quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O prefeito indeciso

POR FELIPE SILVEIRA

Eu não me incomodo com o fato de Udo Döhler investir na Arena (na verdade, me incomodo, mas entendo isso dentro de um contexto de administração municipal). O que me incomoda é o oportunismo do prefeito. Assim que o JEC subiu para a série A, ele disse que não iria investir dinheiro do município na reforma e ampliação.


Só que uma semana depois mudou de ideia e já anunciou o investimento.



O prefeito não dá ponto sem nó. Assim agrada a todos. Ganhou elogios pelo discurso anterior, agradando aqueles que cobram dinheiro para saúde e educação, e agora, com a obra, agrada aqueles que a desejam. Segundo o prefeito, a contrapartida municipal é necessária. Ele não sabia disso antes?

Sobre as contradições do prefeito, eu ainda não consigo deixar de lembrar de Udo Döhler na reta final da campanha, pisando no barro, com um discurso completamente voltado à periferia. É claro, eram os votos que ele não tinha. Vocês lembram?

Hoje Udo presta contas na Acij... 


Ferguson

Talvez tenha muita gente aqui na província que não sabe, mas em Ferguson, uma cidade do estado americano Missouri, a questão racial/policial está pegando fogo. A cotidiana repressão policial à comunidade negra desencadeou uma revolta popular após o assassinato do adolescente Mike Brown.

Ontem, 25 de novembro, o policial que efetuou o disparo – e cometeu o assassinato –, Darren Wilson, se livrou da acusação, o que fez os protestos voltarem com toda a força nas ruas de Ferguson e em várias cidades dos EUA. Milhares de pessoas se reuniram em Nova Iorque para protestar, por exemplo.

Dias antes, em Cleveland, um policial matou um menino de 12 anos que brincava com uma arma de brinquedo em um parque. O autor da denúncia afirmou que não sabia se a arma era de verdade, mas sugeriu que a polícia fosse conferir. A polícia chegou atirando. A vítima, Tamir Rice, era negro.

Enquanto isso, no Brasil, o Estado segue a matar jovens negros e pobres nas periferias, sem medo de punição. E em Joinville também.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A Arena precisa mesmo ser ampliada?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A fantástica campanha do JEC na série B do Campeonato Brasileiro de 2014 - conquistou o acesso e briga atualmente pelo título - gerou uma comoção da classe política local em torno da necessidade de ampliação da Arena Joinville, que hoje abriga pouco mais de 22 mil lugares (mas a Polícia Militar só libera 18 mil). Nosso objetivo consiste em analisar o fato distante da paixão clubística e mostrar se realmente precisamos de tal obra.

Antes de continuarmos, precisamos lembrar que a Arena Joinville consistia em um projeto para mais de 30 mil pessoas quando foi anunciado pelo ex-prefeito Marco Tebaldi (PSDB). Visando inaugurar a obra antes das eleições para Prefeito de 2004, a obra foi dividida em "etapas" e o estádio foi inaugurado às pressas faltando duas semanas para o primeiro turno das eleições daquele ano. Após promessas de estarem entregando um "estádio digno de Copa do Mundo", a realidade é bem diferente: infiltrações, problemas estruturais, adaptações bizarras para ampliação do primeiro anel (a torre de iluminação passa pelo meio da estrutura) e sérios problemas para ampliação conforme o projeto original devido à má execução das obras originais. Ou seja, estava evidente que era um projeto eleitoral.

Com o JEC em baixa (foi rebaixado para a Série C no ano que a Arena foi inaugurada) e as seguidas decepções nos anos 2000, a discussão em torno da ampliação do estádio foi esquecida. Com o título da Série C em 2011, e o acesso para a série A conquistado neste ano, o assunto voltou com força total.

A rápida busca por alguns números mostram uma realidade bem diferente. Vejamos.

Em 2005, primeira partida importante disputada pós-rebaixamento, o JEC levou para o mata-mata contra o Novo Hamburgo (RS) mais de 14 mil pessoas. Na final do Estadual de 2006 pouco mais de 13 mil pessoas para o jogo contra o Figueirense. Na final da Série C de 2011, o recorde: pouco mais de 19 mil pessoas contra o CRB-AL e média de mais de 11 mil pessoas por jogo. Na final do Campeonato Catarinense deste ano, contra o Figueirense, pouco mais de 17 mil pessoas. Em termos gerais, a capacidade total do estádio só foi atingida em jogos importantes ou em finais.

