quarta-feira, 22 de junho de 2016
Glossário sambaquiano: uma nova língua para a velha inépica
POR JORDI CASTAN
Joinville é sui generis. Uma pequena vila do Norte de
Santa Catarina que ao longo do tempo desenvolveu uma idiossincrasia própria,
que a torna peculiar, única. Esta forma tão sua de ser fez que acabasse
desenvolvendo uma linguagem própria, só inteligível pelos que aqui moram.
Para facilitar a vida e a compreensão dos que aqui chegaram recentemente ou por aqui estão
de passagem, apresento alguns vocábulos desta língua própria, que por vezes
se assemelha a “novilíngua” orwelliana.
Honestidade – Característica do politico que não paga as contas em dia, dá pedaladas contáveis e tampouco faz as obras que prometeu em campanha. No entanto, insiste em se apresentar como paladino da honestidade, tentando fazer que o eleitor acredite que todo aquele que não roubar é honesto.
Parque – Uma praça.
Parque da Cidade – Três praças, sem árvores, com mato,
separadas por vias rápidas e, na maior parte do tempo, sem ninguém para usufruir
de tanta beleza.
Parque linear – Um canteiro comprido, com pouco mais de um
metro de largura e uma calçada perimetral. Apresentado pelos políticos em
campanha como uma alternativa à calçada do Batalhão. Em época de campanha voltam com força os projetos em maquete eletrônica.
Calçada do Batalhão – Uma calçada em volta de um batalhão do Exército.
IPPUJ – Instituto que supostamente planeja a cidade do futuro, mas sequer consegue planejar a sua mudança de uma sede a outra. Alguém incluiu no seu nome “sustentável” e ninguém ainda sabe o que isso pode querer vir a dizer.
LOT – Projeto mítico que propõe uma cidade futurística composta
por edifícios de 30 andares espalhados quase aleatoriamente por todo o perímetro
urbano. Nessa cidade futurística, que alguns imaginam que será a Joinville dos próximos
30 anos, a mobilidade como hoje a conhecemos terá deixado de existir. Os
sambaquianos se deslocarão por levitação, teletransporte ou em bicicleta. A LOT tem, para muitos dos seus defensores, propriedades mágicas, porque converteria áreas rurais em urbanas, multiplicando por 100 o valor dessas propriedades. A LOT também servirá para legalizar construções ilegais. Construídas à revelia da legislação atual, será uma anistia que premiará a safadeza, o malfeito e ilegalidade. Por isso, não é estranho que tenha tantos e tão furibundos defensores.
Transporte público – Sistema de mobilidade que a cada ano
transporta menos passageiros e fica mais caro. A equação impossível de fechar
projeta no futuro um modelo em que a tarifa embarcada será equivalente a uma
passagem em primeira classe num voo comercial entre a América do Sul e o
Extremo oriente.
Tarifa de transporte coletivo – Valor estratosférico resultante de algoritmo matemático que inclui custos desconhecidos e cálculos de
astronomia. Faz o deslocamento de 60 ou 80 passageiros, num ônibus
lotado entre o centro da cidade e qualquer bairro menos distante, ser individualmente mais caro que o mesmo percurso comodamente sentado num
veículo particular. Por isso, a cada novo aumento mais usuários abandonam o transporte público e passam a usar transporte privado.
Licitação – Figura extinta ou em perigo de extinção. No
passado era usada para que os prestadores de serviços públicos pudessem
concorrer, apresentando preços competitivos e cumprindo normas técnicas que
tinham como objetivo oferecer um melhor serviço aos cidadãos. Alguns exemplos
de licitações consideradas extintas ou das que nunca mais se teve notícia:
a das bicicletas do IPPUJ, a do Transporte coletivo, a do Crematório, a das funerárias,
a do estacionamento rotativo. Algumas nunca foram feitas, outras venceram e
repousam no limbo da inépcia sambaquiana. E há uma comunhão de interesses para que a situação se perpetue indefinidamente.
