quarta-feira, 18 de setembro de 2013

LOT e financiamento de campanhas: o caso da Estrada Barbante

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Fonte: webimprensa.sc.gov.br
Às vezes, nós aqui do Chuva Ácida somos criticados por textos e falas que são muito abstratas, conceituais ou que não se materializam diante dos olhos de todos, criando um panorama realístico sobre as coisas. Quando falamos sobre a LOT, Conselho da Cidade, corrupção, e todos os outros temas que dominam parte das discussões aqui proferidas, estamos falando de uma sociedade desigual, aquela do jeitinho, e que esconde interesses que vão contra ao bem de uma coletividade. Estamos desconstruindo coisas que acontecem, e compreendo que seja difícil, para muitos, desmascarar situações ou entender situações desmascaradas.

É sabido que as campanhas eleitorais são processos que incitam o desenvolvimento da corrupção. O financiamento privado pode colocar no jogo perspectivas particulares, através do dinheiro injetado na campanha dos candidatos. Sabemos também que o momento da alteração de zoneamento pode, por muitas vezes, representar interesses específicos de loteadores, empresários da construção civil, especuladores, etc. E o vereador tem um papel fundamental na hora das alterações de leis urbanísticas. Portanto, existe uma íntima ligação entre financiamento de campanha e alterações no zoneamento das cidades.

Para descrever isto, descobrimos nesta semana um fato muito curioso na política local, envolvendo a Toscana Construções S/A, o vereador Manoel Bento (PT) e a nova lei de ordenamento territorial. Os fatos levantados a seguir nos levam a crer que a relação entre os fatos citados existe.

Toda a suspeita começa com a inclusão da Estrada Barbante, no Morro do Meio, como uma Faixa Viária (clique aqui e entenda o que é Faixa Viária), após todas as discussões sobre LOT já estarem adiantadas nas instâncias internas da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Uma série de ruas e avenidas estavam incluídas previamente, e de repente, surge a Estrada Barbante.

A suspeita se desenvolve quando partimos para o entendimento do porquê da inclusão da Estr. Barbante no projeto de faixas viárias. O local é rural, não possui conectividade com outras vias troncais, e não possui nenhum motivo aparente (urbanisticamente falando) para ser uma nova faixa viária da LOT. Um erro dos responsáveis pelo projeto, aparentemente.

Entretanto, olhando a listagem dos donos de terrenos desta Estrada, aparece a Toscana Construções S/A, conforme mostra este arquivo, retirado do sistema da Prefeitura de Joinville. O terreno de 278mil m², enquanto zona rural, tem um uso muito restrito às atividades agrosilvopastoris. Enquanto faixa viária, terá seu uso amplificado, para vários tipos de empreendimentos. Ou seja: o terreno, com a LOT aprovada, vai valorizar e poderá ter empreendimentos da empresa no local, visto que a citada é uma construtora.

A consolidação da suspeita surge a partir da consulta desta empresa no sistema de informações das doações de campanhas. Em 2012, a Toscana Construções S/A doou R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a campanha do vereador Manoel Bento (PT),conforme imagem abaixo, este eleito para mais um mandato. E que a inclusão da Estrada Barbante como faixa viária no projeto da LOT ocorreu após Bento ter sido eleito presidente da Comissão de Urbanismo da Câmara de Vereadores de Joinville (veja a versão atualizada do projeto da LOT no site do IPPUJ.


Está clara a relação entre o empresário, o político, e a LOT. Deixamos o Chuva Ácida à disposição dos envolvidos para explicarem esta doação para a campanha de Bento e as consequentes alterações no projeto da LOT, visando a valorização de um terreno particular a partir de um ato especulativo. Entretanto, não dá para admitir que a LOT (esta LOT, do jeito que está sendo feita) seja para o bem de todos, e que deva ser aprovada imediatamente, sem discussão com a população e um Conselho da Cidade democrático, sob o risco da cidade "parar". Quanto mais discussões tenhamos, mais aparecerão situações como estas, e o processo se tornará mais transparente. O acompanhamento, pela população, de questões como a LOT, direciona as políticas públicas para o caminho da efetividade, ao invés de um caminho difuso e danoso para a coletividade. Outros casos estão sendo investigados e serão divulgados oportunamente.

