segunda-feira, 21 de outubro de 2013

É só um esporte...

Lutador Waldburger que ficou desacordado no Octogono e saiu de maca.
POR GABRIELA SCHIEWE
 
Eu pode ria começar dizendo que hoje não falarei de esporte, mas de qualquer outra coisa que você queira chamar esse UFC, ou melhor, MMA.

Neste fim de semana que passou, vimos, mais uma vez, cenas lamentáveis e que são amplamente divulgadas por todas as mídias como sendo o "esporte" da vez.

Esporte, no meu simplorio conhecimento esta diretamente ligado à educação e, no caso em tela, não consigo vislumbrar tal conexão, vez que duas pessoas que se encontram para um disputa em que se pode chegar a agressões físicas muito sérias, afetando sobremaneira a integridade física do oponente e que tal disputa só será penalizada quando um juiz, indicado pela organização, entenda que algum dos oponentes não possua mais condições mínimas de suportar mais golpes, ele irá paralizar a luta ou. quando o próprio envolvido na disputa assim o fizer.

Eu não tenho filhos, mas tenho sobrinhos e confesso que não gosto que estes assistam tamanha violência e, divulgada como esporte, do contrário irão entender que poderão praticá-lo com amigos ou colegas de escola.

Já falei isso aqui algumas vezes, as pessoas tem liberdade de escolher aquilo que irão praticar e como irão nominar isso, agora o que discordo e venho insistindo no assunto é como a mídia tem tratado esse MMA e divulgado como se fosse tudo normal.

Esses dias vi no meu twiter um comentário interessante do @nelsinhoneto que, no MMA não vale dedo no olho, mas o resto vale (já dizia Tim Maia).

Este é o brasileiro Cigano que lutou no UFC 166, neste fim de semana em que perdeu o combate e, assim que terminou a luta foi levado as pressas para o hospital.

A notícia do hospital e de seu empresário é que está tudo bem com ele.

Veja a foto e tire suas próprias conclusões.




Eu realmente financio o governo pra isso?

POR GILMAR DE AMORIM DA LUZ

Nessa semana, em um dia de chuva em Joinville, peguei um ônibus para ir trabalhar. Que ideia medíocre a minha!  Mas, como moro a 10  km do trabalho, fiquei sem opção. Ou era a pé (pela distância é inviável) ou de ônibus. Chegando no Terminal Norte, onde os alimentadores vão para as áreas mais afastadas da cidade, tive que pegar uma linha para o bairro da Zona Industrial Norte, que pelo nome se define como a área de empresas da cidade, e foi ali que comecei a pensar no problema.

Joinville é a maior cidade e o maior pólo industrial do estado de Santa Catarina. Temos empresas dos mais variados setores e nosso PIB sustenta mais de metade do estado com arrecadação de impostos. Temos portos nas cidades ao norte e ao sul que atraem cada vez mais empresas nacionais e estrangeiras a se instalarem aqui. Porém, nosso governo esqueceu que quem faz as empresas funcionarem - essas que tanto arrecadam impostos municipais, estaduais e federais - são os funcionários. Sem eles nada disso funcionaria. No entanto, para estes a cidade oferece trânsito caótico, infraestrutura urbana de péssima qualidade e transporte público do pior nicho.

Alguém pode me explicar como que uma empresa que ganhou a concessão para a prestação de um serviço público não deixa à disposição ônibus o suficiente para a demanda necessária? Parei para contar a quantidade de pessoas que esperavam pela única linha dedicada aos trabalhadores da Zona Industrial, em um único horário (já que o próximo era 25 minutos depois) e haviam mais de 100, sendo que a lotação máxima no ônibus era de 70.

Pagamos caro para um transporte de péssima qualidade, somos tratados como sardinhas dentro de uma lata lacrada e ainda temos que engolir cartazes dentro dos ônibus que temos ônibus novos e frota renovada e que a empresa pensa no cidadão?