Os campeonatos brasileiros da série B dos anos de 2012, 2013 e 2014 mostram a manutenção do público fiel na Arena, mas sem grandiosas taxas de ocupação do estádio. Em 2012, 9.397 torcedores de média. Em 2013, 8.334. O ano do acesso para a série A gerou uma média de 9.684 torcedores. Se considerarmos a capacidade de 18 mil estipulada pela Polícia Militar, temos uma taxa de ocupação da Arena em torno de 54% (ou 46% de ociosidade) em 2014. Mesmo com grandes sobras na Arena, o JEC é o lider na ocupação do estádio na série B 2014.

A grande ocupação da Arena Joinville só fica evidente quando o time alcança jogos decisivos. Em partidas de menor expressão, o estádio fica com grandes espaços ociosos. Mesmo com a Série A e jogos contra grandes clubes brasileiros, a tendência é a manutenção destas médias históricas do Joinville. O exemplo de outros clubes catarinenses como Chapecoense, Figueirense e Criciúma comprovam que a média de público das grandes campanhas de série B se mantêm na série A, onde as campanhas costumam não ser tão esplêndidas devido à enorme desigualdade entre os clubes do eixo RJ-SP-MG e os demais.

Com esta pequena contribuição, queremos alertar para a real necessidade do JEC. Talvez seja muito melhor a urgente reforma do estádio com a atual capacidade (mesmo que reduza com a colocação de cadeiras) do que uma enorme estrutura que o clube não terá condições de sustentar, pois as médias de público não atingem a lotação máxima. Sem contar que um estádio com 18 mil pessoas lotado faz muito mais pressão que um estádio com 18 mil pessoas dispersas. A cegueira causada pelos grandes jogos não pode influenciar as decisões dos gestores, do clube e da torcida, tornando o estádio, de novo, um outro projeto eleitoral.

PS: lamentamos profundamente os milhões de reais investidos para a construção de um estádio público que, após 10 anos de funcionamento, parece ter 20 anos e sérios problemas de infraestrutura. Lamentamos, também, o tratamento diferenciado da classe política local para as questões futebolísticas da cidade, visto que recentemente a gestão Udo perdeu milhões de reais em políticas culturais e não houve a mesma comoção para recuperá-los.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Os Bichero


A LOT e as Audiências Públicas

POR JORDI CASTAN (*)

Quando o poder público, no governo Carlito, quis aprovar a LOT a toque de caixa, para atender interesses especulativos concretos, um pequeno grupo de cidadãos representantes de associações de moradores se articulou para evitar que a LOT fosse aprovada pela Câmara de Vereadores, sem um amplo debate com a sociedade e sem cumprir todos os passos que a lei exige.

O poder público não reconheceu a sequência de erros que cometeu e, com a arrogância que o caracterizou, optou por atacar os cidadãos que, não tendo outra alternativa, buscaram, na Justiça, fazer valer os seus direitos. Tanto o prefeito anterior como o atual, como a maioria dos membros da sua equipe, continuaram utilizando a prática de tentar nos desqualificar e denegrir, tanto em privado como publicamente.

O resultado concreto é que o texto da LOT, que já estava pronto para ser votado e aprovado, sem debates, sem audiências públicas e sem a participação efetiva da sociedade, não foi votado e voltou para avaliação de um novo Conselho da Cidade. Curioso. Um texto que aos olhos do governo e da turma do tijolo estava perfeito e pronto para ser aprovado passou mais de um ano sendo novamente debatido no Conselho da Cidade. A pergunta é obvia; se estava perfeito, por que precisou ser novamente discutido, mudado e novas plantas e mapas foram acrescentadas ou áreas foram retiradas? 

É evidente que aquele texto estava longe do ideal e tinha mais erros que acertos. Tampouco o texto atual é o ideal. Apresenta avanços e retrocessos, entre os avanços a retirada das ARTs, entre os retrocessos o aumento das ruas que serão FaixasViárias, a criação de um setor industrial em volta de UFSC e a retirada das áreas verdes do texto da LOT. Muitos dos erros ou das omissões podem até ser involuntários, mas na maioria são intencionais e têm como objetivo atender interesses certos e precisos. Há muito para melhorar e, neste ponto, a participação da sociedade é determinante.

Durante o tempo em que o Conselho da Cidade analisou o novo texto, o grupo que se opôs à aprovação expedita de uma LOT incompleta e repleta de erros promoveu três consultas públicas, que reuniram mais de 350 pessoas, numa amostra de democratização do debate, de transparência, de organização e mobilização cidadã. Todas as Consultas Públicas foram gravadas, registradas e cópias dos resultados foram entregues ao MPSC. Também foram mostradas em algumas das audiências públicas realizadas, até agora, e serão também mostradas nas próximas. Perde credibilidade o discurso oficial que essa é a turma do CONTRA. Até porque esta é a turma do A FAVOR: a favor de uma cidade democrática, mais verde, sustentável, com foco no cidadão e com maior qualidade de vida.

