sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A morte do Cão Tarado



Porque há histórias bonitas

POR ET BARTHES
Para quem gosta de uma história bem contada, daquelas que emocionam.


Os nomes e as coisas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

No tempo em que era criança não havia bullying. É que a palavra não exisitia (nunca ouvi alguém falar) e então a gente não sabia se sofria disso ou não. Como podem ver, o problema da minha geração era apenas sofrer de déficit semântico, porque ninguém tinha dado o nome à coisa. Aliás, se fosse pelos padrões de hoje acho que não tinha sobrevivido à minha infância e pré-adolescência.

Gente, aquilo era o reino do bullying. O Baleia era gordo. O Tiziu era um preto pequenininho. O Bode era japonês. O Mijão mijava na cama (mas era boato). O Frangão tinha um parafuso a menos. O Portuga, filho de portugueses, era burro. O Pamonha era molóide. O Barranqueiro nem me atrevo a dizer. O Pelé, nem preciso dizer. E eu era o Linguiça, por ser muito magro e alto.

É claro que a gente fazia piada e sacaneava com essas características mais marcantes dos outros. Aliás, se não houvesse motivo para pôr apelido, a gente inventava. Criança sabe ser amiga, mas também tem um certo prazer em sacanear os outros. Mas às vezes o caldo entornava e tinha gente que saía no braço. Só que ao final do dia a coisa passava e o pessoal acabava sempre amigo. Era normal para a molecada da minha geração.

Hoje é diferente. Vem especialista e diz:
- O que parece ser um apelido inofensivo pode afetar emocional e fisicamente o alvo da ofensa.

Claro que pode. Mas que culpa a gente tinha? A minha geração cresceu de outro jeito, com mais autonomia. Naquela época a gente tinha a rua, o campinho de futebol e o córrego para nadar nos dias de calor (e de frio também que criança não sofre com essas coisas). E garanto que não há maneira melhor para cimentar as amizades. Ah... e tinha o lado legal de que os pais e os professores nunca estavam nesses lugares.

Aliás, não sei que caminhos tomaram todos os meus amigos, apenas alguns. O Baleia ficou magro. O Frangão trabalha com investigação em agricultura. O Bode virou um pro dos computadores. O Portuga é engenheiro. O Tiziu tentou fazer carreira no futebol mas se deu mal. Eu fiz voto de pobreza e fui para o jornalismo. Mas sobrevivemos.


E hoje, quando vejo tanta gente a repetir essa palavra – e o tantão de gente que parece saber tudo sobre o assunto – só  penso numa coisa: ainda bem que eu não sabia inglês e nunca aprendi aprendi essa palavra bullying. Porque a minha infância podia ter sido muito chata. E viva o déficit semântico.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

E se houvesse uma troca de lugares?

POR ET BARTHES
A cidadania nossa de cada dia. Deem uma olhada na mulher do 1m08s. 


Os intocáveis



POR CLÓVIS GRUNER

Se depender da vontade do vereador James Schroeder (PDT) e de 17 de seus pares, joinvilenses que forem flagrados bebendo em lugares públicos serão considerados infratores. Assunto da semana, na última quinta-feira a Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei 48/2013, que visa proibir o consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos. O projeto precisa agora passar por uma segunda votação antes de ser submetido ao prefeito Udo Döhler, que não sabe ainda se vai vetar ou sancionar a nova lei. Mas não importa seu futuro. Já é uma excrescência que ela tenha sido redigida, submetida ao legislativo e obtido ampla maioria de votos.

Trata-se de uma lei repleta de furos, aparentemente ambigua em suas intenções. Exemplos: os bares que possuem mesas em calçadas, que são públicas, podem continuar a fazê-lo,  porque pagam pela ocupação do espaço, que é público! Não por coincidência, é na badalada “Via Gastronômica” e adjacências, que se localizam as principais casas que poderão continuar a utilizar as calçadas públicas como se fossem privadas. Aliás, trata-se da mesma via onde acontece o Stammtisch, um evento que nada tem de popular e, por isso mesmo, pode continuar a frequentar e usar os espaços públicos sem ser afetado pela lei.