A estes questionamentos me deram a seguinte resposta: Compre um carro.

E se eu não quiser comprar?! Tirando o fato não gosto de dirigir, ainda mais no trânsito de Joinville, por ter péssimos condutores, eu seria mais uma vítima de um transporte no qual pagamos caro para usar. Trabalhamos cinco meses (isso, cinco meses!) por ano somente para pagar impostos embutidos em produtos e serviços ao governo para o mesmo oferecer vias de qualidade, transporte de qualidade, educação de qualidade, saúde de qualidade.

Mas não! Temos que pagar para ter um plano de saúde cretino, pagar para ter uma educação meia boca (nossa melhor universidade está na posição 226ª no ranking mundial), pagar quase três reais para ter que passar raiva a bordo de uma lata de sardinha, pagar o carro mais caro do mundo (com R$ 40 mil se compra um Gol Rallye, produzido aqui e com impostos industriais daqui, enquanto em países desenvolvidos esse é o preço de um Camaro. Sim, o mesmo Camaro da música do cara que tá tirando onda num amarelo).

Qual é? O pior de tudo: não basta pagar tantos impostos. Ainda temos que pagar a Receita Federal, um tal de Imposto de Renda (!!!). Seria cômico se não fosse trágico, pois além de ter que pagar imposto na comida, no transporte, na saúde e na educação ainda temos que pagar imposto por estar trabalhando e gerando impostos ao governo.

Sinceramente, achei que com os protestos as coisas iriam mudar, mas mais um vez haviam muitas pessoas movidas por interesses próprios e sem nenhum foco do que pessoas dispostas a fazer algo em prol da sociedade, igualzinho nas câmaras, no Senado e em todo o Congresso. E mais uma vez em minha reflexão percebi que o governo é a cara do povo, desse povo que se diz ser a voz de Deus.

Tirem esse atributo dele (Deus). Pois ele não é ganancioso, corrupto, alienado e não tem o "jeitinho brasileiro" de se favorecer em tudo como o povo que diz ser a voz dele.

Com esse texto que refleti enquanto estava a bordo em um desses ônibus (sim, para alguma coisa passar raiva no ônibus foi útil) deixo a minha pergunta: Até onde iremos assim? Sinceramente, acho que não muito longe.

*Gilmar de Amorim da Luz é técnico de informática e piloto de helicóptero e escreveu voluntariamente para a seção Brainstorm.

Observação do editor: Sabemos que Joinville não é responsável por metade dos impostos arrecadados no estado, mas não quisemos alterar o sentido da fala do autor durante a edição.

sábado, 19 de outubro de 2013

Vinícius e o viagra

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Envelhecer parece ser sempre um trauma. Mas, de qualquer forma, traz coisas interessantes. No meu caso, uma delas é o prazer de ter visto Vinícius de Moraes ao vivo com o seu copo de uísque. Privilégio do pessoal mais rodado. Aliás, só para que saibam, ele estava em Portugal quando a ditadura baixou o AI-5 (coisa que só os da minha geração sabem).

Já escrevi textos e defendi, na academia brasileira ou mesmo portuguesa, uma ideia imprevidente: quem tem Vinícius não não precisa de Platão. É meio metafórico, é meio verdade. Há um filósofo brasileiro que define a filosofia com o ato de ver um palmo adiante do nariz. Vinícius ia mais longe: via um palmo adiante e ainda sentia os cheirinhos das fêmeas. E sabia que nunca houve melhor invenção que a mulher.

