terça-feira, 22 de março de 2016

1000 mentiras ditas 1000 vezes acabam por se tornar fascismo




POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Hoje em dia anda difícil analisar o Brasil sem recorrer a exemplos da Alemanha dos anos 30. Mas terá que ser. É atribuída a Joseph Goebbels a frase segundo a qual “uma mentira dita mil vezes acaba por se tornar verdade”. Faz sentido. Mas o ministro da propaganda de Hitler nem de longe poderia imaginar a criação da internet e nem os seus efeitos sobre as classes médias (aquelas que Marilena Chauí chamou de aberração cognitiva). Nem a mente ardilosa de Goebbels imaginaria o Brasil de hoje.

A tese goebeliana foi ridicularizada. A lógica passou a ser “mil mentiras ditas mil vezes acabam por se tornar fascismo”. É inacreditável o número de bacoradas que a gente ouve todos os dias. A coisa vai às raias da razão. É insano. Um dia destes uma pessoa usou um mentira cabeluda como argumento - dessas que pululam nas redes sociais - e tentei esclarecer. Mas a resposta foi definitiva: “pode ser mentira, mas eu acredito no que quiser”. Caso encerrado.

O problema é esse. Quem mente para os outros é apenas mentiroso. Quem mente para si mesmo é lunático. E um lunático movido por uma ideia obtusa é perigoso. O caso do Brasil é ainda mais preocupante, por causa de uma mídia dada à distorção e mesmo à mentira. Muitos têm a mania de confundir "fatos" com as notícias que veem na TV. Não é a mesma coisa. Aliás, parece que essa gente não assiste o Jornal Nacional para se informar, mas para buscar um álibi para os seus desvarios.

Que tal pegar no caso mais mediático no Brasil? A Polícia Federal anda com dificuldades para apontar, de forma consistente, algum crime ao ex-presidente Lula. Que estranho! Porque eu próprio conheço inúmeras pessoas que detêm provas consistentes de que ele é dono de um triplex, de um sítio ou de um barco de alumínio. Inclusive os comentaristas anônimos deste blog estão cheios dessas provas. Aliás, conheço uma pessoa que tem tantas informações sobre os crimes do ex-presidente que o chama “chefe de quadrilha”.

Há quem diga que isso é resultado de uma certa inocência. Que as pessoas estão de boa fé e são enganadas pela pressão midiática. Talvez. Mas há mentiras tão cabeludas que só uma pessoa muito mal intencionada pode repetir. Que Lula estaria a tramar a morte de Sérgio Moro. Que Evo Morales ameaça invadir o Brasil. Que Lula levou faqueiro de ouro do Palácio do Planalto. Que a Corte de Haia quer novas eleições no Brasil. Que 90% dos aprovados em concursos públicos são do PT. Que o preço dos militantes é um sanduíche de mortadela. E por aí vai.

É de mentira em mentira – tudo somado ao tal déficit cognitivo – que se constrói o inconsciente social de um certo brasileiro médio. Seria cômico, até motivo de piada, se não tivesse assumido contornos de tragédia. O discurso elaborado a partir de pequenas mentiras aponta para a negação da democracia. E desvia a atenção das grandes questões. Pátria de tantas mentiras, o Brasil tem pernas curtas. E esse estado de coisas impede o país de cumprir o seu destino de avançar a passos largos para o futuro.


É a dança da chuva.




segunda-feira, 21 de março de 2016

Não vivemos montados num drone...

POR JORDI CASTAN




A perspectiva muda completamente a percepção do que vemos e a forma como vemos. Na medida que nos afastamos do objetivo de observação perdemos precisão. Quem não se deslumbra com a beleza carioca da Bahia de Guanabara? O Corcovado e o Pão de Açúcar formam com Botafogo e Copacabana uma das paisagens mais maravilhosas do mundo. Na distância desaparecem a poluição, os cheiros, a insegurança, o trânsito caótico e só se percebe a beleza de uma natureza impressionante.

Em Joinville, não ficamos atrás no quesito beleza da natureza. A visão do amanhecer na Baía da Babitonga, a Lagoa de Saguaçu, o verde das encostas dos Morros do Boa Vista e do Finder, a linha serpenteante dos rios Cachoeira e Bucarein ou a vista do sol se pondo na Serra do Mar, destacando a silhueta do Jurapé ou do Morro da Tromba, são imagens que impressionam pela sua beleza. Impossível não nos emocionarmos cada vez que as vemos.