Nas Consultas Públicas, mais de 90% dos presentes, em alguns casos mais de 95% , se manifestaram contra as Faixas Viárias, contra a ocupação das áreas de morro e a favor de uma maior participação da sociedade, de mais transparência e de informações precisas sobre o impacto da LOT em cada bairro e em cada rua, com estudos técnicos, mapas e todas as informações que permitam a sociedade opinar, contribuir e participar.

Hoje mais pessoas e mais associações se somam à causa e exigem um debate democrático e participativo. O poder público continua omisso. Segue sem escutar e só faz de conta que ouve a sociedade. Há semelhanças entre a gestão anterior e atual as duas mais constantes são:
A insistência do poder público em aprovar a qualquer custo uma LOT espúria e perniciosa para Joinville, cerceando o direito da sociedade de participar e contribuir e a incompetência do IPPUJ para conduzir um processo que é muito maior que sua capacidade e a dos técnicos envolvidos no processo. 

O tema está longe de concluir. Os prazos anunciados pelo IPPUJ para conclusão do processo estão novamente sendo descumpridos. Em parte por excesso de otimismo, em parte por insistência em não cumprir todos e cada um dos passos que a lei exige e que a Justiça recomendou, em parte pela teimosia arrogante de quem insiste em aprovar o texto da LOT sem apresentar os estudos técnicos necessários que embasem o documento e sem a participação efetiva da sociedade, que na maioria dos casos não conhece e não tem elementos para avaliar o impacto que a nova LOT terá no seu quotidiano, no do seu bairro e da sua cidade. É bom lembrar que o Judiciário, ao ser provocado, novamente deixou claro que se o IPPUJ não comprovar a divulgação dos memoriais e impactos em relação a 185 faixas viárias em 5 dias as audiências públicas não irão valer e os cidadãos que participaram das 4 audiências terão feito papel de palhaço diante de tamanha desorganização do IPPUJ,  cujo maior exemplo e o cancelamento da audiência na região centro por falta de espaço


(*) O autor do texto é membro do coletivo “Organização das Consultas Públicas”, Presidente da Associação de Moradores do Bairro América e defende uma cidade democrática e sustentável. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A visita da velha senhora

POR CLÓVIS GRUNER

Em novembro de 1831, logo após a renúncia do imperador Pedro I, o senado brasileiro votou e aprovou lei que proibia o tráfico negreiro no Brasil. Ela determinava principalmente duas coisas: que a partir daquela data todos os negros que entrassem no país, trazidos da África para serem vendidos como escravos seriam livres. Além disso, estabelecia ainda penas severas para quem participasse do contrabando. Seu efeito foi tão ridiculamente inócuo, que em setembro de 1850 foi promulgada a Lei Eusébio de Queirós, que legislava sobre basicamente a mesma coisa.

No espaço de quase duas décadas entre ambas, o tráfico vicejou: há vários estudos a mostrar que o número de negros ingressos ilegalmente no Brasil nos anos posteriores à primeira legislação, aumentou sensivelmente – estima-se que algo em torno de 700 mil. Não é demais dizer o óbvio: os agentes do mercado negreiro só continuaram a operar impunemente durante anos, porque contavam com a frouxidão da lei, ou seja, com a conivência do Estado, que deliberadamente tolerou práticas que o próprio Estado apontava como ilegais e, portanto, criminosas. Não se sabe exatamente qual a extensão, mas é certo que os lucros foram amplos e gerais, embora certamente não irrestritos.

Recorro a este episódio para dizer o que também deveria ser óbvio, mas não é: diferente do que se lê naqueles depoimentos eivados de uma indignação muitíssimo seletiva, a corrupção é um mal que atravessa nossa história. E não apenas a mais recente: não faltam estudos a mostrar que o trato suspeito com a coisa pública remonta ao período colonial. Por caminhos interpretativos distintos, dois de nossos maiores historiadores, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, ofereceram sobre o tema conclusões bastante próximas. A corrupção, afirmaram, é uma das heranças de nossa colonização ibérica, fruto de uma relação patrimonialista entre Estado e sociedade ou, nos termos de Sérgio Buarque, de nossa incapacidade de separarmos as esferas e os interesses públicos e privados, tendendo a tratar os primeiros como extensão dos segundos.

