quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Eu escolhi esperar
















POR FILIPE FERRARI


O assunto dessa semana nas redes sociais foi o famigerado teste da Fátima Bernardes de escolher salvar a vida de um policial levemente ferido, ou de um traficante em estado grave. Pouparei fazer qualquer crítica ao programa, já que este atingiu seu objetivo: estar sendo comentado no maior número de mídias possíveis. A polêmica é sempre a melhor forma de propaganda. 

O que chama a atenção nesse processo é a reação das pessoas, prontas a montar campanhas ferozes, dizendo que escolhem o policial com placas, hashtags, vídeos do Bolsolouco. Já outras, correram compartilhas memes e imagens de Jesus e o centurião que o torturava, perguntando se salvariam o criminoso ou o agente do Estado (essa, devo admitir, eu gostei por conta da inteligência e da subjetividade, pois muitos que defendiam que o traficante deveria morrer eram “cristãos”). 

Não vou entrar aqui na discussão inútil que é salvar alguém levemente ferido ou alguém correndo risco de morte. Para isso, o juramento de Hipócrates já nos esclarece o que deve fazer o médico: “Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente”. Não vou nem mesmo entrar no circo midiático que é a questão da guerra civil proporcionada pelo tráfico e pela Polícia Militar, colocando pobres e praças no centro de um conflito absurdo, sendo eles as principais vítimas da chamada “opinião pública”. 

Pessoas se comportam e abraçam causas de uma maneira apaixonada, última, como se realmente tivessem condições e aptidão mental e social para fazer uma escolha como essa. Estudantes de medicina passam por duas ou três cadeiras de ética médica, onde as discussões circulam por entre filósofos, teólogos e sociólogos acerca da dignidade humana, da condição do ser, da efemeridade versus a importância da vida. E as pessoas achando que tem poder de escolha. Mesmo que as pessoas pudessem escolher, quem disse que elas tem tal capacidade? Tem gente que escolhe pastor ruim, cônjuge ruim, time ruim, partido ruim. 

Aliás, tudo hoje se solidifica em duas possibilidades, que nos coloca contra a parede e nos obriga a ter escolhas, apoiar lados, vejamos só: 

- Salvar o traficante ou o policial?; 
- Dilma ou Aécio?; 
- Trump ou Hillary?; 
- Binário da Santos Dumont ou duplicação?; 
- Jean Willys ou Bolsonaro?; 
- Comunismo ou capitalismo?; 
- Escola sem Partido ou Doutrinação Marxista?; 
- Golpe ou democracia?; 
- Bruna Marquezine ou Camila Queiroz? (esse, era o debate de alguns alunos meus ontem). 

A bem da verdade é que 99,8% da população mundial jamais terá realmente qualquer oportunidade de realmente ter poder de escolha sobre algum desses itens. E mesmo que tivesse, é necessário entender que o mundo não é binário, existindo uma miríade de possibilidades que se fazem presentes no dia a dia. 

Eu, que tenho dificuldades sumárias em tomar decisão, e que patino quando tenho que escolher entre vinho e cerveja (essa mistura não rola), e estou diante de uma polêmica como essa, tento a decisão mais sábia possível: eu escolho esperar.

10 comentários:

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    1. Foda-se, ninguém se importa

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    2. Paciência, a gente não escolhe os leitores também...

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    3. É mais um a matar Jesus e salvar Barrabás?

      Acho que minha referência está errada, mas a ideia é válida.

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    4. "Ai, mas eu sou do bem e o bandido só é bandido por causa da sociedade... O poliça sim é o malvado da história..."

      Leve o criminoso pra casa e não chame os policiais, seus hipócritas!

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  2. Não sei o que mais gostei nesse texto, se foi o tom irônico, a aproximação com exemplos reais ou a mensagem. Escolher entre dois SERES HUMANOS talvez não seja a grande questão. Deveria estar sendo debatido a maneira como não ser preciso chegar ao ponto de ter de fazer essa escolha! Ótimo texto. Bruna Fernandes, aluna do mestre.

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  3. "Vem, vamos embora, que ESPERAR não é saber,
    Quem sabe faz a hora, não espera acontecer."...

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    1. Parabéns, Anônimo 11:40. Agora pode tirar suas luvinhas de pelica.

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    2. "Esperar é caminhar", já diz a Palavra Antiga. Pior ainda quando não se sabe e acha que se está pronto para fazer a hora!

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  4. Talvez não propositalmente, mas o título do texto, homônimo ao movimento que prega castidade acima da entrega aos ímpetos hormonais diversos, serve como luva ao partidarismo dualístico e extremismo observado hoje - palavras torpes, iradas, olhos cerrados e punhos fechados, prontos para golpear qualquer um que não pareça estar do mesmo lado que você.

    Aqui, na minha esfera de realidade, acompanho pessoas que proferem as mais cruéis ameaças e desejos àqueles que, unilateralmente, ocuparam a universidade em que estudo, enquanto estes cospem "fascista!" para qualquer transeunte que se aventure próximo ao campus.

    No Facebook temos a imagem nítida e crua da preguiça mental que faz acreditar em qualquer manchete, pautar a ira em qualquer áudio de Whatsapp e, pior, deixar de ter empatia e enxergar o próximo, por mais próximo que seja, como um igual.

    Parem o mundo, acho que não quero esperar; quero mesmo é descer.

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