Joinville tem se reencontrado com a sua vista desde o alto. Finalmente o mirante do Morro do Boa Vista foi concluído. Os joinvilenses voltam a poder olhar o horizonte desde os 250 metros de altura. Quem escolhe subir a pé acaba por não entender o porquê pavimentar um acesso que não permite o passo de veículos. Será parte dos 300 km prometidos durante a campanha? O coordenador do parque informa que não há um controle do número de visitantes, mas que superam as expectativas. Seria bom saber quanto custou, qual era o valor inicialmente orçado e qual tem sido o custo final. Hora de celebrar? Sim. E também de prestar contas. Com transparência e precisão.

Como não vivemos nem no mirante e nem montados num drone, não são estas paisagens maravilhosas com as que convivemos no nosso dia a dia. A nossa realidade está no nível do chão. A nossa realidade quotidiana é muito diferente. Saber diferenciar entre fantasia e realidade se faz hoje mais necessário que nunca. Ter a capacidade de emocionar-se sem perder o contato com a realidade é o desafio. 

UM BRASIL EM SOBRESSALTO VISTO DO ALTO - E no plano nacional? Nos últimos dias, vimos centenas de cenas aéreas das manifestações do dia 13, imagens que converteram os milhões de brasileiros que se manifestaram numa mancha verde amarela. Na sexta, as imagens das centenas de milhares que foram as ruas para apoiar o governo do PT coloriram de vermelho ruas e praças.  O Brasil do alto fica reduzido a uma massa colorida.

Do alto, é difícil precisar os objetivos de uns e outros, mesmo a quantidade de manifestantes. Os números discrepantes divulgados, pela imprensa, os organizadores e a polícia, mostram o quanto é difícil obter informação precisa olhando desde o alto.

sexta-feira, 18 de março de 2016

A história não nos absolverá *















POR SALVADOR NETO


Vivemos tempos tumultuados, agitados. Tempos em que o ódio vem superando a razão e a tolerância. A crise política chega a temperaturas altíssimas com uma sucessão inimaginável de fatos estapafúrdios em um estado democrático de direito. A investigação da corrupção via Operação Lava Jato, que parecia ser um serviço de limpeza das instituições do país, saiu de um roteiro de descobertas dos cartéis de empreiteiras para seguir um enredo de partidarização da justiça. Um perigo para a nossa jovem democracia.

Quem estuda um pouco de história sabe que a “luta” contra a corrupção foi usada sempre que interesses escusos foram contrariados por governos legitimamente eleitos pelo voto. Foi assim com Getúlio Vargas (1954), e não por acaso já na ocasião o nosso petróleo estava ao fundo da tal luta. Todos sabem como acabou a história. Em seguida, JK teve que suar para disputar a eleição, ganhar e tomar posse. Mesmo assim construiu Brasília, a capital onde dizem, nasceu o “modelo” empreiteiro de fazer política.

A corrupção, ela novamente, ajudou a eleger o udenista Jânio Quadros em 1960 com a sua “vassourinha”, que ia varrer a bandalheira do Brasil. JK foi tachado como o mais corrupto homem público pelos grandes conglomerados de mídia da época. Nada mais atual. Jamais provaram nada contra ele, que teria morte estranha após longo exílio por conta da tão saudosa – ainda bem que para poucos – ditadura militar (1964-1985). Também Jango, que assumiu com a renúncia de Jânio Quadros, sucumbiu aos brados da união entre tradição, família e propriedade contra a corrupção e o tal “comunismo”.

Por incrível que pareça, há quem acredite que no regime militar não houve corrupção. Como saber se a livre manifestação, as liberdades individuais e de reunião, a censura, encobriam o país com o manto do terror, da perseguição a quem pensasse diferente? Sugiro a quem duvide disso estudar... história do Brasil, ou vá neste link para começar a pesquisa. Durante o regime militar foram realizadas obras gigantes como a Transamazônica, Ponte Rio Niterói, Usinas de Itaipu e Tucuruí, entre outras. Quem as construiu? As famosas empreiteiras, praticamente as mesmas que você sabe envolvidas na Lava Jato.

Após a redemocratização, que é bom que se repita, foi conquistada com a luta de muitos brasileiros e brasileiras contra as arbitrariedades e torturas do regime militar – e com a concessão de uma anistia geral até hoje contestada – construímos uma Constituição Federal de 1988. Ela é a lei maior do país, que devolveu aos brasileiros e brasileiras os seus direitos individuais, a cidadania, e direitos que foram negados por séculos ao povo trabalhador. Até hoje essas conquistas ainda são implementadas lentamente, pois são discutidas e aprovadas – ou não – no Congresso Nacional. E lá, o conservadorismo permanece forte, até hoje.

