quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Prefeitura tem que investir na inteligência


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Vou começar o texto com um comentário sobre a passagem do prefeito Carlito Merss pela Europa. Mas como não é o tema que pretendo discutir hoje, resumo tudo em um único parágrafo. Porque a viagem - que corre o risco de ser uma perda de tempo - desperta duas reações: uma negativa e outra positiva.

A negativa é bastante óbvia. É impossível, num tempo tão curto, ter respostas confiáveis para qualquer questão, mesmo que seja o simples aluguel de bicicletas. O ponto positivo é que ninguém pode acusar o prefeito de ter ido fazer turismo. Porque só um turista muito fora da casinha topava fazer um roteiro desses. É uma daquelas viagens que, depois da volta, o cara olha para as fotos e nem sabe onde esteve. Aliás, sob esse aspecto Carlito fica a perder feio para um antecessor, que arranjava tempo para passeios pelos Champs Elisées.

Mas vamos à proposta do texto. Por tudo o que foi dito, ficou clara a ideia de que o prefeito e a sua comitiva foram fazer um benchmarking* (ou vários) no Velho Mundo. Ora, digam o que disserem, é sempre um fato positivo. E não importa quem esteja no poder. Aliás, a ideia pode parecer meio maluca, mas o benchmarking é uma coisa tão importante para os municípios como Joinville que deveria ter estatuto de secretaria.

Oooops! Sim, uma Secretaria do Benchmarking. Seria uma organização com gente especializada em identificar as melhores soluções por esse mundão afora. Afinal, todo administrador tem que estar antenado nas alternativas mais modernas, criativas e eficientes. E hoje em dia, com tantos recursos do mundo digital, as pessoas poderiam estar em Joinville a pesquisar.

Com esse trabalho, toda vez que um prefeito fosse viajar (mesmo que no futuro venha a ser aquele deputado deslumbrado com a estranja), já estaria munido com informações mais abalizadas sobre os temas a analisar. Viajar é preciso. Mas sem o oba-oba oportunista a que os políticos brasileiros se habituaram. Viagens de benchmarking devem ser coisas profissionais, sem politiquices. Não por acaso o termo benchmarking vem do universo empresarial.

Ah... tem gente que vai dizer que seria mais uma teta para essa gente viajar. E há mesmo razões para ficar com um aviãozinho atrás da orelha. Porque a história é pródiga em maus exemplos. Os leitores e leitoras mais atentos sabem de administradores que levaram, em suas viagens para o exterior (como elementos da área de “comunicação”), pessoas que não falavam o inglês, o francês e ainda trucidavam o português.

Mas isso não altera a bonomia da ideia do benchmarking. Porque com uma equipe de especialistas nessa área, o prefeito só iria viajar munido de dossiers sobre todos os temas a avaliar no exterior. E não só o prefeito. Porque seria uma forma de dar ferramentas e dados essenciais para outros responsáveis da administração municipal.

É inconcebível, por exemplo, que o turismo seja administrado por pessoas sem mundo. Que as instituições do meio ambiente não estejam sintonizadas nos projetos mais inovadores no planeta. Que a área de cultura tenha a decidir gente que nunca entrou num museu a sério. Ou que os senhores do planejamento urbano não conheçam, com pormenor, os projetos de sucesso em termos de mobilidade urbana.

O benchmarking permite reunir informação. Mas o essencial é saber gerir essa informação. O que exige talento, criatividade e cultura de mundo. O que, infelizmente, não ocorre com o poder público. Em primeiro lugar, porque os postos chave são sempre ocupados pelos amigalhaços e, também, porque não há dinheiro para contratar profissionais de alto nível.

Se Joinville quer entrar de vez no caminho da modernidade, o poder público precisa investir mais na inteligência, no expertise. Porque o capital intelectual é o maior patrimônio que qualquer prefeitura pode ter. Afinal, a informação é a melhor ferramenta de trabalho para quem planeja as cidades.

Think global. Act local.


* Benchmarking - Processo contínuo e sistemático que permite a comparação das performances das organizações e respectivas funções ou processos face ao que é considerado "o melhor nível", visando não apenas a equiparação dos níveis de performance, mas também a sua ultrapassagem"
DG III – Indústria da Comissão Europeia, 1996

6 comentários:

  1. Na real, esse é o papel do verdadeiro administrador, o cara que busca novidades, que está antenado nas mudanças e que define os rumos da organização/cidade. O problema é arranjar gente competente o suficiente para fiscalizar, algo que depende de pessoas capacitadas e sérias. Coisa difícil de achar hoje em dia.

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  2. Quem foi que disse que o Poder Público não investe em inteligência? Ora essa, tem muita gente que está lá simplesmente por causa do elevado "QI"!

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  3. Belo texto, mas os leitores e leitoras mais atentos (nem precisa de tanta atenção assim) também sabem que existem alguns “escritores” que são igualmente deslumbrados com a “estranja” (SIC). Sobretudo o Autor.

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  4. Apenas para esclarecer ao Anônimo (imagino que ele já tenha feito o mesmo comentário no meu texto da semana passada): eu sou cidadão europeu nascido em Portugal e a viver em Portugal. Aliás, todos os anos passo 11 meses em solo europeu e um mês no Brasil (em Joinville, cidade à qual continuo ligado pessoal e profissionalmente). Ah... e os meus deslumbramentos não são geográficos. O que me deslumbra é a inteligência, valor que prescinde de latitudes. Aliás, inteligência é uma qualidade que, lamentavelmente, torna-se cada vez mais escassa em alguns interlocutores.

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  5. Irretocável a sua colocação. Belíssima! Espero que consigas colocar em prática algum dia.

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  6. Pressupõe-se que para trabalhar nesta área (assim como toda a gestão de uma cidade) tenhamos a necessidade de algumas pessoas com mais de 10 neurônios saudáveis funcionando. Claro que o ideal seria ter toda uma equipe de governo trabalhando com seus bilhões de neurônios na ativa. Mas como disse um comentarista deste blog, temos que nos contentar com aquilo que a natureza e as circunstancias nos oferecem, a busca pelo ideal pode nos levar a caminhos distantes e que não interessam no momento.

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