Mas agora, quando estamos a falar nos 100 anos de Vinícius, só me ocorre uma coisa. A grande chatice para a geração de Vinícius de Moraes e dos seus contemporâneos é que o viagra ainda não tinha sido inventado. Porque se o viagra existisse, tenho a certeza de que Vinícius ainda hoje andaria por aí a descobrir novas garotas. Em Ipanema ou Enseada.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Apartheid, a gente vê por aqui


POR CLÓVIS GRUNER

Não estou em Joinville para saber da repercussão – se houve – da nota publicada na edição de ontem (17/10), na coluna “Livre Mercado”, do jornalista Claudio Loetz. Nela, o vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Santa Catarina (ABRH/SC), Pedro Luiz Pereira, define o perfil ideal do trabalhador joinvilense:

“Em Joinville, considerando-se todos os tipos e portes de empresas, há vagas em aberto para aproximadamente 7 mil trabalhadores. A estimativa é do vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC), Pedro Luiz Pereira. O perfil ideal do trabalhador procurado é homem, branco, de 25 a 35 anos…”

Não é meu propósito julgar as razões do jornalista para publicar tal declaração sem, ao menos, problematizar seu teor. Trabalhei com Claudio Loetz há um par de décadas – sentávamos a uma mesa de distância na antiga redação de “A Notícia”, quando ainda batucávamos as hoje anacrônicas Remingtons. Enfim, sei de sua competência e retidão profissional; ele sabe o que escreveu e tenho certeza que tem igualmente consciência de suas implicações. Mas nunca é demais lembrar que a tal “objetividade jornalística” pode ser uma armadilha para quem escreve, mas às vezes também o é para quem concede a entrevista.

No seu texto, Felipe Silveira já fez as devidas ponderações desde o ponto de vista do jornalismo. Subscrevo tudo o que disse e, como ele, espero do jornal, do colunista mas, principalmente do autor da declaração, algum tipo de explicação – embora reconheça que nada, absolutamente nada do que ele diga irá desfazer o mal estar, nem tampouco mudar o quadro que sua fala tão bem sintetiza: o de que o racismo e o machismo são parte da cultura empresarial. Disso decorre que a aspirada igualdade de condições no mercado de trabalho tem limites muito claros e definidos: não é todo mundo que pode ocupar qualquer cargo, porque em se tratando dos empregadores joinvilenses, boa formação técnica e experiência profissional não são critérios suficiente.

Se já sabíamos que todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros, a declaração de Pedro Luiz Pereira pinta em tons mais berrantes esta realidade. Não se trata, ao menos em Joinville, de convivermos com o fato de que algumas funções de destaque dentro dos organogramas empresariais sejam de acesso exclusivo aos homens brancos (e adultos); o vice-presidente da ABRH nos diz, com todas as letras, que dependendo do empregador a simples aspiração a um posto de trabalho, independente do cargo, é exclusiva de homens brancos e adultos.

UMA INCÔMODA INVISIBILIDADE – Mas se a nota provocou merecida indignação, a afirmação não é uma surpresa. Trata-se de uma invisibilidade que não é recente: basta revisar a historiografia local para constatar a ausência do negro e das mulheres na história da cidade. Se é compreensível – embora não necessariamente justificável – esta falta naqueles trabalhos de cunho mais memorialístico, não se pode dizer o mesmo de um Apolinário Ternes, cujo trabalho sempre alimentou a pretensão de ser uma alternativa aos textos seminais do “seo” Adolfo e da “dona” Ely, e que teve acesso privilegiado às fontes documentais da história local. As mesmas fontes de que se valeram historiadores e historiadoras que, mais recentemente, vem empreendendo um esforço considerável para mostrar que não apenas de homens brancos e adultos se fez a nossa história – e no caso em pauta, lembro e menciono especialmente os trabalhos de Denise da Luz e Janine Gomes da Silva.