UMA HERANÇA COM MUITOS HERDEIROS – Histórica, a corrupção contaminou Império e República, desde a Primeira, e não poupou os 20 anos de ditadura, apesar da pataquada sobre o tal fusquinha que um dos marechais mandou o irmão devolver. Para os corruptos, aliás, aqueles foram anos de bonança: com os meios de comunicação silenciados pela conivência ou censura, pode-se prender, torturar, matar e fazer desaparecer sem contestação. E superfaturar ou desviar verbas milionárias em obras como a ponte Rio–Niterói, que custou 11 vezes o orçamento original, e a Rodovia Transamazônica, construídas pelos empreiteiros e empreiteiras que frequentam agora as páginas policiais. Em uma das edições de 1981, a revista “Times” informava que empresas europeias deram, às autoridades brasileiras, 140 milhões de dólares em propinas e suborno para garantirem sua participação nas obras da usina de Itaipu. A confortar corruptos de todas as espécies e em todas as épocas, a certeza da impunidade.

No dia seguinte ao segundo turno, meu colega de blog, Jordi Castan, publicou um texto fazendo um balanço, entre analítico e apaixonado, da reeleição de Dilma. Sem esconder sua decepção, ele dizia em uma passagem: “Os próximos capítulos desta história estão ainda por ser escritos. Fala-se de impeachment, e já houve no Brasil presidente “impichado” por muito menos”. E concluía: “Mas aqueles eram outros tempos. Hoje o nível de tolerância – ou deveríamos dizer de conivência do eleitor com a corrupção, a roubalheira e a falta de ética – é muito menos estrito.”

Ele estava a ser irônico, suponho. O ex-presidente e hoje senador Fernando Collor não foi “impichado” por ser corrupto (e ele era), mas porque já havia exercido o papel que lhe cabia naquele contexto, impedir a eleição de Lula, e por isso podia ser dispensado. Os milhares que pediram o impeachment, eu entre eles, deram um lastro de legitimidade social a uma movimentação política cujo roteiro seria o mesmo sem ou apesar das ruas, mas que certamente foi bem melhor ter sido escrito com elas. O mais importante, no entanto: se o nível de conivência ou tolerância com a corrupção hoje é outro, e eu acredito que sim, não é porque somos mais, mas certamente porque somos menos tolerantes e coniventes com ela.

CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA – Neste sentido, o “evento Petrobras” é emblemático. Primeiro porque, diferente do chamado Mensalão, não será possível tecer sobre ele uma narrativa monofônica já que as tentativas esbarram em evidências históricas que as contradizem: em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um Prêmio Esso por denunciar os esquemas de corrupção na empresa. Em 1997, Paulo Francis fez o mesmo no Manhattan Connection. Nada foi investigado por nenhum dos governos da época. Responsáveis pela Operação Lava Jato afirmam que o esquema só agora desbaratado funcionava há pelo menos 15 anos; e as informações criminosamente vazadas para servir a interesses eleitorais durante a campanha, começam a respingar fora do governo: entre outras coisas, à medida que as investigações avançam, surgem dados comprometedores sobre as relações algo promíscuas entre empreiteiras e políticos da oposição.

Tudo isso é lamentável? Certamente sim. Por outro lado, também é parte e resultado de nosso amadurecimento democrático, e é fundamental não perdermos isso de vista. Não, não estamos mais tolerantes com a corrupção; nem tampouco vivemos hoje um estado de coisas inédito nem pior do que há anos ou mesmo décadas atrás. Pode parecer contraditório, mas a crise que atravessamos talvez nos traga, ao final, benefícios: é possível – mas não é certo – que saíamos dela melhores, mais críticos e exigentes, menos e não mais coniventes com a corrupção. É possível – mas não é certo – que ao final da crise sejamos uma sociedade mais madura e mais democrática.

Mas a condição para que isso ocorra é, justamente, reconhecer a importância da trajetória construída ao longo das últimas três décadas, desde o fim da ditadura. Renunciar a este percurso é retroceder ao autoritarismo, este sim, conivente com a corrupção, disposto a premiar corruptos com a impunidade, quando não com vantajosas promoções hierárquicas. Mas a democracia é imperfeita e precária, retrucarão alguns. E não podia ser diferente: é da natureza das democracias que elas sejam precárias, porque esta é a condição para evitarmos sua estagnação e a fazermos avançar, para melhorá-la e aprofundá-la. Indignar-se com a corrupção e exigir um Estado e governos honestos, reivindicar uma política ética e que respeite a coisa pública: tudo isso é necessário e fundamental. Mas isso só se faz nos limites da democracia. E sempre para ampliá-los.  

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Sobre consciência

POR CAROLINA PETERS

Quando eu cursava a pré-escola em uma escola pedagogicamente progressista em Joinville - das poucas, talvez a única naquela época - montamos uma peça sobre a escravatura. A professora montou. Nós encenamos.

