POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Rolou um “auê”
entre os reaças. Tudo por causa das provas do ENEM, que trouxeram nomes como
Simone de Beauvoir, Nietzsche ou Paulo Freire. Os caras foram à loucura e não
demoraram a armar o berreiro: “doutrinação, doutrinação, doutrinação”. E nem
importa se também apareceram nomes como Hume, Hobbes, São Tomás de Aquino,
Platão ou, imaginem, Usain Bolt. Os caras não querem saber? A reacionaria quer é circo.
A palavra
doutrina tem origem no latim doctrina,
expressão derivada de doceo (ensino).
Ou seja, tem a ver com instrução, aprendizado, aquisição de conhecimento.
Apenas em tempos mais recentes a palavra passou a ser entendida como um
conjunto de teorias que, sistematizadas, formam os fundamentos de uma ciência. Se soa a inteligência, a reacionaria odeia, claro. Há mais ou menos aquilo que Kostas Axelos chamou “rejeição do pensamento”.
Num país como
o Brasil, onde os conservadores representam o que há de mais atrasado, a
palavra ganhou outros contornos. Virou um clichezão a ser repetido por qualquer
iliterato para falar em imposições ideológicas. Ou, numa linguagem que os reaças
talvez entendam, doutrinação é sinônimo de “fazer a cabeça”.
Eis o problema. O
anti-intelectualismo – ao estilo tea
party – estufa o peito e insiste em dar cartas. E rejeição do pensamento ganha contornos
de uma estranha “ciência”: é tudo ao contrário. Enfim, aquilo
que a pessoa não entende - e não quer entender por imperativo ideológico ou abulia
intelectual - é o que ela chama "doutrinação". Qual o perigo? É que o país parece disposto
a mergulhar nas trevas sem ter experimentado as luzes.
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Quadro de Goya |
É nesse meio
obscurantista que surgem Bolsonaros, Malafaias, Felicianos, Rola-Bostas,
Sheherazades, Constantinos e outras hediondezas, como os reacionários das redes
sociais. Afinal, são organismos que só se desenvolvem em ambientes intelectualmente
anaeróbicos. Aliás, essas pessoas são incapazes de perceber que a própria ignorância é
doutrinária.
Um retrato do Brasil? Há
uma pintura de Goya, exposta no Museu do Prado, que pode representar este
momento. O quadro, chamado “Luta com Clavas” (Duelo a Garrotazos), mostra dois
homens a combater na lama – ou areia movediça. Quanto mais lutam mais afundam e
correm perigo. Mas mesmo assim não param de lutar. É o Brasil a se afundar no irracionalismo. Vá de retro, ciência.
É a dança da chuva.