Se há ainda quem coloque em dúvida a existência dos preconceitos de gênero e étnico na cidade, faça as contas: quantas mulheres estão na Câmara de Vereadores ou na diretoria da ACIJ? Mesmo morando em Curitiba, soube dos muitos comentários machistas feitos sobre Marinete Merss ao longo da gestão do ex-prefeito Carlito Merss, tudo porque ela nunca se resignou a ocupar o lugar que compete às “grandes mulheres”: ficar sempre à sombra dos “grandes homens”. E o que falar dos dois jogadores do JEC, constrangidos a serem revistados pela polícia porque um delegado achou-os em atitude suspeita? Afinal, eram dois negros com dinheiro, andando de táxi e jantando em um restaurante onde, assim como no mercado de trabalho, a entrada é franqueada principalmente para homens brancos. E se menciono aqui apenas aqueles exemplos mais claros e óbvios, não ignoro que a realidade é tão ou mais dura no que um amigo chamou de “Soweto catarinense”.

Tenho certeza que não faltará quem defenda ou justifique a fala do vice-presidente da ABRH/SC apelando à velha falácia de que ele apenas “expressou a realidade”. Ou pior: haverá quem, como no texto do Felipe Cardoso, publicado aqui no Chuva, argumentará recorrendo a números: se os negros estão em minoria quantitativa, dirão, nada mais “natural” que os empregadores privilegiem os brancos. É uma escolha. Mas ambos os argumentos aproximam-se daqueles utilizados pela maioria dos alemães quando, há quase um século, o Reich decidiu pela perseguição a outras “minorias quantitativas”, judeus principalmente. É a banalidade do mal, já nos ensinou Hannah Arendt, que fomenta a indiferença; e é a indiferença que faz florescer e legitima a intolerância, o preconceito e a violência.

O racismo e o machismo inegáveis de cada dia

Pelo visto, pra essa trabalhadora não tem vaga aqui...
POR FELIPE SILVEIRA

Talvez tenham sido poucos textos, mas não dá pra negar que a luta contra o racismo e a denúncia do quanto ele é presente em Joinville é uma das bandeiras do blog. Eu já escrevi alguns textos e sei que outros articulistas também (Clóvis e Baço, pelo menos). Além disso, tivemos um texto de Felipe Cardoso dos Santos, no Brainstorm, que foi pra lá de comentado e acessado. Da mesma forma, o machismo é tema deste blog.

O que mais me chamou a atenção em todas essas discussões e outras facebook afora foi a recusa que muitas pessoas demonstram de reconhecer que o racismo foi e ainda é muito forte nessa região. Mesmo quando ele é evidente nas propagandas da TV, nas abordagens policiais, nas disputas por emprego e, mais recentemente, nas páginas dos jornais.

Circulou, ontem (17 de outubro), um dos casos mais flagrantes desse absurdo. A coluna Livre Mercado, assinada pelo jornalista de economia Claudio Loetz, de A Notícia, traz a seguinte informação:

“Em Joinville, considerando-se todos os tipos e portes de empresas, há vagas em aberto para aproximadamente 7 mil trabalhadores. A estimativa é do vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC), Pedro Luiz Pereira. O perfil ideal do trabalhador procurado é homem, branco, de 25 a 35 anos…”

Chega a ser chocante ver essa “notícia” estampada no jornal, mesmo para quem sabe que essas são as condições do mundo real (entenda-se: não estou aceitando essa condição, estou dizendo que todos nós sabemos que o mercado de trabalho é racista e machista). É surpreendente porque houve algum tempo (recente, entre os anos 90 e 2000), em que o racismo não era declarado dessa forma nos jornais. Quem representava alguma instituição tinha algum pudor em falar e escrever esse tipo de coisa.

Diante disso, criei algumas expectativas:

1) Em relação ao público, tenho duas. Primeiro tô curioso pra saber quais serão as desculpas que vão arrumar para o racismo e machismo. Ou melhor, para negar que isso é machismo e racismo. A outra é saber como o público consciente vai lidar com isso. É preciso haver muita reclamação, muito debate, e isso é papel de todos nós.