Não são melhores os argumentos para explicar a necessidade do projeto. De acordo com Schroeder, ele atende um clamor popular, embora sua noção de “popular” seja bastante restrita, limitando-se aos conselhos comunitários de segurança (Consegs) e ao 17º Batalhão da Polícia Militar, responsável pelo policiamento na zona Sul de Joinville, que o demandaram. Em entrevista concedida a um jornal local meses atrás, o vereador explica didaticamente suas intenções: “O que queremos”, afirmou, “é justamente promover o debate sobre o consumo de álcool entre os jovens. A lei vai permitir que a polícia aja preventivamente e não precise ir até um local depois que uma aglomeração de jovens com som alto e bebidas, por exemplo, já tenha virado bate-boca ou vias de fato com vizinhos incomodados, o que acontece com frequência nos bairros”.

PRODUÇÃO DE ILEGALIDADES – Tudo junto e misturado, e a cidade pode vir a ter uma lei elitista, preconceituosa e segregacionista. Porque nem mesmo o discurso pretensamente bem intencionado – o de que o álcool é um problema de saúde pública, por exemplo – convence: medidas sócio-educativas são muito mais necessárias e eficazes para combater problemas como o alcoolismo, que proibir seu consumo em lugares públicos. Principalmente porque não é nas ruas e praças onde mais se consome álcool, mas em espaços fechados, como bares e baladas. Há o acúmulo de lixo, o barulho, as brigas, os excessos? Sim, por certo. Mas como se tratam de exceção, e não da regra, não seria mais razoável prevenir ou, se for o caso, coibir e punir os excessos usando os mecanismos e aparatos legais e policiais já à disposição, ao invés de produzir novas ilegalidades?

A resposta é simples: o objeto da lei são os bairros e populações periféricos, (o texto não podia ser mais explícito quando se refere à Zona Sul, lugar historicamente estigmatizado pelos joinvilenses mais “tradicionais”), aqueles que vivem em “vulnerabilidade social”, na definição do Charles Henrique aqui no Chuva. Os frequentadores da Via Gastronômica e do Stammtisch podem beber nas calçadas e fechar uma via pública, consumir álcool, voltar para casa dirigindo e postar suas fotos nas redes sociais. O problema, afinal, não são eles: nenhuma lei municipal ousaria tocar nos privilégios de quem circula exibindo suas Tommy Hilfiger. Mas James Schroeder, seus colegas de parlamento e os muitos joinvilenses que aplaudiram a nova medida não estão sozinhos.

No século XIX, autoridades inglesas limitaram o horário dos pubs ao perceberem que, mais que beber, seus frequentadores os utilizavam como lugar de sociabilidades e discussões políticas. No começo do século passado, praticar capoeira era delito previsto no Código de Posturas da então capital federal, o Rio de Janeiro. Andar descalço também – uma proibição que inspirou uma das mais memoráveis passagens do romance de estreia de Lima Barreto, “Recordações do escrivão Isaías Caminha”. Mais ou menos à mesma época, em Curitiba, reuniões e eventos populares – definidos como “batuques e fandangos” – organizados por negros ou imigrantes que vivessem em regiões distantes do centro, só poderiam ocorrer mediante autorização policial.

A HISTÓRIA SE REPETE COMO FARSA – Na década de 1960, em Joinville, entre as preocupações das autoridades estavam os mendigos, jogadores e prostitutas. Para os primeiros, pretendeu-se o internamento compulsório; para os segundos, além de limites impostos pelo Código de Posturas de 1956, inúmeras batidas policiais, principalmente em bares localizados nos bairros mais à periferia. Para as últimas, o prefeito Helmut Fallgater projetou a construção de uma espécie de “centro de tolerância”: casas construídas especialmente para o funcionamento da prostituição, “tudo ficando seguramente bastante isolado (...) em zonas apropriadas, para melhor contrôle e observação da Polícia”. Em abril deste ano a Câmara de Vereadores de São Paulo aprovou em primeira votação um projeto que proíbe os bailes funks nas ruas da capital paulista.

O que eventos tão distantes no tempo e no espaço tem em comum? Todos, sem exceção, não legislaram em função do bem comum mas, tão somente, proibindo e punindo práticas populares. Contaram, como o projeto de lei de James Schroeder, com o apoio da população “ordeira”, os homens e mulheres de bem. Aliás, vem do Facebook o comentário que define, sintética mas exemplarmente, o espírito da nova lei e as razões do entusiasmo com que foi recebida por alguns: meuuuuuuuuuuuu nem fala, vai ser uma benção.... a gentalha tem q se ferrar mesmo... escória da sociedade”, escreveu uma joinvilense de bem, certamente ordeira. Apesar da flagrante limitação retórica, ninguém conseguiu defini-la melhor.