Hoje ao ver o atual quadro de pré-convulsão social provocado por uma ação sincronizada entre parte do MPF, Justiça, Polícia Federal e a grande mídia que já comandou os golpes e tentativas de golpes já citados, tomando por base a “corrupção”, temo pelo futuro do meu país. Como jornalista não posso me furtar a opinar sobre o que vejo, pelo que estudei, e por ver tamanha manipulação midiática que joga irmãos contra irmãos. Quando o maior grupo de mídia do país passa quase 10 horas ao dia divulgando situações somente contra um grupo político, e apenas contra a presidente Dilma e o ex-presidente Lula, não há como disfarçar. O modelo do passado voltou a agir. E sem o menor constrangimento.

Mesmo contra a maré odiosa que só repete o que vê na grande mídia como verdade sem a necessária reflexão, comparação e estudo, é preciso denunciar esses atos que são vendidos como normais. Não, não é normal e tampouco legal levar um ex-presidente sob coerção a um depoimento em um aeroporto sem que ele tenha se negado alguma vez a isto. O ex-presidente não está indiciado, é investigado com toda a força, e até sua prisão preventiva sem qualquer prova já foi pedida. Aos olhos da massa pode ser o máximo. Mas sempre há um detalhe, ele já foi condenado pela mídia.

Não, não é legal, e tampouco natural, que um juiz de primeira instância determine grampos à advogados e seus clientes, à Presidente da República, a Ministros de Estado (todos com foro privilegiado pela CF e Código Penal), os divulgue diretamente à mídia sem o devido processo ao STF. É uma afronta ao estado democrático de direito que conquistamos a duras penas. Atos como esse podem ser a fresta que promove um estado de exceção.

Não, não é natural que enquanto a Câmara dos Deputados é comandada por um denunciado por corrupção, Eduardo Cunha do PMDB - que deveria estar fora do cargo exatamente por isso - o próprio coloca um processo de impeachment da presidente Dilma para tramitar com “urgência” sem qualquer base legal, sem provas, apenas por vingança política e interesses de quem o financiou até aqui. Para lembrar, o processo contra Cunha no Conselho de Ética está paralisado há quase seis meses.

Não, brasileiros e brasileiras, não é legal nem natural que estejamos à beira de uma guerra civil por manipulações midiático-oposicionistas/oposicionistas/judiciais que inflam a massa popular, que emanam uma cortina de fumaça que esconde interesses inconfessáveis pelo poder, pelo nosso petróleo, sem que pelo menos desconfiemos de tudo que se lê, vê, ouve, e claro, compartilha.

Não é razoável que joguemos nossos direitos e garantias fundamentais nas mãos de qualquer pessoa do poder após uma longa luta para tê-los!

Hoje você pode achar legal o espetáculo midiático, a espetacularização dos fatos (?!) veiculados. Mas pense, amanhã podem estar atrás de você, com ou sem provas, com escutas, transcrições pela metade, manipuladas.

Aí você pode pensar: mas depois você se defende. Quem não deve, não teme. Será? É tempo de frear os sentimentos, de pensar muito antes de atacar alguém, um amigo, uma outra pessoa. De acusar sem provas. Você pode estar cometendo uma injustiça gigante, que poderá jamais ser reparada.

E mais: você poderá ser também a vítima, jogando os seus direitos conquistados via democracia, na vala comum que muitos desejam que você jogue. Construir uma sociedade democrática, com todos os vícios e erros que ela tem é muito difícil. Agora, destruir é fácil. Pense nisso. Pense no país. Pense em você. Pense nos seus. Se errarmos mais uma vez, a história não nos absolverá.


É assim nas teias do poder...


Em 16 de outubro de 1953, o jovem advogado Fidel Castro pronunciava a sua autodefesa, após ser preso pelo assalto ao quartel Moncada, em Cuba, – quando tentou derrubar o então presidente e ditador Fulgêncio Batista. “A história me absolverá”, foi a última frase proferida pelo líder da Revolução Cubana e como ficou conhecido o documento que reúne este célebre discurso, que completa 60 anos . Título adapta a frase histórica a esse momento histórico que vivemos.

* Sugiro também a leitura do texto "A culpa é das estrelas?", que escrevi aqui no Chuva há pouco mais de um ano falando sobre essa força propagandista que levou ao nazismo, clique aqui para ler.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Basta!