2) Do jornalista Claudio Loetz, que tenho certeza que é um homem justo, e do jornal A Notícia eu espero uma reportagem sobre o machismo e o racismo no mercado e no ambiente de trabalho. Era isso que devia ser feito assim que chegou a informação à mesa. Era um flagrante, uma reportagem pra cá. Essa é a capacidade que o jornalista tem que ter.

3) Do autor ao qual a fala foi atribuída, Pedro Luiz Pereira, eu espero um honesto pedido de desculpas e ações que visem combater o racismo e o machismo dentro da sua organização, dentro do mercado de trabalho e consequentemente na sociedade.

Combater esses e outros preconceitos, assumir a culpa pelos erros históricos, promover ações para repará-los e não admitir que se repitam é um dever de cada um de nós.


P.S.: Vou falar sobre preconceito geracional em outro texto. Quero ler algumas coisas sobre o assunto antes.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Tá liberado!


Alianças políticas, biografias e o exemplo americano


POR CLÓVIS GRUNER

Há coisas que me agradam no modelo americano de democracia – e claro, há outras que não, mas delas não falarei hoje. Uma: nos Estados Unidos, ex-presidentes não podem ocupar nenhuma função pública ou disputar outro cargo eletivo. É claro que eles continuam a fazer política; o objetivo da legislação não é afastá-los da vida pública. No horizonte, e sempre de um ponto de vista ideal, está o entendimento de que em uma democracia, a renovação – mesmo que dentro de um mesmo partido – é tão importante como o direito de escolha.

No Brasil é diferente. Com o anúncio da união entre Eduardo Campos e Marina Silva para as eleições de 2014, as especulações ganharem espaço nos noticiários e redes sociais. Entre elas, uma me chamou a atenção: sentindo-se ameaçados, tucanos e petistas teriam chegado a aventar a possibilidade de lançarem FHC e Lula, no lugar de Aécio Neves e Dilma Rousseff. Acho pouco provável. Mas que tal tenha sido sugerido, revela uma das muitas fragilidades da nossa cultura política, o personalismo. É essencial à democracia que partidos sejam capazes de forjar novos líderes. Além disso, uma eleição se vence com nomes, certamente, mas também e principalmente com projetos.

O caso do PT é mais emblemático. Pesquisas apontam uma vantagem significativa de Dilma. Mas falta um ano para as eleições, e o partido precisa ser capaz de manter o favoritismo e continuar a convencer os eleitores com base em realizações passadas e presentes e em planos futuros. O carisma e os altos índices de aprovação de Lula não podem ser um deux ex machina eleitoral. Por outro lado, as declarações de Marina tampouco sugerem que seu interesse é, de fato, renovar o debate político, mas simplesmente substituir um dos atores da atual polarização, o já combalido PSDB.

Tudo junto e misturado, parece mesmo que estamos à deriva. Os dois maiores partidos brasileiros e o que surge como promessa de renovação já deixaram claro seus projetos de poder. Mas nenhum deles tem, efetivamente, um projeto para o país.

ERA PROIBIDO PROIBIR – Vai longe o tempo em que Caetano Veloso desancou os estudantes que o vaiaram durante o IV Festival de Música Brasileira – mais precisamente, 45 anos. Se há quatro décadas e meia o então jovem compositor ecoava o Maio francês, hoje ele se vale de sua conhecida verborragia para disfarçar o indisfarçável e justificar o injustificável. Abrigados na associação “Procure Saber”, capitaneada pela empresária e ex-atriz Paula Lavigne, ele, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan e Roberto Carlos, entre outros, defendem a manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que proíbem a publicação, para fins comerciais, de biografias não autorizadas. Na prática, isso significa que biógrafos só podem publicar desde que devidamente autorizados pelos biografados ou seus herdeiros.

