sexta-feira, 3 de julho de 2015

Maternagem consciente para quem?

POR EMANUELLE CARVALHO

Há alguns anos, muito tem se falado em maternidade consciente, maternagem e criação de filhos com afeto. Entre as temáticas está a diminuição de horas trabalhadas para cuidado com as crianças, da permanência em casa e o distanciamento do trabalho até que a criança consiga fazer tarefas mínimas como comer e ir ao banheiro.

Essas premissas são de fato muito importantes e possibilitam uma criação com apego, aumentam o diálogo a ligação da mãe com a criança, o conhecimento mútuo, enfim, são muitos os benefícios. Mas o que eu quero pontuar aqui é o privilégios dessas possibilidades.

Em uma sociedade racista e machista ter um filho com a presença do pai é um grande privilégio. Segundo dados do censo IBGE de 2010, uma em cada quatro famílias é chefiada por mulheres. Como não há dados específicos sobre essas famílias, a perspectiva de vários especialistas é de que essas famílias são, em sua maioria, de mães que criam seus filhos sozinhas, com pouca ou nenhuma ajuda do pai(s) de seu(s) filhos.

E se vivemos numa sociedade que remunera suas mulheres com salários até três vezes menores que os homens - nas respectivas funções, tendo em vista que o salário das mulheres negras é em média 35% do salário de um homem branco (no caso de mulheres brancas essa média é de 63%). Como garantir que essas mães conseguiram exercer seu direito de maternidade de forma plena ou minimamente digna?

Além disso, o mercado de trabalho para mulheres é cruel, especialmente para mulheres periféricas com baixa qualificação. Para estas sobram as vagas de operadoras de telemarketing, vendedoras, atendentes além de serviços de limpeza e higiene. Essas áreas de um modo geral pedem dedicação de seis dias por semana. Ora, como trabalhar seis dias por semana, de seis horas por dia (fora o deslocamento) e ainda cuidar da casa, dar educação, fazer comida e ainda se virar com lazer, carinho, cuidados pessoais e sua própria vida enquanto mulher?

Tive meu primeiro filho aos 19 anos, em uma condição econômica bem complicada. Cheguei a ter três empregos ao mesmo tempo, entregar listas telefônicas e trabalhar como atendente de telemarketing de madrugada para conseguir ajudar no seu sustento. Fui fazer faculdade somente aos 22 anos, depois que ele tinha o mínimo de independência e eu podia me dar ao luxo de reduzir os empregos ou estágios para dois.

A lida entre faculdade e filhos só foi possível por ter ao meu lado minha mãe, que se dividia entre trabalhar em uma cozinha industrial como servente, e cuidar de uma criança pequena. Eu, além dos trabalhos da faculdade, das tarefas nos empregos, de cuidar do meu filho, ainda tinha de passar, lavar e cozinhar. Mesmo assim, eu fui uma privilegiada e hoje vivo uma vida muito mais confortável e diferente daquela.

Mas quantas de nós não tem o mesmo acesso? Quantas de nós mal conseguem sustentar a própria casa? Quantas de nós permanecem em um casamento desgastado, difícil e violento justamente porque nossas remunerações e tempo disponíveis seriam ainda mais escassos e não daríamos conta de uma subsistência mínima? Quem consegue pedir o divórcio sabendo que aos filhos e a si mesma restará o abandono e uma vida ainda mais difícil?

A sociedade cobra da mulher proletária uma postura muito superior à cobrada a um homem trabalhador e a mulher classe média. Além da tripla jornada de trabalho (casa, empregos e filhos) ainda temos como obrigação, o dever moral de afeto de prontidão, de compreensão, de estarmos bonitas e sermos bem sucedidas.

Há uma distância inimaginável entre uma mulher classe média e uma mulher periférica. Há um casamento estável, uma família estável, um carro, comida com fartura, roupas novas, brinquedos novos, há educação de qualidade, há estabilidade emocional. Eu não estou dizendo que a vida de mulheres classe média não seja o tempo todo vigiada pelo machismo e a misoginia, e seja também muito difícil, mas é preciso fazer o recorte de classe.

É preciso aproximar os discursos das realidades. É preciso lutar para modificar essas realidades e empoderar essas mulheres antes de julgarmos seu tempo, dedicação e modo de cuidar dos filhos.

5 comentários:

  1. Planejamento Familiar deveria ser uma disciplina a ser lecionada na escola.

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    1. Para osso existe família. Ou a escola tem que ensinar tudo enquanto a mãe trepa com o vizinho e o pai bebe cachaça?

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    2. Planejamento familiar envolve falar de sexo. A sociedade está disposta a levar esse assunto pra dentro da escola? Dúvido muito. Mas, a sugestão não é ruim.

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    3. Anônimo 2. Então essa criança que "a mãe trepa com o vizinho e o pai bebe cachaça" está fadada ao fracasso, em sua visão. Planejamento Familiar e Financeiro nas escolas sim, além de educação sexual. Esse seu conformismo é que estagna o desenvolvimento.

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    4. L.S.Alves, há muito a escola leva assuntos relacionados ao sexo para a escola, porém não são voltados ao tema do planejamento, porque esse vai além do ato sexual, é multidisciplinar. Antigamente tínhamos uma disciplina chamada Organização Moral e Cívica, que os esquerdistas tremem só de lembrar dela, mas que ensinava desde o uso da escova de dentes até a economia doméstica. Se você tiver menos de trinta anos não vai saber do que eu estou falando...

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