sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O futuro das direitas no pós-Dilma













POR MURILO CLETO

Se me permitem, vou tomar a invasão do plenário da Câmara ontem, por meia centena de defensores da ditadura militar, para falar brevemente sobre uma distensão prestes a acontecer no Brasil. Me refiro ao que pode ser das direitas por aqui.

Falo no plural porque parto do pressuposto de que há fundamentalmente duas, a liberal e a conservadora, unidas até agora pela sereia do antipetismo. Quem esteve ontem no Congresso pertence à segunda categoria. Em linhas gerais, trata-se de um grupo de saudosos da Guerra Fria que acredita firmemente na ideia de que a política nacional foi tomada pela esquerda. Nada do que se diga vai convencê-lo do contrário. Aliás há muito pouco a se dizer para quem enxerga um painel que homenageia o centenário da imigração japonesa no Brasil como uma versão comunista da bandeira nacional (aqui).

(Não apenas ele, você vai entender depois, mas) Temer tem um problemão pela frente. Precisa encontrar um meio de fazer se sentir representada essa parcela da direita que apostou no impeachment para livrar o país do, vá lá, comunismo e da corrupção, mas que não vai demorar para abrir fogo contra o novo governo. Primeiro porque ele pode ser qualquer coisa, menos um basta na roubalheira. E tanto imprensa quanto procuradores da Lava-Jato já deixaram bem claro que não vão deixar, com algumas exceções, a coesa classe política que derrubou o PT se livrar tão facilmente da exposição. Segundo porque a agenda econômica apresentada pelo PMDB para retirar o país da recessão vai funcionar como um barril de pólvora no meio desse lamaçal.

Explico. Hoje, a direita conservadora da América Latina apresenta traços consideravelmente diferentes da europeia e norte-americana. Aqui ela está centrada em diferentes – porque atualizadas – espécies de macarthismo, sobretudo devido à herança dos regimes militares. Confesso que não fiquei surpreso ao me deparar com panfletos alertando contra a “ideologia de gênero” na campanha pelo “não” ao acordo de paz do governo Juan Manuel Santos com as FARC.

Sobretudo graças à deterioração econômica de países com governos mais identificados com a esquerda, grande parte deles abertamente populista, a direita liberal passou a conquistar espaços significativos novamente. Sem dúvida alguma, a eleição de Macri na Argentina simbolizou essa guinada, já aparentemente irreversível. A coalizão que entregou o poder a Temer sobreviveu com mais ou menos o mesmo discurso: o Estado está imenso, é preciso diminuir. Como a vida das pessoas por aqui piorou consideravelmente, a alternativa ganhou eco. E está sendo comprada rapidamente.

Mas, a despeito de todas as nuances, é preciso dizer que a América Latina começa a rezar a cartilha que abriu caminho para a direita autoritária que apareceu com força na Europa mais precisamente a partir de 2011. Lá os efeitos nefastos da globalização foram sabiamente explorados por uma narrativa mesmo tribalista que colou também na figura do estrangeiro a responsabilidade pelas mazelas do mundo pós-2008. Países de longa tradição humanitária, como é o caso da Dinamarca, tomaram a dianteira rumo ao fechamento de fronteiras e o Tratado de Schengen, segundo grande trunfo da União Europeia – logo depois do Euro – começou a ruir.

A solução para encarar o aumento exponencial da dívida pública e os altos índices de desemprego na Europa é bem conhecida: além da agenda anti-imigração, uma severa política de austeridade que jogou para cima a idade das aposentadorias e para baixo o Estado de bem-estar social. E foi nesse panorama que a direita proto ou assumidamente neofascista ganhou corpo.

E o que têm com isso os cinquenta patriotas que passaram horas no plenário da Câmara ontem chamando desesperadamente por um general? Até hoje, não muito. Mas eles tendem a crescer. Primeiro porque encontram amparo no olvido que pautou o trato do Brasil com o passado recente de autoritarismo no poder. E, segundo, porque o PMDB não tem outra escolha a não ser abandonar de vez o patrimonialismo para afagar quem o alçou a uma presidência da república sem voto. O preço é alto e vai ser pago com um ajuste intolerável. E logo as direitas, hoje ainda em lua de mel, vão romper.

Mas tem mais. Se você tiver condições, veja o tom de Enéas Carneiro (aqui), o último grande nome da extrema direita no Brasil antes de Jair Bolsonaro. Pouca coisa o diferencia de certas simplificações à esquerda a respeito da agenda de Meirelles e companhia.

Não é verdade que a história se repete. E eu não sou futurólogo. Lido com o que já aconteceu. Mas, já dizia o cancioneiro sertanejo, disfarçar as evidências é loucura.





Murilo Cleto é professor, colunista na Revista Forum
e editor do Desafinado Blog (blog)

2 comentários:

  1. O ideal seria o autor discutir sobre “o futuro das esquerdas”, porque “a esquerda da América Latina apresenta traços consideravelmente diferentes da europeia e norte americana”. Explico. É uma esquerda que faltou as aulas de história, na economia só leu Marx e Keynes, desconhece (ou finge desconhecer) as revoluções russa, francesa e americana (limitando-se a revolução cubana), parece ignorar a queda do muro de Berlim, é belicosa, é antidemocrática, é ignorante e arrogante, é autoritária, é fascista.

    Eu, se fosse o autor, não estaria tão preocupado com os gatos pingados que invadiram a câmara reclamando o militarismo. A direita-liberal, essa mesma de Churchill e Truman (que derrubaram o nazismo), de Misses a Merkel, vai assumir os desígnios e colocar ordem na casa. Isso se as esquerdas brasileira e latino-americana não atrapalharem. Porque o principal cabo eleitoral para a extrema direita está justamente nessa esquerda retrógrada que chama os países europeus nórdicos de “comunistas”.

    Como sugeri no início do texto, a esquerda latino-americana tem de escolher se vai continuar a se espelhar em Cuba ou na Europa. Esqueçam o neoliberalismo! Leiam sobre o Liberalismo e as consequências da diminuição do tamanho do Estado, entendam o significado de “Diminuição do Estado”. Foquem nas realidades britânicas, alemãs, holandesas ou até mesmo na norte-americana (porque tantos preferem deixar os seus paradisíacos países “socialistas” para adentrarem no infernal liberalismo dos EUA?). Nesse momento, quanto menos as esquerdas brasileira e latino-americana tentarem o protagonismo, menos consequências desastrosas teremos no futuro do Brasil e do mundo.

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  2. Olha, tá muito estranha essa invasão de militantes de “extrema direita” na câmara. Nenhuma liderança... Todos vieram com ônibus fretados... Hospedaram em diferentes hotéis... Financiados por alguém ou “algo”... Sei não, vimos muito disso nas manifestações pró PT.

    Eu sinceramente espero que sejam apenas integrantes de alguma facção de extrema direita, pois se for que estou pensando que é, estamos lidando com algo muito mais perigoso do que um grupelho de internet simpatizante aos militares no poder.

    Eduardo, Jlle

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