Tínhamos por volta dos cinco ou seis anos. Lembro que houve sorteio para os papéis mais disputados: a saber, duas crianças para simular apanhar no tronco. Em uma peça sem falas, eram o papel que permitia maior expressão. A mãe de um amigo, dona de uma farmácia de manipulação, forneceu tinta hipoalergênica para que nos tornássemos todos pretos por uma noite. Quase todos. 

Não houve concorrência para interpretar o casal de sinhôs, mas lembro da insistência dos pretendentes ao cargo. Apesar da pouca idade e discernimento, esse episódio me marcou porque foi uma pessoa muito próxima a mais insistente. Me entristeceu. 

De forma geral a turma se empolgou com a perspectiva de representar numa pele de outro. Não havia nenhuma criança negra em nossa turma, de cerca de 20 alunos. Pareceu para alguém - para as coordenadoras pedagógicas, professoras, possivelmente para os pais - uma ótima ideia. Hoje a cena me parece simplesmente absurda e as fotos em alguma medida me constrangem.

Será que ao invés da cenografia e caracterização, não seria interessante uma experiência, um contato com a história de privação de liberdade a que submetemos humanos como nós, em que fossemos nós mesmos, e não um outro, tão distante? A escravidão parece um evento distante na linha do tempo pra quem chegou à liberdade 300 anos antes. Mas pra quem viveu, foi só outro dia.

Eu concordo com o raciocínio de Chico Buarque acerca da população brasileira altamente miscigenada, mas discordo de sua conclusão. O racismo independe da genética. É construído histórica e socialmente. O segurança do shopping e a polícia sabem bem distinguir quem é branco e quem se enquadra na "cor: padrão" do procedimento policial de reconhecimento de suspeitos.

Por que cotas? Por que feriado? Por que ações afirmativas estão muito longe do racismo?

A "consciência branca" não é necessariamente um movimento fascista organizado. É a tranquilidade que alguns de nós, por termos nascido com determinado fenótipo, temos de que podemos chegar em quase qualquer lugar que quisermos. De que, apesar da reserva de vagas, nosso acesso aos melhores cursos das melhores universidades; e posteriormente aos melhores postos de trabalho, é provável. É termos sido crianças de seis anos que, apesar de representar escravos, nunca podaram seus sonhos de "quando crescer", ainda que a vida tenha sido bem diferente das aspirações.

Consciência negra, porque a vida de um jovem negro vale tanto quanto a minha. Porque uma mulher negra ganha em média 40% do que ganha um homem branco no desempenho da mesma função, segundo estudo do IBGE. Porque uma criança negra também pode sonhar ser o que quiser.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Uma nota sobre direita e esquerda

POR FELIPE SILVEIRA 

Nas timelines da vida, debatia eu sobre direita e esquerda. Um dos colegas argumentava que as definições variavam de acordo com o campo – econômico, cultural, político ou outro. Por exemplo, alguém poderia ser de esquerda nos costumes e de direita na economia.

Por outro lado, eu dizia que era necessário buscar um denominador comum, justamente porque as definições eram variáveis. Assim, torna-se preciso buscar um determinante mais fixo, para o qual eu proponho: se a pessoa é contra a exploração do homem pelo homem, ela é de esquerda. Se ela topa a exploração do homem pelo homem, ela é de direita.

Ao passo que o colega aponta: Ok, mas ninguém vai assumir que é a favor.

De fato, não assumem tão facilmente. Não de propósito. No próprio post da discussão um dos liberais presentes falou: “Não é a exploração. É troca!”

Meu argumento, então, é que não precisamos que eles assumam. Os trabalhadores e explorados de modo geral é que precisam saber. E aí entram uma série de reflexões sobre essa consciência.

Atravessados pela ideologia, nós trabalhadores temos a sensação de sermos explorados ou apenas realizamos uma justa troca da nossa força de trabalho com o patrão? Tenho a sensação de que a maioria de nós acha que a troca é justa.

Ao mesmo tempo, não vê a hora de o expediente acabar, fica contando os dias pro fim de semana, fica implorando para chegar o fim do mês para ter dinheiro para pagar as contas, implora pela chegada das férias (que acaba vendendo pra entrar um extra). Ao mesmo tempo que se entope de remédio pra ansiedade e depressão (não estou diminuindo a grave doença que é a depressão), que busca na cachaça um remédio pra angústia, que busca no consumo um pequeno prazer, aumentando as dívidas.

Os trabalhadores sentem no lombo a opressão do capital. Alguém nega? O que você tem para vender além da sua força de trabalho?