Carro – Objeto demonizado pelos planejadores da cidade. No
futuro estarão restritos a museus ou ficaram parados por horas nas ruas
sambaquianas. Sem mobilidade os carros particulares levaram horas para
percorrer distâncias que poderiam ser facilmente percorridas a pé em minutos. O
termo mobilidade será substituído por “rastejamento”.
Rastejamento – Velocidade a que se realiza a maioria dos
deslocamentos no perímetro sambaquiano. Equivalente ao tempo que demora um
cágado manco em atravessar uma quadra.
Saúde - Todo sambaquiano sabe que o problema da saúde não é falta de dinheiro, que o problema é a falta de gestão. Entra gestor sai gestor e a saúde continua ruim.
Saúde - Todo sambaquiano sabe que o problema da saúde não é falta de dinheiro, que o problema é a falta de gestão. Entra gestor sai gestor e a saúde continua ruim.
terça-feira, 21 de junho de 2016
Bang! Bang! Como matar a civilização a tiros...
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Orlando, 12 de junho, perto das 3 horas da
madrugada. Um homem armado entra na boate Pulse, frequentada por um público
LGBT, e dispara de forma indiscriminada contra os frequentadores. Os números da
tragédia apontam para a morte de 50 pessoas, com outras tantas feridas. Ainda
persistem alguns contornos nebulosos, mas o massacre serviu para trazer de volta
a velha discussão sobre a insanidade da posse de armas nos EUA.
Os brasileiros têm o hábito atávico da pagar
pau para gringo. De lá para cá é apenas um saltinho. A discussão chegou ao
Brasil e abriu as portas para um chorrilho de besteiras que não tem hora para
acabar. E como sói acontecer nesses casos, a sensatez é sempre a primeira
vítima no bang-bang dos argumentos. O lamentável – mas não inesperado – é que os
defensores das armas abusam das falácias e da mistificação.
Um dia destes topei com um “argumento” de
fazer subir a mostarda ao nariz. Dizia o seguinte: “Você acredita que os
criminosos irão obedecer leis de desarmamento? Você deve ser um tipo especial
de idiota, não?!”. A frase trazia uma imagem do ator Clint Eastwood, um conhecido
defensor da indústria do armamento (e arquétipo do “macho” para os pouco
abonados de cérebro). Aliás, a autoria da fala é atribuída ao ator Sam Elliot e
não a Eastwood. Mas quem se importa com pequenos falseamentos?
Os armamentistas apostam na má-fé e no logro.
Nenhum crítico das armas espera que os criminosos obedeçam a lei. Caramba! É
uma lapalissada: se os caras seguissem a lei não seriam bandidos. É evidente
que os defensores das armas têm dificuldade em operar com neurônios, o que
torna assustadora a perspectiva de vê-los com armas nas mãos. Nada de bom pode vir
daí. Se o cara advoga soluções violentas – e não venham dizer que são de paz –
como vai agir quando estiver na posse de uma arma? Perigo.
Ninguém tem dúvidas de que a questão da
segurança é o problema mais sério no Brasil. Mas é com mais armas a circular
que se resolve o problema? Pelo contrário. Que tal ver o exemplo do Japão, onde
não há armas e os homicídios praticamente inexistem. O processo civilizacional pede
uma sociedade cada vez mais desarmada, o que implica tirar as armas das mãos
dos que não respeitam a lei. Essa é uma das funções dos aparelhos repressivos
do Estado.
Eis o nó górdio. O problema da violência nunca
vai ser ultrapassado sem uma mudança cultural. E as armas apontam no sentido
contrário. Tomemos a Europa ocidental como exemplo. A ideia de possuir uma arma
não faz parte do mindset de um
europeu. Há um grau civilizacional que torna difícil falar em liberar as armas.
Isso fica refletido no baixos índices de crimes contra a vida... e até na
própria língua. Em Portugal, por exemplo, poucos conhecem a palavra latrocínio.
Não se mata para roubar.
