a “namoradeira” tinha o estereótipo de vadia)

    Eduardo, Jlle

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    1. Como você se refere a uma vizinha que fica na janela acompanhando a vida alheia (contexto da atualidade)? Pessoa muito ocupada ou desocupada?

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  2. Ao começar a ler o texto, aumentou a esperança que finalmente o blog publicaria uma resenha que se ateia aos fatos e discute a questão central, sem desvirtuar. E foi quase. Ao final, aparentemente cansou do bom senso, jogou umas perguntas retóricas e uma conclusão sarcástica e pífia, descreditando toda a dissertação. Uma pena.

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  3. Li e compreendi o texto exceto a parte entre aspas aí abaixo. Sério preciso de esclarecimento.

    "Por que a professora pintou o rosto para parecer negra? Por que não incorporou a namoradeira branca? Para reproduzir um ato de racismo naturalizado? Ah, para alegrar pais e alunos desmotivados, afinal, o folclore serve para justificar o injustificável. "

    Como assim o folclore serve pra justificar o injustificável? Não saquei a ideia.

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  4. Porque não é possível ter uma discussão mais inteligente sobre esse assunto?
    Acho, realmente, que É importante discutir o que aconteceu, mas na perspectiva dos DOIS LADOS. Particularmente, acredito que um país pode restituir o apoderamento às pessoas que sofreram e sofrem preconceito através da igualdade e de discussões inteligentes e racionais. Da forma como o assunto está sendo discutido, com muito sensacionalismo, frases de efeito e sentimentalismos (como muitos já comentaram nesse post e em outro sobre o assunto) não vai agregar valor para a luta contra o preconceito.
    Eu acho que é do direito de qualquer pessoa se vestir e se fantasiar da MANEIRA QUE QUISER. É o seu corpo, é a sua reputação, é o que ela deseja fazer? Então faça. O problema é se isso DE FATO provoque preconceito, se DE FATO a pessoa esteja fantasiada para INTENCIONALMENTE causar danos e preconceitos. E daí eu acho que as discussões estão muito extremistas. Considerar todo e qualquer ato que pareça preconceituoso sem refletir sobre tudo o que se encontra ao redor dele, sobre todo o contexto, é um problema.
    Existe uma grande diferença entre simplesmente apedrejar, julgar, culpar e acusar de racismo uma pessoa e uma instituição e entre promover um debate sobre o assunto. Um debate sobre os atos que mesmo que não tenham o cunho racista podem ofender, sobre a origem histórica do assunto, sobre os cuidados que CADA UM deve ter e que são necessários ter para construir uma sociedade mais igualitária.
    Cadê esse tipo de discussão? Uma discussão construtiva, edificante! Se busca-se acabar com o preconceito, lamento, mas esse tipo de texto acima não é o caminho. O caminho é oferecer educação sobre o assunto, é, antes que ocorra um escândalo, promover debates sobre a questão do preconceito no Brasil, é instruir as pessoas a tratar com igualdade umas às outras. Afinal de contas, o preconceito foi ensinado. E, se foi ensinado, esse aprendizado pode ser substituído por outro, que pregue o respeito e igualdade.
    A partir do momento em que se buscar isso, daí sim a discussão tem valor. Agora, apedrejar e não propor nada? Apedrejar e culpar, como se fosse uma falta de caráter, e não propor ações que evitem que essas situações aconteçam?

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  5. Penso que a professora não homenageou a namoradeira branca porque escolheu homenagear a namoradeira negra. Simples assim. Tão simples quanto afirmar que a gente aprende com as ocorrências...

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  6. Parece que não aprenderam com as ocorrências.... assentados estão na posição de julgamento sem admitir que exageraram.... pior do que a imagem que parece ter "ferido" a minoria é a arrogância de quem, com suas palavras insiste em humilhar as pessoas.... não aprenderam nada!!!!! Outra coisa: pela primeira vez na minha vida vi alguém atribuir a namoradeira uma imagem de "vadia", nunca tinha olhado para elas dessa forma... com isso hoje olho para o movimento sem a menor credibilidade e não me sinto representada por Ele. Lamentável!!!!

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