Enquanto isso o patrão segue engordando as contas, comprando jatinho, helicóptero, cocaína, ferrari, mansão, diamantes (que um monte de gente morre pra tirar da terra)...

Mas, claro, para a direita não passa de uma troca.

E você, o que acha? Troca ou exploração?
E qual é a sua definição para os conceitos de esquerda e direita?

P.S.: Não abordei a questão da exploração animal, que é importantíssima. Mas é um debate que pode ser feito.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O racismo inverso existe e precisa ser combatido

POR FELIPE CARDOSO 

Mais uma vez falando sobre racismo, mas dessa vez é um racismo que vem acontecendo com muita frequência, inclusive sou alertado sobre esse perigoso fato quase que diariamente por amigos que conhecem a minha militância. Sim meus caros, falarei sobre o RACISMO INVERSO, essa discriminação dos negros contra os brancos, esse racismo perverso que sempre existiu e que vem crescendo ultimamente, não só no nosso país, mas em todo o mundo.

Para começo de conversa, devemos esclarecer: preconceito é aquela ideia de algo ou alguém que temos (em nossa mente e em nossos corações) sem ao menos conhecer o algo ou o alguém. Discriminação é o ato de expor, colocar para fora, divulgar todo essa nossa ideia (pré-conceito), com doses absurdas de ódio e ignorância, que nos fazem elaborar discursos com fundamentos rasos, mas cheio de ofensas a algo ou a alguém. Já o racismo, bom, o racismo é algo que precisamos recorrer à história para podermos explicar, mas devo informar que, segundo os meus amigos, só existe o racismo de negros contra brancos.

Pois é, vamos voltar um pouco no tempo e ver como tudo isso começou para, assim, conseguirmos analisar com calma as consequências desse passado trágico que insiste em nos prejudicar atualmente. Espero que não se assustem com essa história de opressão vivida pelo povo caucasiano:

“Foram os povos do continente Africano que se lançaram em uma jornada imperialista em busca de novas terras e mais poder. A primeira parada foi no continente Europeu. Sim, imaginem só. Ao se depararem com uma cultura totalmente diferente, os africanos se reuniram e arrumaram um jeito de fazer com que o povo europeu acreditasse que eram uma raça inferior, que eram amaldiçoados, que não tinham alma e que precisariam trabalhar muito para se redimirem, mas mesmo 'dando duro', ainda não conseguiriam se livrar da maldição.

Depois de convencerem os europeus, os africanos roubaram suas terras, seus recursos naturais, escravizaram seu povo, separaram suas famílias, lucraram com o trabalho escravo e não lhes pagaram um vintém.

Durante séculos utilizaram suas terras, exportaram sua mão de obra para outros continentes também conquistados por líderes africanos. Forçaram os europeus a saírem de suas terras e viajarem, durante dias, dentro de um compartimento de navio sem ventilação, dividindo espaço com ratos e outros escravos mortos, que não sobreviveram à tamanha perversidade.

Estupraram as mulheres e as obrigaram a trabalhar grávidas. Mataram, escravizaram e venderam seus filhos. Imaginem só, que povo sem coração. E que tal deixá-los sem direito a saúde e educação por mais de cinco séculos? Deixar toda a população europeia desnorteada, forçando-os, futuramente, a abandonarem suas terras em busca de uma vida melhor no continente Africano, já pensou?

Pois bem, resumindo um pouco essa terrível história e trazendo para os dias de hoje, podemos perceber que a opressão continua mesmo após o fim da escravidão. A maioria dos caucasianos vive nas periferias das cidades. Frequentam escolas públicas (quando frequentam). Jovens brancos são mortos diariamente pela polícia. Pessoas brancas são vigiadas e seguidas por seguranças ao entrarem em estabelecimentos. Não vemos políticos brancos. Na televisão, nas propagandas, na moda, não há nenhuma representatividade branca, ganham destaque somente através dos esportes, mas, mesmo assim, ainda sofrem preconceito. Mas são defendidos por alguns negros que lançam campanhas do tipo #somostodosursopolar.

E se ainda não bastasse, os brancos tem que aturar os humoristas negros que usam e abusam dos estereótipos para caçoar deles. “Eles não sabem dançar”, diz Babalu Gentiki. “Eles ficam vermelhos quando estão envergonhados”, afirma, aos risos, o comediante Ko Joases.

Ah, e o padrão de beleza? Já ia me esquecendo dele. Durante anos os negros humilharam e riram dos brancos, o que fez com que eles passassem a odiar sua fisionomia, seus traços, sua cor. Na ditadura da beleza as mulheres brancas encrespam seus cabelos, alargam seus narizes e usam várias técnicas para deixar seus lábios com uma aparência mais avantajada. Já os homens usam os cabelos raspados, pois desistiram de tentar cacheá-los.

