POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Orlando, 12 de junho, perto das 3 horas da
madrugada. Um homem armado entra na boate Pulse, frequentada por um público
LGBT, e dispara de forma indiscriminada contra os frequentadores. Os números da
tragédia apontam para a morte de 50 pessoas, com outras tantas feridas. Ainda
persistem alguns contornos nebulosos, mas o massacre serviu para trazer de volta
a velha discussão sobre a insanidade da posse de armas nos EUA.
Os brasileiros têm o hábito atávico da pagar
pau para gringo. De lá para cá é apenas um saltinho. A discussão chegou ao
Brasil e abriu as portas para um chorrilho de besteiras que não tem hora para
acabar. E como sói acontecer nesses casos, a sensatez é sempre a primeira
vítima no bang-bang dos argumentos. O lamentável – mas não inesperado – é que os
defensores das armas abusam das falácias e da mistificação.
Um dia destes topei com um “argumento” de
fazer subir a mostarda ao nariz. Dizia o seguinte: “Você acredita que os
criminosos irão obedecer leis de desarmamento? Você deve ser um tipo especial
de idiota, não?!”. A frase trazia uma imagem do ator Clint Eastwood, um conhecido
defensor da indústria do armamento (e arquétipo do “macho” para os pouco
abonados de cérebro). Aliás, a autoria da fala é atribuída ao ator Sam Elliot e
não a Eastwood. Mas quem se importa com pequenos falseamentos?
Os armamentistas apostam na má-fé e no logro.
Nenhum crítico das armas espera que os criminosos obedeçam a lei. Caramba! É
uma lapalissada: se os caras seguissem a lei não seriam bandidos. É evidente
que os defensores das armas têm dificuldade em operar com neurônios, o que
torna assustadora a perspectiva de vê-los com armas nas mãos. Nada de bom pode vir
daí. Se o cara advoga soluções violentas – e não venham dizer que são de paz –
como vai agir quando estiver na posse de uma arma? Perigo.
Ninguém tem dúvidas de que a questão da
segurança é o problema mais sério no Brasil. Mas é com mais armas a circular
que se resolve o problema? Pelo contrário. Que tal ver o exemplo do Japão, onde
não há armas e os homicídios praticamente inexistem. O processo civilizacional pede
uma sociedade cada vez mais desarmada, o que implica tirar as armas das mãos
dos que não respeitam a lei. Essa é uma das funções dos aparelhos repressivos
do Estado.
Eis o nó górdio. O problema da violência nunca
vai ser ultrapassado sem uma mudança cultural. E as armas apontam no sentido
contrário. Tomemos a Europa ocidental como exemplo. A ideia de possuir uma arma
não faz parte do mindset de um
europeu. Há um grau civilizacional que torna difícil falar em liberar as armas.
Isso fica refletido no baixos índices de crimes contra a vida... e até na
própria língua. Em Portugal, por exemplo, poucos conhecem a palavra latrocínio.
Não se mata para roubar.
Ah... e antes de terminar, é provável que os
defensores das armas não percebam, mas estão na mira da poderosa indústria do
armamento. As indústrias vivem da venda dos seus produtos e o mercado interno
brasileiro é bastante apetecível. Não são apenas as armas, é o capitalismo.
Aliás, em que outro país as pessoas aceitariam como natural uma esdruxularia
chamada Bancada da Bala, com deputados financiados pela indústria do armamento?
É a dança da chuva.