quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ainda a conciliação?





POR CLÓVIS GRUNER

O presidente interino e ilegítimo Michel Temer não tem vivido bons momentos. Desde o afastamento de Dilma Rousseff, uma sequência de eventos infelizes reforçou a impressão de que, no fim das contas, a chicana constitucional a que deram o nome de impeachment foi uma articulação, na melhor das hipóteses, mal intencionada. Não sem surpresa, a constatação de que o governo Temer é fruto de uma maracutaia jurídica e política não mobilizou as multidões indignadas. Antes pelo contrário, das ruas só chega um silêncio constrangedor e constrangido. 

Mas esse silêncio, por outro lado, tem suas próprias nuances. Ontem (20) veio a público os resultados de pesquisa feita pelo Datafolha no final da primeira quinzena de julho, mas que a Folha de São Paulo preferiu esconder de seus leitores, manipulando os resultados publicados. De acordo com o levantamento, 62% dos entrevistados apoiam a tese da renúncia de Dilma e Temer e a convocação de novas eleições como uma saída à crise. Sobre o impeachment, 49% o consideram legal, contra 37% que veem irregularidades no processo. O índice de aprovação do governo é de 14%.

Os números são coerentes com pesquisas anteriores, que já revelavam, entre outras coisas, que um número expressivo de eleitores não acreditava que a corrupção diminuiria com Temer (46,6% em junho). Um índice ainda maior (54,8%) não via diferenças significativas entre Temer e Dilma, nem percebia mudanças substantivas no país. A aprovação pessoal ao presidente interino variou, passando de 11% em maio, para 13% em junho e chegando aos 14% na pesquisa do Datafolha. Subiu três pontos percentuais no período, o que não é muita coisa: ainda mal ultrapassa os dois dígitos e é menor que a de Dilma quando foi afastada (18% em maio). 

Mórbida semelhança – Essas pesquisas mostram pelo menos duas coisas. A primeira: para um número expressivo de brasileiros, a administração Temer tem se mostrado incapaz de responder às expectativas de quem foi às ruas “contra tudo o que está aí” mas, principal e fundamentalmente, contra o PT. Não apenas os escândalos de corrupção não cessaram, como envolvem gente graúda de dentro do próprio governo. Além disso, os vazamentos das conversas entre Jucá, Calheiros e Sarney revelaram que o governo interino foi parido por corruptos para barrar as investigações e assegurar a impunidade. E quem esperava um aquecimento da economia sabe, agora, que vai ter de pagar o pato.

Mas o outro dado revelado pelas sondagens é ainda mais significativo. Ao se confrontar os números de Dilma Rousseff no período imediatamente anterior ao seu afastamento, e os de Michel Temer nesses meses de interinidade, se percebe que há, entre eles, uma curiosa simetria. Entre outras coisas, me parece que essa aproximação estatística é também a representação numérica da percepção, cada vez mais clara, de que as diferenças entre os dois governos são menores do que parecem e do que seus respectivos defensores e detratores querem nos fazer crer. 

Não há nada muito estranho nisso. Afinal, durante mais de uma década, PT e PMDB compuseram uma única e mesma administração, o segundo fornecendo, além da base aliada no Congresso, um vice-presidente (Michel Temer!) para o primeiro que, em troca, soube agraciar o aliado com generosos espaços no governo. Se minha intuição está correta, ou seja, se realmente as pesquisas mostram que tal percepção existe e informa as leituras do atual momento político, é o PT, mais que o PMDB, quem arca com um enorme prejuízo em sua imagem e capital políticos, já bastante comprometidos. Entre outras coisas, porque a consciência dessa proximidade torna mais difícil sustentar a versão segundo a qual estamos a assistir um golpe de Estado, tendo o PT e o governo Dilma como vítimas.

É verdade que a essa versão traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de que não é necessário um exame crítico das próprias condutas: um governo e um partido vítimas de um golpe, afinal, não precisam prestar contas de seus erros. E eles foram muitos, a começar pela forma como o PT manteve e reproduziu as práticas fisiologistas de coalizão, incluindo a aliança com o PMDB. Além disso, durante todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, o governo e suas lideranças passaram meses tentando construir alternativas ao afastamento, incluindo negociações com os mesmos agentes políticos que hoje chamam de “golpistas”. 

O “golpe” e a conciliação – Negociações que prosseguiram mesmo depois de consolidado o “golpe”, como ficou claro na eleição para a presidência da Câmara, na semana passada. Primeiro, o PT ensaiou apoio a Rodrigo Maia, do DEM, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma. Pressionado, recuou. Alegando que um apoio a Luiza Erundina, do PSOL, podia repercutir nas eleições de São Paulo, onde ela disputa com Haddad, o PT apoiou no primeiro turno Marcelo Castro, do “golpista” PMDB, partido de Temer, sob a justificativa de que se trata de ex-ministro de Dilma e um peemedebista “dissidente”, que votou contra seu afastamento. No segundo turno, supostamente para fragilizar Eduardo Cunha, apoiou e votou em Rodrigo Maia, eleito com ampla maioria. 

Historiador ainda subestimado, José Honório Rodrigues defende, em “Conciliação e reforma no Brasil”, que a defesa dos interesses dos grupos dominantes legitimou, historicamente, a exclusão das minorias e o divórcio entre a política e a sociedade. Tal processo foi mais violento porque aquilo que denominou “história cruenta” – a violência estatal, as resistências e conflitos sociais sufocados militarmente, etc... – se fez sempre sob o apelo à conciliação, um mecanismo que serviu, principalmente, para frear processos e movimentos que visavam a ampliação dos direitos e da participação política e democrática. 