Ah... e antes de terminar, é provável que os
defensores das armas não percebam, mas estão na mira da poderosa indústria do
armamento. As indústrias vivem da venda dos seus produtos e o mercado interno
brasileiro é bastante apetecível. Não são apenas as armas, é o capitalismo.
Aliás, em que outro país as pessoas aceitariam como natural uma esdruxularia
chamada Bancada da Bala, com deputados financiados pela indústria do armamento?
É a dança da chuva.
segunda-feira, 20 de junho de 2016
O Estado é de calamidade
POR RAQUEL MIGLIORINI
O
Governador do Rio de Janeiro em exercício, Francisco Dornelles, decretou, no
dia 17/06/2016, estado de calamidade pública no Estado. Citou, para tal, as
dificuldades na prestação de serviços essenciais, a possibilidade de total
colapso na segurança pública, na saúde, na Educação, na mobilidade urbana e na
gestão ambiental.
A
possibilidade dos Estados decretarem estado de calamidade veio do Decreto
Federal nº 7257/2010, assinado pelo ex-presidente Lula. O art 2º, item IV,
define "estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres,
causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da
capacidade de resposta do poder público do ente atingido".
Cabe à
Defesa Civil Nacional socorrer estados e municípios vítimas de desastres, que
deveriam ser eventos adversos naturais ou provocados (como o caso recente de
Mariana-MG), que causem danos humanos (grande número de mortos), materiais ou
ambientais. Nesses casos, o município ou estado não tem condições financeiras
de arcar com os custos e com a ajuda à população e a União ajuda com a
liberação de recursos.
O Estado
tem até dez dias após o desastre para enviar o requerimento para a União com
todos os detalhes e a extensão dos danos e a previsão de custos para restauração
das atividades básicas para os cidadãos. Por meio de uma portaria, a União
reconhece o estado de calamidade e libera os recursos. A vantagem desse
processo está explícita na Lei 8666/1993, mais conhecida como Lei das
Licitações, que dispensa licitações nesses casos para que as compras e obras
sejam realizadas mais rapidamente e sem burocracia.
Com toda a
explicação acima, qualquer ser vivente que já tenha trabalhado no serviço
público ou que entende o funcionamento da máquina sabe aonde o Sr. Dornelles
quer chegar. Para dar conta da incapacidade de um estado falido e mal
gerenciado (só o PMDB está no governo desde 2003, ininterruptamente), que
assumiu compromissos maiores que o tamanho de suas pernas, decretou o estado de
calamidade cujo único desastre que o justifica é o pagamento de obras
superfaturadas, como a do metrô que já era para ter sido entregue no início de
2015 e já teve seu valor reajustado 3 vezes, e o desvio dos recursos de
atividades essenciais, como saúde e segurança pública, para terminar espaços
olímpicos. E tudo isso endossado pelo vice que se acha presidente, Michel
Temer.
Antes que
comecem a bufar “eu disse que o Brasil não tinha capacidade para sediar as
Olimpíadas”, quero afirmar o contrário. Temos sim, muita competência. Eventos internacionais
trazem recursos, visibilidade, legados para as cidades que sediam tais eventos.
O que não temos, infelizmente, é capacidade para fiscalização, para acompanhar
as ações dos nossos governantes, nos limitando a reclamar e “bater panelas”
apenas quando o problema bate à nossa porta (ou no nosso bolso).
Diante de
tudo isso, nem vou falar da Baía da Guanabara, que merece um texto especial,
tamanho descaso.
Vivemos realmente
um estado de calamidade. Moral, principalmente.
sexta-feira, 17 de junho de 2016
Ao PMDB o que é do PMDB
POR SALVADOR NETO
Finalmente as famosas delações premiadas mostram as entranhas do financiamento de campanhas políticas, partidos e políticos Brasil afora. Não é de hoje que as grandes empresas, inclusive empreiteiras que hoje aparecem com seus executivos presos, irrigam projetos, nacionalistas ou não. Caixa dois sempre foi igual ao jogo do bicho: todo mundo sabe, joga, mas convive. Sempre foi assim.