Atualização (25 de setembro):
A assessoria do Vereador Manoel Bento (PT), encaminhou a seguinte resposta:

Resposta ao blog Chuva Ácida
A assessoria do Vereador Bento (PT) entrou em contato com o Cientista Social Charles Henrique Voos referente à publicação feita ontem (18/09/2013) no blog Chuva Ácida. O motivo foi entender qual o embasamento para o texto presumir a relação de favorecimento da Empresa Toscana na LOT (Lei de Ordenamento Territorial).  

De acordo com Charles, sua matéria é resultado de análises de dados para sua pesquisa de doutorado. O estudo cruza informações acerca de empresas doadoras em campanhas políticas com pedidos na LOT. O Vereador Bento não nega que a empresa tenha feito uma doação em sua campanha. No entanto, é necessário esclarecer que o contato com esse grupo imobiliário de Rio do Sul, se deve ao apoio e orientação que o parlamentar ofereceu a empresa que vinha elaborando o projeto habitacional de construção de três mil moradias. Através do Programa Minha Vida, o objetivo é contemplar famílias de 3 a 6 salários mínimos no bairro Morro do Meio.  

Contudo não há em nenhum documento da Câmara (requerimento, moção, ofício) ou pedido verbal ao Vereador Bento (PT) solicitando a intervenção em questões de zoneamento na LOT. De nosso conhecimento, o único pedido de dados oficiais feito pela Toscana Construções consta como consulta branca na Seinfra para a construção de um empreendimento imobiliário do Programa Minha Casa Minha Vida. 

Até a data de 31/12/2011 não havia nenhuma indicação de Faixa Viária para a Estrada Barbante. Bem como a LOT não sofreu alterações em 2012. Atualmente, no novo projeto da LOT (Lei de Ordenamento Territorial), foi incluída a Estrada Barbante, por sugestão do Executivo.  
 O Vereador Bento entende que o estudante de doutorado tem o direito acadêmico de fazer suas análises. Porém segundo o próprio Charles, sua opinião não se baseia em nenhum documento de trâmite oficial, sem o qual jamais poderia se concretizar o pedido. 

É comum em pesquisas acadêmicas e cientificas utilizar a metodologia de análise comparativa onde o pesquisador ousa fazer essas considerações. Mas ao contrário do que foi citado, o Vereador Bento não teve nenhuma relação com a inclusão da Estrada Barbante como Faixa Viária na LOT (Lei de Ordenamento Territorial). O parlamentar manifesta seu posicionamento: 

“Estou em meu terceiro mandato e justamente por isso, tenho um compromisso com a população. Sou o presidente da Comissão de Urbanismo e no ano passado fui presidente da Comissão de Legislação e Justiça. Não encaminhei nenhuma sugestão para o novo projeto da LOT. A nova Lei de Ordenamento Territorial está sendo analisada pelo Conselho da Cidade. Prezo muito pelo respeito a cada cidadão. Portanto, tenho o direito de exigir que não sejam feitas suposições que coloquem em dúvida a minha conduta ética e moral”, diz Bento. 

Como a tese do estudante Charles ainda não foi publicada e nem julgada, o Vereador Bento sugere cautela nesse processo de pesquisa, para que não ocorram julgamentos precipitados e injustos antes da conclusão e legitimação do trabalho acadêmico. É importante que essas informações se pautem em dados factíveis.