Mas existe um grupo de caucasianos que diz lutar por justiça, mas na verdade só querem garantir privilégios a esse povo que não gosta de trabalhar. Eles pedem por cotas raciais nas universidades, por mais representatividade, igualdade e respeito. Algo relacionado a Ações Afirmativas, Estatuto da Igualdade… Mas ninguém liga para eles.”

Sabemos que isso de fato aconteceu e ainda acontece, só que os personagens estão invertidos. Se isso realmente tivesse acontecido com os caucasianos, poderíamos acreditar que o RACISMO INVERSO realmente existe. Mas sinto desapontá-los e dizer que o título é uma falácia. Existe no Brasil uma tentativa de transformar o oprimido em opressor constantemente.

Para encerrar e evitar alguma confusão na interpretação do texto utilizo a citação da Fran Vasconcelos que acredito ter uma função muito importante para o entendimento do que é racismo e como ele se insere na sociedade:

“O racismo é um sistema de sentidos material e histórico, não é subjetivo. É um modo de organização social em que uma ‘raça’ se sobrepõe a outra, se afirma como paradigma, se naturaliza como regra e oprime as demais. O racismo não é algo subjetivo, individual, que se manifesta entre pessoas. Ele está estruturado e inserido na sociedade, na forma como ela se organiza e se reproduz, no mercado de trabalho, na mídia, entre as vítimas da violência, entre o público do sistema carcerário, entre os pobres em todo o mundo, entre os proprietários e os não proprietários”.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Já é Natal...

POR JORDI CASTAN


A Joinville ecumênica não se contenta com o bom velhinho e ele vem acompanhado na sua magnanimidade com o dinheiro alheio.

Papai Noel vai chegar mais cedo em Joinville carregando dentro de seu trenó generosos presentes para os devedores de impostos e multas e gaveteiros, o projeto adimplir do Prefeito Udo, um  verdadeiro deboche para aquele contribuinte que paga seus tributos em dia.

Para poder cumprir suas obrigações a Prefeitura recorreu a malarabarismos duvidosos e expedientes políticos não republicanos que flertam com eventual imoralidade qualificada, digna de apreciação pelo Ministerio Publico.

É a marca registrada da incompetência que caracteriza a atual administração, que durante a campanha se apresentava como um modelo de gestão eficiente e no final do seu segundo ano sequer tem recursos para pagar o 13 salario dos mais 10.000 servidores municipais em dia.

Assim, a  divida tributária e não tributária da Fazenda Pública em atuais 337 milhões será tungada sem maiores explicações ou divulgação dos números exatos porque Prefeito necessita com urgência de R$ 17 milhoes para vestir um santo, o do décimo terceiro salário,  nem que para isso precise descamisar outro.

Mas o prefeito Udo Dohler conta com o apoio incondicional da maioria dos vereadores e não teve maiores dificuldades em mobiliza-la para aprovar o saco vermelho de bondades que anistiam multas e juros dos contribuintes que não pagaram seus impostos em dia nos últimos 5 anos, concedendo descontos que variam entre 95% a 100%

A cultura popular cunhou a frase que "Alemão não é teimoso, teimoso é quem teima com ele".

Mas o nosso guia não compreende a imprudência em  aprovar leis apressadamente, que patrolar o legislativo não é uma atitude republicana e que a maioria das vezes em que tenta impor a sua vontade, por cima do rito, do regulamento e da boa pratica tem saído trasquilado.

Contudo, a excelência do trato com a coisa pública vai alem: Depois de premiar aqueles que não pagaram em dia seus impostos nos últimos 5 anos, o Prefeito resolveu atender ao pedido inusitado de um dos Reis Magos-Melquior Peixer - permitindo que gaveteiros legalizem seus imóveis pagando o imposto devido com um polpudo desconto de 50% e cujos índices de atualização parecem um negócio de pai para filho.

Nem Madre Tereza de Calcutá seria agraciada com tamanha bondade.

Conhecido por fazer o diabo para ser o próximo Presidente do Legislativo Municipal, o Rei Mago Melquior Peixer conseguiu durante a tramitação do ADIMPLIR, pousar do bom samaritano que faz caridade com o dinheiro alheio

A emenda Melquior Peixer terá como consequência impedir o trabalho da Comissão de Valores da Prefeitura na análise do ITBI nos contratos de gaveta até o dia 28 de Novembro, quando o desconto termina. Esta comissão é a que tem a  responsabilidade de atualizar imóveis a preço de mercado e, graças a Melquior, deixará de analisar o imposto realmente devido sobre os contratos de gaveta em valores de negócio. Sem passar por esta comissão o imposto devido será calculado pelo valor histórico, seguindo de singela atualização monetária.