O fato é que ao poder investigar a fundo os esquemas, sem engavetamentos que eram corriqueiros até o final dos anos 1990, os órgãos fiscalizadores chegaram à ponta do iceberg. Sim, porque o que vemos é apenas a parte visível da corrupção que deixa o país paralisado e refém. Vemos hoje que obras poderiam custar de 30 a 40% mais baratas aos cofres públicos. A institucionalização da corrupção pela velha política é um vírus resistente. Resiste porque ficou crônico no tecido social brasileiro.
Eis que esse vírus resistente começa agora a ser colocado abaixo de muita luz. Está hoje em todos os jornais que em sua delação premiada, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado citou 23 políticos de diferentes partidos. Segue a lista: PMDB - Michel Temer, Renan Calheiros, Edison Lobão, Romero Jucá, José Sarney, Jader Barbalho, Henrique Eduardo Alves, Gabriel Chalita, Valdir Raupp, Garibaldi Alves, Walter Alves. PSDB - Aécio Neves, Sergio Guerra. PT - Candido Vaccarezza, Luis Sergio, Edson Santos, Ideli Salvatti, Jorge Bittar. PP - Francisco Dornelles. PCdoB Jandira Feghali. DEM - Agripino Maia, Felipe Maia. PSB - Heráclito Fortes.
O que há de novo? A cúpula do PMDB, partido que sempre escapou das lupas da imprensa e das investigações por concentrar muito poder a cada governo federal que ocupa o Planalto desde a redemocratização. O poder gigantesco do partido sempre ficou escondido, pois nunca comandou o poder central. Partido forte em municípios e tendo comandado alguns estados, jamais criou liderança capaz de liderar projeto nacional. Aliás, jamais foi interesse da turma citada agora por Sergio Machado ter o nome no topo, mas agir em suas pequenas repúblicas. Em silencio, nas sombras. Mas sempre forte, dando as cartas.
O PMDB chegou ao comando do país com Michel Temer, agora enrolado até o pescoço também na Lava Jato, fazendo o que sabe fazer melhor na política, articulando nos bastidores o golpe parlamentar que afastou a presidente eleita Dilma Rousseff. Estavam crentes que chegara a hora de saltar ao poder central para voltar aos tempos antigos onde nada se investigava, e claro, poder manter o formato velho e arcaico de fazer política. E voltaram a se unir como antes com PSDB, DEM e outros.
Comandos de estatais poderosas, ministérios endinheirados, com capilaridade nos estados e muita obra para tocar. Tudo isso ficou claro nos áudios que o próprio Sergio Machado, correligionário de longa data dos caciques peemedebistas, gravou. A trama ficou claríssima. Eduardo Cunha, agora radioativo ao PMDB e Temer, comandou até ontem a bancada na Câmara, onde foi presidente. Esse é o verdadeiro PMDB hoje. O MDB de 1965 não existe mais.
Ao PMDB o que é do PMDB. O poder sempre, nem que seja para ficar ocupando espaços secundários, sem a ribalta da Presidência. Em Santa Catarina foi assim, aliança com o DEM, antigo PFL nos tempos de Paulo Afonso. Depois com LHS, entregou os anéis ao grupo de Jorge Bornhausen (PFL, DEM, PSD, PSB) fazendo de Raimundo Colombo governador. Em Joinville, LHS entregou o governo ao PSDB para chegar ao governo do Estado, e quando não aceitou o caminho do ex-aliado, chegou a ajudar o PT com Carlito Merss em 2008.
Ao sentirem-se desprestigiados, largaram Carlito e aceitaram o neófito Udo Döhler no partido, tudo ao empresariado para voltar ao poder mais fortes. Conseguiram vencer, e hoje comandam Prefeitura e Câmara de Vereadores. Com tudo isso, colocaram Joinville em marcha a ré. Algo deu errado em Brasília, e chega ao município mostrando que o PMDB não é aquilo tudo que vendem. Que avancem as investigações, porque a corrupção não está em um partido, está em vários, inclusive no antigo manda brasa. Mais luz por favor.
É assim, nas teias do poder.
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