quinta-feira, 31 de março de 2016

Partido de Trabalhadores versus Partido de Colaboradores


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Tem uma coisa divertida aqui no blog. Sempre que alguém discorda das minhas posições – nas “raras” vezes em que isso acontece – apela para aquilo que em língua morta alguém decidiu chamar argumentum ad hominem. Ou seja, em vez de contra-argumentar, a pessoa parte logo para a porrada: “petralha”, “comuna”, “esquerdista”. E não faltam acusações de uma suposta ligação ao Partido dos Trabalhadores.

Apressadas conclusões, vagarosa resposta. Há uma diferença entre integrar um partido e estar do lado dos trabalhadores. É uma opção de classe. E isso causa desconforto nos neopolitizados, essa gente intelectuamente moldada pelas redes sociais e pela velha e marota imprensa. Não se sentem “trabalhadores”, pois rejeitam a carga ideológica da palavra. A existência de incomodados entre os acomodados provoca comichão.

Aliás, a palavra “ideologia” também foi amaldiçoada, porque, entendem, indicia uma consciência de classe. Não é aceitável, portanto. Porque o trabalhador morreu. Ou melhor, foi assassinado pelo sistema de economia linguística do capitalismo. Os donos do capital extirparam a palavra do dicionário, primeiro das empresas e depois da sociedade, substituindo-a por essa forma abjeta chamada “colaborador”.

Não é preciso grande exercício mental para entender a lógica. Trabalhador é uma expressão que vem do discurso de classes. É o cara incômodo, que luta pelos seus direitos, que se organiza, faz greve. O colaborador colabora. Numa economia de mercado, nada mais natural que exista um mercado linguístico. Quem detém o poder económico, comunicacional e político pode impor o seu logos.

É um fenômeno que me atrevi a chamar “logocracia”. O poder da palavra. O poder pela palavra. O governo pela palavra. É célebre o diálogo entre Alice e Humpty Dumpty, no texto "Alice do Outro Lado do Espelho", em que o escritor Lewis Carrol sintetiza, de forma despretensiosa mas acutilante, a questão da relação entre linguagem e poder:

- Quando eu emprego uma palavra, ela quer dizer exactamente o que me apetecer... nem mais nem menos – retorquiu Humpty Dumpty
- A questão é se você pode fazer com que as palavras queiram dizer tantas coisas diferentes.
- A questão é quem é que tem o poder... é tudo – replicou Humpty Dumpty.

A conclusão é óbvia. Os donos do poder têm a capacidade de fundar o vocabulário das sociedades. Se linguagem e pensamento são indissociáveis, então a manipulação da linguagem será a manipulação do pensamento. O “colaborador” é filhote dessa contrafação linguística. Parece um pequeno detalhe, mas é muito relevante. Afinal, como referiu Cassirer, “linguagem e pensamento são inseparáveis e... uma doença da linguagem é portanto o mesmo que uma doença do pensamento”.

O processo é muito eficaz. Tanto que a expressão foi assimilada pelo próprio trabalhador, que já se autodefine orgulhosamente como colaborador. E colabora, claro. Isso facilitou sobremaneira a vida dos donos do poder. Se em tempos era preciso baixar o cacete para submeter os trabalhadores, agora a utilização de truques linguísticos ajuda a atingir esse objetivo. Ou acha que não?

A morte do trabalhador pressupõe a morte dos seus partidos. É a gênese dos problemas que temos acompanhado nos tempos mais recentes. Os partidos dos trabalhadores (que não são apenas um) provocam cagaços de morte nos conservadores. Um Partido de Trabalhadores que preserve a consciência de classe sempre poderá fazer muito barulho. Mas um Partido de Colaboradores seria dócil, fácil de manipular, um autêntico paraíso para os fundamentalistas do mercado. Ironia.


É a dança da chuva.

11 comentários:

  1. PAULINHO DA FORÇA = FORÇA SINDICAL = PARTIDO DOS COLABORADORES

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    1. Aliás, "colaboracionismo" é uma palavra muito feia na história.

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    2. Sim, quando este termo abjeto surgiu em meados do fim do século passado, lembrei logo dos franceses aliados do nazistas. Colaborador é o meu carai.Sou trabalhador, vendo a minha força de trabalho,não colaboro com quem quer me explorar.

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    3. Luiz, também não gosto da palavra colaborador é trabalhador mesmo e ponto final, agora associar empregador a explorador não é nada correto.

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  2. É a mesma coisa que chamar um espoliado do governo de contribuinte.

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  3. Você escreve que a carga ideológica do termo "trabalhador" morreu, foi "assassinado pelo sistema de economia linguística do capitalismo". Acho isso tudo uma grande balela! Contudo, se você é contra o capitalismo, porque vive em 2 países que seguem esse regime? Será que é mais fácil sonhar o socialismo do que viver nele?

    A esquerda agoniza!

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    1. Aquele momento em que me sinto na quarta série do primário...

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  4. Ótimo Texto Baço, e diz muito sobre Joinville, onde os colaboradores certamente tiveram peso em eleger o prefeito da cidade desde o primeiro turno

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    1. Colaboradores catarinenses,a maior parte infelizmente, colaboram com a eleição do candidato favorito de seu "colega", o patrão.

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  5. Cara! Garanto que os "néos" não entenderam nada desse belo texto.
    By Ácido.

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  6. Fazer um texto destes em um blog na Meca dos colaboradores não é fácil....

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