O discurso para a aprovação a jato da Adimplir é que o objetivo é beneficiar as pessoas carentes que estão em divida com a prefeitura e para isso o Executivo e os vereadores da sua base de apoio acreditam que pessoas carentes poderão desembolsar em menos de 20 dias um décimo do valor realmente devido pelo imposto devido nos contratos de gaveta, tudo isto antes do mês de dezembro iniciar e o prazo de pagamento da  segunda parcela do décimo terceiro expirar

A Joinville de "mãos limpas" concede este presente fantástico para quem tem um contrato de gaveta antigo de R$ 50.000,00 mesmo que seu imóvel hoje tenha um valor real de R$ 1 milhao pelo mercado.

Ao invés de pagar 2,5% de imposto sobre o valor real, como fizeram os contribuintes que pagaram no prazo e cumpriram a lei, o beneficiado vai pagar uma verdadeira merreca, uma pechincha que, se evitada, poderia potencializar a arrecadação e ser revertida em asfalto, calçadas, obras públicas, melhorias na saúde.


É bom lembrar que um dos contribuintes que poderá se beneficiar das benesses da Adimplir será uma grande empresa têxtil localizada no Bairro Santo Antônio, responsável por deixar o Rio Cachoeira Vermelho, autuada pelos órgãos ambientais em R$ 400.000,00 em 2012 pelo vazamento de efluentes da sua estação de tratamento. Tem quem pode achar que o prefeito além de bondoso e generoso com o dinheiro alheio está praticando um ato em conflito de interesses. Se a empresa pagar integralmente os juros e a multa sem se recorrer aos benefícios do Adimplir, daria um exemplo de ética, cidadania e ajudaria a melhorar o combalido caixa da prefeitura municipal.

Alguém acredita em Papai Noel?

sábado, 15 de novembro de 2014

Mulheres negras - A força esquecida

POR FELIPE CARDOSO

Novembro é o mês da Consciência Negra no Brasil. Um mês importante que tem a função de levantar interessantes debates sobre a população negra e sua inserção na sociedade. Por isso, também é um período que ainda incomoda uma parcela da população. Não entrarei em questões sobre a importância da data, mas falarei sobre a invisibilidade e machismo.

Durante toda essa época surgirão matérias e publicações ressaltando a imagem patriarcal de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares, uma das mais famosas aldeias, símbolo de resistência à escravidão. Não faço nenhuma restrição quanto a exaltação da luta de Zumbi, acho justa a homenagem, mas o questionamento que levanto é: como as mulheres negras se veem representadas nesse e em outros períodos?

A luta contra o racismo não pode e nem deve ser movida junto com outros preconceitos, mas é evidente que há um esquecimento das lideranças femininas no período de resistência a escravidão no território brasileiro que persistem até hoje.

Dandara dos Palmares, por exemplo, foi esposa de Zumbi e, junto com ele, lutou pela libertação total dos negros brasileiros escravizados na época. Plantava, trabalhava na produção de mandioca, também aprendeu a caçar, lutar capoeira e empunhar armas, além de  liderar homens e mulheres na resistência.

Teresa de Benguela, esposa de José Piolho, passou a liderar o Quilombo de Quariterê, no Pantanal, que abrigou negros e índios fugidos da escravidão. Por cerca de 20 anos a comunidade resistiu a escravidão sob sua liderança. Havia uma estrutura política que contava com parlamento e conselho. Os quilombolas transformavam todo o ferro adquirido em material de trabalho. Fabricavam tecido e também plantavam. O que excedia, era vendido ou trocado por armas. Mais um exemplo de organização, luta e resistência.

Mas em quais materiais escolares vemos essas e outras representações da luta feminina? Quais veículos de comunicação dão destaque a elas? A invisibilidade da mulher negra na história escancara o machismo que, juntamente com o racismo, precisa de um fim.

Cabe as mulheres negras  integrar a luta do Movimento Negro com o Movimento Feministas e se posicionarem, resgatarem suas histórias e lutar por um maior reconhecimento junto a luta contra o racismo, machismo e o sexismo. Cabe a todos nós, homens e mulheres, brancos e negros, reconhecermos a importância da militância. A representatividade dá mais força para a luta.

As mulheres nunca foram e nunca serão o sexo frágil. Sobreviver a tanta opressão diariamente não é para qualquer um. Dandara e Teresa ainda vivem!

Para encerrar deixo o som da Yzalú (Mulheres Negras) que contribui com o debate: