quarta-feira, 2 de abril de 2014

Espancar os números


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A autoria da frase é atribuída a Millôr Fernandes (não sei se confere): “estatística é a arte de espancar números até que eles confessem”. Um dia destes dei de cara, aí pelas redes sociais, com um gráfico do “The Wall Street Journal” sobre os pedidos para a remoção de conteúdos do Google, apresentando o Brasil como o país mais ativo nesse sentido.

O gráfico era usado num post que não trazia disfarces: “Brasil é um dos países que mais censura a internet. O Marco Civil protege você ou os políticos?” Ora, o que isso quer dizer? Simples. Eu odeio o Partido dos Trabalhadores, odeio o Governo Federal e, portanto, também vou odiar o Marco Civil. Nada mais interessa. Nem os fatos.

O raciocínio do post é simples: como eu só acredito no que quero, os números terão que dizer o que eu quero que digam. Ou seja, vou olhar apenas para o que me interessa. E fica fácil, porque o gráfico mostra que o Brasil efetivamente está em primeiro. Então, é só pôr tudo no mesmo saco que o Marco Civil e esperar que os outros partilhem.

Ora, qualquer pessoa com dois dedos de testa vai desconfiar. Para começar, é preciso saber que os EUA são o país que produz maior número de requisições para a retirada de conteúdos da internet. Mas parece que neste caso o que serve para os EUA não serve para o Brasil. A democracia deles deve ser mais democrática que a nossa.

Se a pessoa não estiver mal intencionada, então vai entender fácil. Os dados são referentes ao segundo semestre de 2012, ano de eleições no Brasil. E um olhar mais atento para a infografia faz ver que quase metade das requisições são baseadas na lei eleitoral. Isso explica por que os números do Brasil subiram nesse período.

Aliás, basta uma olhadinha para perceber que os outros itens têm a ver com processos de difamação, pornografia, direitos autorais, incitação ao ódio e por aí vai (ver gráfico abaixo). Aliás, se quiserem culpar algum governo talvez seja possível usar as seis - vou repetir, seis - ocorrências referenciadas (pena que a peça não clarifique se é Federal ou Estadual).

É importante salientar que o Google publica um “Relatório de Transparência”, onde mantém informações sobre os pedidos de remoção de conteúdos, seja de governos ou tribunais de países em todo o mundo. Os números apresentam tendência de crescimento, mas como mostram as imagens no fim deste texto, no Brasil a origem dos pedidos não é o Governo Federal.

Portanto, dizer que o Marco Civil pretende trazer censura é balela. Mas imagino que a iniciativa talvez assuste os que querem fazer do digital uma não-terra sem lei. Porque propõe, logo nos primeiros artigos, a “responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei”. Portanto, não temos que ter medo. É só para quem estiver fora da lei.

O gráfico publicado pelo jornal norte-americano é claro. 


6 comentários:

  1. Falou tudo no inicio do texto: "Eu odeio o Partido dos Trabalhadores, odeio o Governo Federal e, portanto, também vou odiar o Marco Civil. Nada mais interessa. Nem os fatos".
    Aliás isto vale também para Bolsa-Familia, cotas, Mais Médicos, Luz Para Todos, e por aí vai...

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  2. Odiar é beeeem mais fácil que pensar.

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  3. É que pra pensar, precisa ter informação. E eles não informam, deformam a informação. Espero q o MC tenha sido o primeiro passo para a lei dos meios!

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    1. Laerte, estes papagaios que descobriram o mundo virtual e se masturbam mentalmente nele não precisam de informação, só precisam expressar suas frustrações através da repetição do ódio e preconceito. Mesmo que a sua classe seja a mais explorada. Não importa.

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  4. Não é exatamente com esses dados do artigo que você vai constatar que o Brasil é um país com pouca liberdade de expressão, e que com o Marco Civil, tende-se a piorar o cenário. Esses dados constatados são apenas um entre tantos outros que colocam o Brasil sempre em posição inferior aos demais. São um conjunto de dados que nós vamos perceber o quanto somos censurados. Basta pesquisar mais, e não fazer apenas generalizações em cima de um. Com um pouco mais de disposição, o responsável por este artigo poderia recorrer, por exemplo, a Freedom House, organização na qual mensura a liberdade de imprensa e coloca o Brasil apenas como um país parcialmente livre.
    Porém, como o dono do artigo só acredita no que quer, os números terão que dizer o que ele quer que digam. Ou seja, ele vai olhar apenas para os números comuns aos seus desejos ideológicos. É fácil fazer isso. Pegue apenas um dado e aponte todos os "erros", conforme sua vontade e finalidade. Sendo assim, a pessoa consegue deformar e ocultar a informação. Mas não vamos nos preocupar, pois qualquer pessoa/leitor, com boa vontade, consegue perceber esse aviltamento jornalístico. Vamos melhorar esses textos, Baço. Você já foi melhor. Tem que por a mão na massa, caso contrário, vai ficar apenas arrotando convicções ideológicas. pelo resto da vida.

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