Por um breve período acreditamos que poderia ser diferente, mas estávamos enganados: no governo, o PT se valeu das mesmas estratégias conciliatórias, ainda que, em alguns momentos, os resultados dessa política tenham efetivamente favorecido parcelas mais carentes da população. Agora, fora dele, é novamente a ela que recorre, e não ao enfrentamento democrático, como condição de permanecer no jogo político. A conciliação, parece, é o limite imposto à nossa democracia pelas forças institucionais. A renúncia e convocação de novas eleições pode ser uma resposta a ela. Ou mais uma forma de reafirmá-la.

12 comentários:

  1. Acho que está mais para reafirmá-la. A história do "Se você não pode com o inimigo, junte-se à ele" nunca fez tanto sentido, infelizmente. Ainda mais num contexto em que boa parte dos eleitores aceita a "conciliação" e depois se isenta com um "votei no presidente, não no vice", por vezes explicado na brilhante metáfora do "quando compro uma caixa de bombons, não é para comer o Shot"...

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    1. Sim, Rodrigo, também acho que está mais para "conciliação" - e insisto que entendo o conceito na acepção de José Honório Rodrigues, que resumi muito brevemente acima. Ou seja, nesse caso a conciliação não é, necessariamente, algo positivo.

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  2. O governo Temer é legitimo, sobretudo para aqueles que votaram nele, ou seja, que votaram em Dilma Rousseff. Ou a imagem Michel Temer não apareceu no ecrã da urna eletrônica, junto com Dilma, depois de pressionarem os botões 1 e 3?

    Para quem não votou em Dilma, Michel Temer aparece como uma grata surpresa, afinal, apearam uma medíocre e colocaram no lugar alguém que sabe se expressar e delegar atribuições para profissionais competentes.

    Os brasileiros aos poucos estão acordando da década de inércia promovida pela esquerda e pelo PT. Quando os brasileiros, a maioria compreender os reais motivos que levaram alguém com o caráter e incapacidade de Dilma Rousseff a ocupar o mais alto posto administrativo do país, a esquerda – essa aí: rançosa, rancorosa, hipócrita, ditatorial, fascista e demagoga – morrerá e uma nova era política, mais democrática, pragmática e austera nascerá no Brasil e, por conseguinte, na América Latina.

    Por enquanto o governo de Temer é interino e, graças a imaturidade e irresponsabilidade de Dilma, que deveria ter a grandeza de pedir sua renúncia, os brasileiros ainda estão comendo o pão que as incertezas política e econômica amassaram. Mas em agosto tudo isso terá um fim. Dilma, enfim, será definitivamente excluída da presidência e os direitos políticos, como ex-presidente, beneficiarão apenas a ela, e não mais a sua filha, genro e demais familiares.

    Para os historiadores sérios e honestos, Dilma Rousseff terá um lugar no esgoto da história política brasileira.

    Quanto a Michel Temer, que coloque em prática todos os projetos políticos para desburocratizar a economia brasileira, que deveriam ser aprovados há anos. Que diminua a burocracia e o tamanho do Estado. Que venda TODAS as estatais, sobretudo aquela vaca sagrada da Petrobras. Que abra a economia, gere empregos, melhore a vida dos brasileiros e não permita que a esquerda volte a pilhar o país.

    Eduardo, Jlle.

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    1. Eduardo, sempre que leio seus comentário fico pensando o quanto a psiquiatria está a perder em não tomá-lo como objeto de estudo.

      Abraços.

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  3. Esse Eduardo deve ter um belo castelo na Toscana e vai até Mônaco de Angra dos Reis com o seu 90 pés. Não se importaria em pagar r$ 20 o litro da gasolina, pois, até gostaria, já que essa peoazada não teria mais dinheiro para abastecer seus pé de bois e atrapalhar o trânsito dos Reis em suas X6 ou superiores.
    Carlos
    karlosr_silva@yahoo.com.br

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    1. Na verdade o Eduardo é um caso clínico, sério: o sujeito lê a realidade com uma lente, além de distorcida, monotemática.

      Houve um tempo em que dedicava alguma atenção ao gajo, mas quando percebi que o problema é clínico, larguei mão.

      Para esse tipo de lunático há os especialistas.

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  4. Quando não se tem argumentos para criticar a opinião, critique-se o comentarista. É o velho clichê esquerdopata. Este sim , necessita de avaliação e conduta de especialista.

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    1. Não critiquei o Eduardo, Jlle. Eu realmente acredito que o problema dele é patológico.

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  5. O clóvis é eleitor do Temer.

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  6. Claro que sim, 18:16. Se votei em Dilma no segundo turno, consequentemente votei em Temer, já que ele era candidato a vice da chapa. Você leu em algum lugar alguma declaração minha negando isso?

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  7. mas se vc avalizou o cara pq tanta raiva? não vai me dizer q vc tb acha que um golpe está em curso...

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    1. Se você não distingue argumento crítico de raiva, problema seu. Já escrevi o que eu acho sobre o impeachment e o governo Temer uma penca de vezes, aqui e na Revista Fórum. Se lhe interessa mesmo saber (o que eu duvido; deve ser mais uma provocaçãozinha barata), aqui tem um resumo:

      http://www.chuvaacida.info/2016/05/tres-argumentos-sobre-crise-e-o-governo.html

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