Não vou me alongar. Tudo que gostaria de dizer sobre o tema – e até um pouco mais – já foi dito pelo jornalista Mário Magalhães, biógrafo de Marighela, em seu blog. Mas me causa espanto ver nomes cuja resistência à violência da ditadura e seus muitos meios de censura é amplamente conhecida, posicionando-se tão descaradamente a favor dela e com argumentos pífios – entre outras coisas, a “Procure Saber” reivindica que os biografados recebam uma porcentagem sobre as vendas de suas biografias, sob a alegação de serem os personagens de tais narrativas. A coisa beira ao absurdo: recentemente Roberto Carlos, o mesmo que, tal um inquisidor, conseguiu que recolhessem das livrarias sua biografia e só voltou atrás na decisão de mandar à fogueira centenas de exemplares na última hora, entrou com um pedido para proibir a venda de um livro – originalmente uma dissertação de mestrado em História, um trabalho acadêmico portanto, não uma biografia – sobre a Jovem Guarda. Solidário ao “rei”, Chico tentou desqualificar o historiador Paulo César Araújo, autor da biografia, chamando-o indiretamente de desonesto. Foi ampla e documentalmente desmentido.

Nos Estados Unidos biografias não autorizadas são permitidas por lei, sob a alegação que a liberdade de expressão e o direito à informação estão acima do direito à privacidade, especialmente quando se trata de personalidades públicas. Desacordos são resolvidos na Justiça. No Brasil prevalece o entendimento contrário. Ora, mas se as noções de público e privado já são, em si, problemáticas, elas o são ainda mais quando envolvem figuras públicas – sejam elas artistas ou não. Primeiro porque há, sim, a inegável e quase “natural” curiosidade do público sobre a vida de seus ídolos, por exemplo. Mas não é só, nem o principal: justamente porque públicas, suas trajetórias se confundem com a história do país. Saber delas, de suas escolhas, seus percursos, seus engajamentos, suas experiências e ideias é saber um pouco mais sobre nosso passado. Nos coibirem de conhecer suas biografias ou nos limitar às autorizadas, é privar o leitor de conhecer aspectos da história que, muitas vezes, só nos chegam quando narradas sob o ponto de vista de quem as viveu.

Caetano fala muito, mas não diz o óbvio: o que está em discussão não é o direito à privacidade, mas a pretensão de monopolizar o direito ao passado. Eles não entenderam nada e saíram dessa diminuídos. Como disse um amigo: “os ídolos da velha MPB encolheram”.

PS.: No dia 11 de outubro o Brasil perdeu Gabriela Leite. A mais destacada defensora dos direitos das prostitutas brasileiras, mais conhecida pela criação da marca Daspu, Gabriela morreu aos 62 anos, vítima de câncer. Ela sabia que as fronteiras entre a vida privada e a esfera pública eram tênues. E soube usar a primeira em benefício dos embates que travou na segunda. Este texto é uma homenagem a ela.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Udo e a oportunidade perdida


POR JORDI CASTAN

A eleição de Udo Dohler como prefeito de Joinville foi uma vitória prevista. Coincidiu com uma das mais desastrosas gestões municipais que esta cidade já teve, ainda que não seja preciso voltar muito no tempo para encontrar outra gestão tão desastrosa. A candidatura de Udo Dohler cresceu rapidamente, menos pelas suas virtudes e mais pela incompetência dos seus oponentes. Era o que poderia ser considerado a vitória do “menos pior”.

À medida que o tempo transcorre é mais evidente que Udo Dohler não tem sabido aproveitar a oportunidade que a conjuntura lhe proporcionou. A sua vitória o qualificava não apenas para fazer uma gestão correta do ponto de vista administrativo. A sua campanha explorou convenientemente a imagem de bom administrador, de empresário, de falta de experiência política e, portanto, de chegar à vida política livre dos vícios e mazelas que a sociedade tanto critica: aqueles que fazem da política uma profissão e uma atividade econômica. Também foi promovida, durante a campanha, a imagem de homem probo e a de homem rico, que poderia prescindir até do seu salário e não precisaria se corromper, caso fosse eleito. A mensagem foi recebida pela maioria do eleitorado que o elegeu.

O erro fatal do eleitorado foi acreditar que Udo Dohler representava uma mudança, que as coisas mudariam de forma suficientemente radical para dirigir Joinville à direção certa. As urnas mostraram repúdio pelas últimas administrações. Ele é, no melhor dos casos, uma espécie de oportunista. A pessoa errada no lugar certo e na hora certa. Udo nunca promoverá uma revolução, na sua definição mais pura. O máximo que aspira é que as coisas funcionem melhor, de forma mais rápida e sejam mais simples. Portanto, a lógica de fazer melhor as coisas passa longe de repensar o que deve ser feito e como deve ser feito. Um bom conselho seria o de lembrar que não há nada mais estúpido que fazer bem feito algo que não precisa ser feito.

Quem acompanhe a biografia do prefeito dificilmente encontrará nela traços do revolucionário. Ao contrário, sua intima relação com o poder econômico, do qual ele faz parte, o impede de liderar o processo de mudança social e política que Joinville precisa. A imagem de executivo competente precisará se sustentar em resultados concretos, sob risco de cair na mesmice. A imagem de homem probo esta agora vinculada, também, aos demais nomes que escolheu para formar sua equipe.

A imagem de político habilidoso esta hoje mais próxima do velho “toma lá dá cá” que é a velha forma de fazer política. A distribuição de cargos comissionados, privilegiando articulações e politicagem ante a competência e honestidade são a melhor prova que falta coragem e capacidade para fazer o que deve ser feito. Tinha o crédito e a confiança da população para agir, optou por não fazê-lo. Escolheu não promover as mudanças sociais e políticas que a cidade precisa e manter o equilíbrio do poder. Sem surpresas.

Se alguém acreditou, de verdade, que ele seria a pessoa que promoveria esta mudança e que o faria enfrentando os interesses dos seus financiadores de campanha - ou de seus companheiros de ACIJ - e que o faria contrariando os interesses da elite de que faz parte, então foi iludido. Udo é, no melhor dos casos, uma oportunidade perdida. Um bom gerente que administrara melhor. Para alguns isso já é muito. E não devemos criticar quem pense assim: depois de tantos descalabros, um pouco de mediania é o menos ruim para Joinville.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Federalização do sistema Acafe: hora de retomar o debate

POR LEONEL CAMASÃO*

Uma universidade plural, democrática, com amplas referências do saber e do conhecimento podem mudar a cara de uma cidade. Mas não é esse o projeto de educação superior que está reservado para a nossa cidade.

Reportagem de A Notícia - que foca a ansiedade dos estudantes, a preparação para o vestibular e outros detalhes - não problematiza o baixíssimo percentual de vagas oferecidas no ensino público. Apenas 794 em três instituições, ante 7.715 vagas oferecidas no ensino privado, em 10 estabelecimentos.

Esses números são alarmantes e destoam completamente do cenário nacional. Enquanto no Brasil, 26,3% dos estudantes de ensino superior estudam em universidades públicas – o que já é baixo -, em Joinville, este número é três vezes menor: apenas 9% das vagas disponíveis para o vestibular 2013 são públicas, ante 91% das universidades privadas.

Estes dados demonstram que a mercantilização do Ensino Superior iniciada nos anos FHC se aprofundou ainda mais na era Lula/Dilma através de incentivos fiscais e programas de compra de vagas ociosas (vendidos como "Programas de Bolsas de Estudo").

Obviamente, não é possível convencer um estudante que só faz o ensino superior graças ao ProUni de que esta é uma política ruim. Do ponto de vista individual, obviamente que é uma política satisfatória, afinal, leva milhares de estudantes que nunca teriam condições de pagar as altas mensalidades ao ensino superior.

Entretanto, do ponto de vista global, esta política se transformou em um verdadeiro programa de transferência de renda para conter a crise no setor educacional. Depois da expansão dos anos FHC, muitas instituições investiram mais do que tinham, e caminhavam para a bancarrota. Programas como ProUni e Fies garantem que estas instituições permaneçam existindo, com dinheiro público, e até mesmo, façam grandes expansões. O ensino superior privado cresceu 30% em 2012 em relação a 2011.

Se, ao invés de comprar vagas em instituições privadas de qualidade em geral duvidosa, ampliássemos o número de instituições e cursos superiores públicos? Estaríamos caminhando para um cenário muito melhor para Joinville e para o país.

Em Joinville, metade das vagas no ensino privado estão concentradas na Univille e na Unisociesc, a primeira, "comunitária", e a segunda, privada ao estilo clássico. Neste cenário, as universidades "comunitárias" cotinuam a ser um modelo sui generis catarinense. Na hora de buscar recursos do governo, são públicas. Na hora de prestar contas, eleger reitores e cobrar mensalidades altíssimas, são privadas.

Por isso, faz-se necessário retomar o debate sobre a federalização do sistema Acafe. A administração destas IES se tornaram verdadeiras caixas-preta, que precisam ser abertas. As "comunitárias" concentram 70% dos alunos catarinenses. Sua federalização não só é possível, como necessária para melhorar a qualidade da educação em nosso estado e interiorizar o ensino público e gratuito.

Os estudantes de Blumenau nos servem de exemplo em sua luta pela federalização da Furb. É hora de retomar este debate junto à sociedade e à juventude que foi às ruas exigir mudanças.

*Jornalista e presidente do PSOL Santa Catarina

Adensar para segregar?


Curitiba é uma cidade em que o adensamento, ao longo do tempo,
promoveu a segregação.
POR CHARLES HENRIQUE VOOS

As discussões sobre a nova Lei de Ordenamento Territorial (LOT) estão cada vez mais complexas, escondendo em suas minúcias relações que devastarão o espaço urbano de Joinville, ao promover segregação socioespacial e expulsar o pobre para as periferias mais longínquas.

Isto se consolida na atual proposta das faixas viárias, dita (erroneamente) como a melhor solução para o adensamento urbano, pois flexibilizam o uso do solo em 168 ruas da cidade, levando indústrias, comércios, prédios para todas as partes de Joinville. Esta lógica seria a mais correta, se não fosse um detalhe: não há, em nenhum momento, uma ligação entre adensamento e incentivo à construção de moradias de interesse social. É um perigo, pois, recai-se sobre um processo que facilitará as regras para a especulação imobiliária (construindo prédios por toda a cidade) e colocará a qualidade de vida em risco (principalmente com a liberação de indústrias por todos os cantos), sem interligação com qualquer plano de mobilidade. Não esquecendo que, com as faixas viárias, o adensamento proposto segregará a população de baixa renda, pois esta não terá condições de comprar um imóvel nas faixas viárias, sobretudo após a valorização do preço da terra nestas regiões.

Se os mais pobres não possuirão condições de comprar terra em uma faixa viária, e nem há instrumentos para fixação de moradias populares nestas faixas, o que sobra para o cidadão que luta diariamente para sobreviver, sem moradia digna? Ele irá, com certeza, para regiões mais distantes ainda, nos extremos de Joinville, ocupando irregularmente áreas rurais, ou comprando loteamentos baratos e sem infraestrutura, desconexas dos seus afazeres diários, e oriundos do espraiamento urbano criado também pela nova e incoerente LOT.

Sendo assim, o mesmo poder público que quer adensar para poucos, espraia para muitos. Os mesmos que querem levar para perto da população a urbanidade, promovem a segregação.

Adensar a cidade é o melhor caminho, mas não desta forma. Regularizar o IPTU progressivo e delimitar áreas para interesse social na centralidade de Joinville são meios muito mais eficientes, sem segregar os mais pobres, e inserindo a população em uma verdadeira democracia urbana.