Assessoria de Comunicação
Vereador Manoel Bento (PT)
E-mail: vereadorbento@gmail.com


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Rolot


Receita para o caos

POR JORDI CASTAN

Para implantar o caos urbanístico em uma cidade como Joinville é preciso contar previamente com alguns ingredientes . Estando eles presentes, o resultado está garantido. Sem ordem de prioridade, há que contar com funcionários e legisladores permissivos, especuladores cobiçosos  e uma sociedade pouco participativa  Pode se acrescentar ainda uma legislação complexa, recheada de termos técnicos que a façam ininteligível à maioria dos cidadãos, um discurso desenvolvementista a qualquer preço, um prefeito obtuso, uma maioria confortável no legislativo, facilmente conquistada com as centenas de cargos comissionados e outros agrados que o executivo tem a sua disposição para cooptar os apoios necessarios e ainda acrescentar a atuação de alguns energúmenos trasvestidos de lobbistas da gangue do tijolo e teremos as condições perfeitas para converter qualquer cidade em um modelo do caos urbano, voltado à lucratividade de poucos.

O processo inicia com a omissão da Prefeitura, que deixa de agir e não autua e não impede que o meio fio seja rebaixado em desacordo com e lei, que galpões irregulares sejam construídos ou operados de forma ilegal, autorizando a construção de prédios em ruas sem a largura mínima para esse tipo de empreendimentos.

Resta a dúvida se esta omissão é ou não intencional. Senão vejamos.

 Ao deixar de exercer o poder de polícia e coibir as construções irregulares no tempo e modo apropriado (ou seja, exigir a suspensão/demolição do empreendimento irregular antes mesmo que seja finalizado), a Administração Pública Municipal acaba alimentando a demanda desses administrados pela regularização de seus empreendimentos e estabelecimentos.

 Ao deixarem de ser fiscalizados e coibidos, o Poder Público chega, por via oblíqua, a incutir nesses administrados a sensação de que podem empreender de tal forma. Em contrapartida, a Municipalidade se utiliza da demanda pela regularização de tais empreendimentos como um propulsor para aprovar a Lei de Ordenamento Territorial a qualquer custo. Aliás, chega a condicionar a regularização de tais empreendimentos à aprovação da LOT. Bravo! 
Por que não suspendem logo todo o serviço público municipal e não condicionam à aprovação da LOT? Nesse ritmo, a LOT passa a ser usada de instrumento para regularizar ou autorizar as ilegalidades que só existem pela repetida mistura de incompetência e omissão de quem deveria fiscalizar o cumprimento da lei.

À luz da situação atual, o Poder Público tem atuado historicamente com total cumplicidade com à ilegalidade: o sujeito constrói irregularmente e depois o Poder Público, que deveria exercer o poder de polícia, faz uma lei para regularizar.

Então, pode tudo e é apenas uma questão de tempo para que venha uma nova versão da "Super Lei Cardozinho" e seja concedida uma anistia ampla, total e irrestrita, desde que pagas as taxas definidas.

 Criado o precedente e na linha de que todos têm o mesmo direito, imagino tudo o que não deva estar sendo premeditadamente produzido seguindo a mesma fórmula. "Constrói, depois a gente dá um jeito na LOT".  Só mesmo a Faixa Viária para absorver toda esta bandalheira. Desta forma o Prefeito conta, para sustentar seu discurso, com aliados de peso que tem feito investimentos em estudos, projetos e na aquisição de imóveis e direitos para exercer uma pressão às avessas para dar celeridade à LOT.

Basta ver quem comprou e investiu desde a edição desse Projeto da LOT (aliás, o mesmo da criticada gestão anterior) nas margens das faixas viárias, já contando com a sua aprovação.
É o velho fazejamento urbano. Estimula os administrados a edificar e estabelecer do jeito que quiser, ignorando qualquer planejamento. Mais tarde, legaliza-se o que foi feito.

 A "nova" lei é superveniente à infração urbanística, para regularizá-la, quando deveria puni-la e demandar sua respectiva correção.

Vamos logo aterrar a Babitonga e criar grandes faixas viárias dos centros industriais até os portos (não vamos nos esquecer de combinar com um ou outro aliado do setor imobiliário para que se adiantem na aquisição dos imóveis nas vizinhanças desse novo projeto).

Em pouco tempo conseguimos uma nova norma que tornará isso legal.


Afinal, se não fizermos isso, vocês já sabem, Joinville vai parar!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sobre a Cachaçada Coletiva, a domesticação e a istâmitixe

POR MARCUS CARVALHEIRO*

Este não é nenhum texto oficial, ou carta em nome do público que esteve no Parque das Águas no último domingo, é apenas uma reflexão minha, mas gostaria de dividir estes pontos com vocês. Tem sido comum estas revoltas populares se intensificarem nas redes, não sei se é pela facilidade de organizar estes atos ou pela possibilidade de qualquer pessoa  emitir opiniões sem refletir profundamente sobre o fato.

A questão é que, mais uma vez, o número de confirmados (ou o debate das redes) não se estendeu para a praça. Particularmente, esperei por um movimento mais forte, mas no final da tarde a praça ficou cheia e o evento acabou contando com um bom público, de umas 300 pessoas, acredito. Não houve gritos de guerra, debates, nem nada do gênero. As pessoas simplesmente foram ao local, beberam e conversaram sobre qualquer coisa.  Vários jovens, vários “pais de família” e várias crianças. Isso mesmo, várias famílias compareceram ao evento “Cachaçada Coletiva”. Por este motivo, chega a ser hilário imaginar que daqui alguns dias estas crianças verão seus pais, responsáveis ou amigos como infratores.

Percebem? Acho que já deu para entender que o problema não é o consumo, não é? Na verdade, muita gente aqui (Internet) já levantou a questão que, certamente, esconde-se por de baixo desta lei maluca: a da segregação social. Os primeiros atingidos por esta lei serão os moradores de rua, menos perigosos que alguns policiais que andam por ai. A prática de “higienização” se camufla nestas ações, mas fica evidente quando percebemos que eventos como a istâmitixi (sugeriram para errarmos a grafia propositalmente) continuarão ocorrendo normalmente, assim como o Carnaval. Ou seja, é justamente a classe que não frequenta estas “festas alemãs” da Via Gastronômica que será atingida pela lei. Ah, ok, ainda teremos a possibilidade de beber na rua durante o Carnaval, para não ter motivo de “reclamar de tudo”.

Bom, voltando ao encontro de hoje, acredito que, mesmo sem gritos ou debates, o evento foi muito significativo. As pessoas simplesmente fizeram aquilo que estavam reivindicando. Seria bacana que todos que debatem a gratuidade no transporte coletivo pulassem as catracas ou se todos que criticam nosso sistema político não votassem (por exemplo). Um número grande de pessoas lutando por algo socialmente relevante é sempre útil. Enfim, às vezes, as atitudes mais simples podem ser tão significativas quanto grandes manifestações, como as de junho. Seria ideal se as pessoas continuassem fazendo isso; Se no próximo domingo estivessem todos ali, novamente, ou que, na próxima citação do projeto na câmara, as pessoas também estivessem lá.

O fato que me preocupa é que, ao invés disso, muitas pessoas já estavam escondendo suas bebidas e temendo as possíveis atitudes dos policiais que estavam ali, no Parque das Águas. Vale salientar que eu nunca vi os policiais naquela região durante eventos como o MAJ Sounds. Ficou claro que a presença
refletia uma lei que ainda não foi nem aprovada. Os policiais argumentaram para as primeiras pessoas que chegaram ao “evento” que “já está proibido consumir bebidas alcóolicas em lugares públicos” (policiais bem desinformados, inclusive). Ou seja, o receio é tanto que a lei nem está valendo ainda, mas já há pessoas respondendo “pacificamente”.

Bom, há tantas coisas que podemos refletir... Podemos falar que esta é uma tentativa clara de forçar os as pessoas mais alternativas a ficarem em casa. As tribos que vemos nas praças ou nas faculdades também serão outras atingidas diretamente pela lei. Sou um destes personagens que frequentou muito estas praças. Bebemos, conversamos, rimos, choramos, enfim, interagimos socialmente. Este projeto de lei elimina a possibilidade desta classe encontrar os amigos, juntar moedas e comprar uma cerveja, um vinho, ou uma cachaça daquelas mais simples mesmo.

Não quero teorizar nada disso aqui, mas durante minha monografia da graduação conheci um autor muito interessante, o Michel Maffesoli e cheguei a relacionar o uso do crack no nosso ‘Centro Urbano’ aos seus estudos sobre “dispositivos de sociabilidade”. Não estou defendendo o uso do crack, mas estou dizendo que até no momento do consumo do crack aquele grupo de pessoas se relaciona e se comunica de alguma forma (mas este não é o assunto aqui, quem quiser saber mais sobre isso, peça-me referências que eu passo depois). O fato é que quando a polícia sai batendo nos moradores de rua e usuários de drogas por causa do crack a população faz vista grosa. Agora, o assunto envolve uma “outra classe” e uma droga “tolerável”. Você que aceitava as atitudes da polícia em relação aos moradores de rua e usuários de crack agora precisa tomar cuidado, pois beber em uma praça também poderá ser uma infração e, dependendo do ânimo dos policiais, você poderá até levar uns tapas.

Percebem? Enquanto as leis não mexem diretamente com nossas comunidades ou costumes, fazemos vistas grossas. A bebida será mais uma desculpa para a polícia “dar gerais” em afrodescentes (sejam jogadores do JEC ou não), em moradores de rua, em jovens, em roqueiros, em rappers e em toda ou qualquer tribo que, de alguma maneira, incomoda esta classe pseudo alemã cristã da nossa “Manchester Catarinense”.

Em entrevista ao jornal Notícias do Dia, no último final de semana, o vereador James Schroeder disse que este tipo de conduta, o de beber em espaços públicos, espanta a população que não possui este mesmo hábito. Acredito que este vereador não está muito acostumado a frequentar espaços públicos. Aliás, quantos vereadores vemos no MAJ Sounds, no Parque das Águas,  no Parque da Cidade, e assim por diante? Espero que o “vereador” veja as fotos da “Cachaçada Coletiva” e perceba o grande número de crianças que também estavam no local, o que demonstra claramente que o problema não é o consumo, mas sim a consciência de cada cidadão.

Bom, de uma forma geral, este debate é muito intenso e complexo. Podemos falar de Foucault, de Mafesolli, de Marx, das consequências destas políticas de “higienização/segregação social”, entre muitos outros pontos que não podem se resumir neste texto. Por isso, espero que o encontro do último domingo represente alguma reflexão, algum foco de debate que possa ser alimentado nas próximas semanas, mostrando que este projeto de lei do James não tem nada de “inocente”. Trata-se de mais uma ferramenta de coação. Se o projeto persistir e realmente virar uma lei, proponho, assim como alguns amigos já comentaram aqui na rede, que os espaços “autorizados” também sejam ocupados. Que na próxima istâmitixe o pessoal que, por ventura, não possa mais beber em praças pegue seu Velho Barreiro, seu Maracujá Joinville e ocupe a Via Gastronômica. Adoraria ver os universitários pé rapados (me incluo nesta), a galera da periferia, os andarilhos, moradores de rua, mendigos e a população como um todo participando desta festa “tradicional”. Enfim, qual vai ser James, vocês preferem a gente no meio da elite, é isso? Cuidado, a tentativa de vocês de nos segregarem pode se tornar um tiro no pé.

*Marcus Carvalheiro é jornalista (marcus.carvalheiro@gmail.com).
Texto enviado para o Coletivo Chuva Ácida.

A semana mais bizarra da história de Joinville: lei "anti-bebum", índios perigosos, estacionamento para a CDL e imprensa omissa

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A cidade de Joinville é mesmo uma vila do senso comum, reproduzindo situações inimagináveis em qualquer parte do mundo. Acontece que a última semana produziu várias destas, condensadas em menos de sete dias. A patetice foi tão grande, mas tão grande que, devido a tantos comentários, debates e manifestações na imprensa e redes sociais ofuscaram outras aberrações.

Sairei do meu estilo convencional de texto aqui no blog, pois preciso fazer as análises por tópicos, até para dar um grau de importância igual aos momentos que vivemos na última semana, e também para que não nos esqueçamos de nada na hora dos comentários e discussões.


  • A aprovação da lei que proíbe consumir bebidas alcoólicas em praça pública: incoerente. Pois parece que o rico, quando faz Stammtisch, tem liberdade para beber (e fechar a rua). Mas o pobre, favelado, bêbado, em vulnerabilidade social, e que "não tem mais nada pra fazer" e bebe na praça da periferia, é punido. Ineficaz. Pois não resolve o problema de deterioração dos espaços públicos e nem resolve o problema do alcoolismo. E muito menos o problema de lixo no chão (só bêbado joga lixo no chão?). Um atentado ao "direito à cidade". Pois tira da praça pública uma característica de "estar". Se a pessoa bebe álcool, ou água, a praça é para isto mesmo: convivência. A PRAÇA NÃO É LOCAL DE PURA PASSAGEM. O MAJ Sounds é prova de que bebida alcoólica e "harmonia social" podem existir, sem sujar e nem deteriorar o patrimônio da cidade. Reacionária. Pois "beber em praça pública" tira o "sossego alheio". Desta forma, qualquer atitude lícita e que me incomodar vou fazer uma lei proibindo. Ou seja: vou proibir as igrejas de cultos com som alto, vou proibir pessoas correndo em calçadas, vou proibir pessoas de fumarem em praças, e, pasmem: vou proibir que pessoas conversem entre si, pois a opinião alheia "tira o meu sossego". Seríamos múmias vivas, se seguirmos esta lógica radicalmente. Inconstitucional. Pois proíbe o uso de uma substância lítica (queiram ou não, bebida alcoólica é legal para maiores de 18) e PRIVA O CIDADÃO de uma atitude legal.
  • A anulação do Conselho da Cidade omitido pela imprensa: O TJSC reconsiderou a decisão proferida no agravo de instrumento interposto contra a decisão do Juiz Roberto Lepper, a qual determinou o acautelamento dos votos em separado dos cidadãos-eleitores que votaram no Conselho da Cidade. Ou seja, o Conselho da Cidade novamente está irregular e, infelizmente, a imprensa fez pouco caso com a situação. Conflito de interesses?
  • A Prefeitura quer que a CDL administre o estacionamento rotativo da cidade: parece que os estacionamentos, para a atual gestão, servem para atrair clientes aos comerciantes. Estacionar o carro é um problema privado e quanto menos espaços para isto existirem, melhor para a cidade. Mais uma vez a Prefeitura de Joinville é omissa e entende a cidade como um instrumento da efetivação das atividades de entidades empresariais. Estamos na contramão do mundo: Copenhague, Times Square, Bogotá...
  • "A ameaça indígena", segundo o Jornal da Cidade
    a foto ao lado mostra a matéria da horrorosa visão que este jornal profere ao citar a demarcação de terras indígenas em Araquari. Segundo a matéria, a demarcação de terras é danosa, pois "impede o sonho desenvolvimentista da cidade" (BMW, alterações no plano diretor sem consultas públicas, compra de terras por loteadores que visam empreendimentos urbanísticos, etc), criminalizando os índios e colocando em xeque a própria função da Funai, sem apresentar qualquer tipo de resposta dos citados.
Esqueci de algum fato bizarro? É impressionante a capacidade desta cidade de surpreender...