Oh, não! Descobrimos a corrupção!


POR FELIPE CARDOSO

Após as manifestações de Junho (desdenhada por muitos jornalistas no início), o clamor das ruas por mudanças, resultou em mudança nas coberturas políticas de alguns jornais. Com muita parcialidade, alguns alvos foram escolhidos. Em sua maioria, o Partido dos Trabalhadores entrou na mira de alguns movimentos e veículos de comunicação.

“Nunca se viu tanta corrupção no Brasil”. É a afirmação que se escuta por parte da oposição e de grande parte da imprensa tradicional tupiniquim.

Todo esse espanto e estardalhaço causados por esses grupos é considerado uma desonestidade sem tamanho para quem conhece um pouco da história deste país.

Os portugueses chegaram aqui com dívidas estratosféricas, roubaram e exploraram a terra da população indígena que aqui residia. Junto com outros países europeus, também saquearam e sequestraram os moradores do continente africano, utilizando a sua população para o trabalho escravo.

Aqui, estupraram, torturaram e mataram indígenas e africanos. Abusaram do poder e ensinaram seus descendentes a fazerem o mesmo. Provocaram um verdadeiro extermínio.

Como se não bastasse, os algozes colocaram a culpa de tudo de ruim que acontecia no país nas vítimas das suas perversidades. Indígenas, negros e pobres eram os marginalizados, preguiçosos, criminosos, ignorantes. Ao mesmo tempo em que construíam a imagem de si próprios como os responsáveis por sustentar o país, os detentores da moral e dos bons costumes, os cultos e inteligentes, os trabalhadores esforçados.

Percebe-se que o que vemos hoje é apenas a reprodução da mesma hipocrisia dos séculos passados.

A hipocrisia de uma abolição fajuta, em que tentaram consagrar uma princesa que só fez o que fez por interesses econômicos e manteve ex-escravos sem oportunidades, marginalizados. Hipocrisia de um saque das terras indígenas, afastando e segregando ainda mais as tribos. A hipocrisia dos castigos e torturas que arrancavam carne e sangue dos mais pobres para lucrar.

Por que o espanto? Por que a revolta somente agora? O Brasil foi corrupto desde a sua colonização. Dizer que nunca se viu tanta corrupção neste país é uma injustiça, é uma tentativa de colocar uma venda nos olhos dos brasileiros e brasileiras, escondendo a história, o jogo de poder e interesse que sempre existiu.

Se fossemos julgar os crimes cometidos pela elite brasileira nos séculos passados até os dias atuais, quantos anos de condenação receberiam? Formação de quadrilha, assalto a mão armada, homicídios, torturas, sequestros, estupros, golpes, falsificação, omissão, sonegação…

Como nunca se viu tanta corrupção no Brasil? As mentiras históricas também nos fazem ter uma noção da grande injustiça existente no país.

Diante de todas essas atrocidades que vêm a memória há uma semelhança entre os personagens envolvidos no passado e os envolvidos atualmente. Os que seguravam a chibata e os que apanhavam. Os que perseguiam e os que fugiam. Os que praticavam a tortura e os que eram torturados.

Ontem, quarta-feira (16/03), fez dois anos da morte brutal de Cláudia Ferreira da Silva, assassinada por policiais e arrastada pelo camburão da polícia do Rio de Janeiro. Talvez isso sirva para nos lembrar das corrupções diárias que vemos e praticamos, mas não consideramos como tal, pois o problema está lá, não aqui. Por isso, apenas por isso, nunca se viu tanta corrupção no Brasil.

Sobre a imprensa e as informações que chegam até nós, Milton Santos define bem:

“O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia”¹

Quem está à margem sempre sofreu com a corrupção, sempre pagou o preço por isso, sempre sentiu na pele as consequências das bagunças que acontecem na Casa Grande da política brasileira.

Não há que se ter espanto ou destaque para esse ou aquele caso, para esse ou aquele partido. A questão principal não é saber quem roubou mais, é acabar com o roubo e isso passa por uma mudança profunda e estrutural no sistema econômico e político (auditoria da dívida, reforma política...), realmente democrática, pensada e construída por toda a população, não apenas por coronéis, sinhós e sinhás. Esses já demonstraram que não querem mudar, mas manter os privilégios.

A corrupção brasileira tem a data de fabricação em 1.500 e o prazo de validade pode estar datado para 2016, mas para isso é preciso consciência e coerência. É preciso que os que realmente sofrem se façam ouvir.

¹ SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 38-39.