segunda-feira, 4 de março de 2013

Por que não em Joinville?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Não sou e nem quero ser urbanista. Mas sou um cara que gosta de cidades e que tem algumas ideias a respeito. Sempre do ponto de vista do usuário, claro. A minha visão sobre mobilidade nas urbes é a mais óbvia possível: primeiro as pessoas, depois as bicicletas, os transportes sobre trilhos, os transportes coletivos sobre rodas e, finalmente, os carros. Nem mais.

É o que tenho visto nos lugares da Europa que vou visitando com o tempo. As melhores cidades são aquelas em que eu não preciso de carro. Cidades com enormes espaços para os pedestres. Mas não estou a falar de calçadõezinhos mixurucas como fazem nas cidades brasileiras. São espaços pedonais a sério, amplos, onde as pessoas caminham, fazem compras ou apenas sentam numa esplanada para tomar um café.


E em quase todas as cidades d
as quais mais gosto há um ponto em comum: o metrô de superfície, aquilo que aí no Brasil chamam VLT - Veículo Leve sobre Trilhos. É o transporte civilizado por excelência. No entanto, sempre que toquei no assunto, aqui no blog ou no jornal A Notícia, as pessoas arranjaram as mais esfarrapadas desculpas para não discutir o assunto.

- É caro.
- Não se adequa a Joinville.
- É coisa para o futuro.


Ou seja, é a lenga-lenga do imobilismo provinciano, de gente que nunca pôs o traseiro num veículo desses e que sequer viu o sistema a funcionar. E o pior: é gente que faz o jogo do poder público, que assim se vê livre da obrigação de pôr o assunto na agenda. Afinal, instalar um sistema de metrô de superfície é algo complexo e vai para além dos períodos de quatro anos das urnas.


Aliás, esse é o maior câncer das administrações municipais do Brasil. Não há visões de longo prazo. Porque o prazo mais distendido é sempre de quatro anos. Tudo o que demande mais tempo do que as urnas é logo posto de lado. Porque n0 Brasil governar é trabalhar para a reeleição.


Mas como sou um sujeito insistente, hoje vou fazer uma espécie de reportagem fotográfica a mostrar os lugares onde vi que a coisa funciona, sempre com o tal VLT a fazer interface com outras formas de transporte.

AMSTERDAM - Para começar, a foto mostra uma realidade mais ampla: não apenas o VLT, mas interfaces com vários sistemas transporte (tendo em consideração as especificidades locais), sempre de forma a facilitar a vida das pessoas.



ALMADA (LISBOA) - É a minha cidade. Faz o interface com o trem, ônibus e o barco no rio Tejo (da minha casa ao barco gasto cinco minutos). O projeto começou há uns 25 anos. E faz apenas cinco anos que entrou em funcionamento. A prova de que leva tempo implantar um projeto assim.



BOURDEAUX - Numa zona dedicada aos pedestres, a única interferência é a dos trilhos do metrô de superfície, que aparece lá ao fundo. Se olhar ali à direita vai ver um táxi-bicicleta para tours pela zonas pedonais da cidade. Tirei a foto em preto e branco (Bourdeaux pede fotos nesse tom), mas é recente.





BUDAPESTE - Os húngaros vivem um processo de modernização das suas estruturas, mas ainda mantêm estes veículos do período soviético. O sistema ainda tem carências, mas a base para trabalhar está feita. Também há os veículos novos, mas mostro este antigo porque parece mais charmoso.




LISBOA - O elétrico (é o nome do bondinho) é um antigo sistema usado nas ruas mais estreitas das colinas de Lisboa. Mas essas linhas antigas - onde o bonde concorre com os carros - acabaram por se tornar um ícone da cidade e foram mantidas. A Carreira 28, essa da foto, é viagem obrigatória para qualquer turista.






OSLO - Apesar de ser capital de um país, Oslo é uma cidade pequena, como pouco mais de 600 mil habitantes na sua área urbana (no total são mais de 1 milhão). Mas você pode contar com um eficiente sistema de metrô de superfície e de subway. E atenção à promessa de cumprimento de tempo: 5 minutos.




SEVILHA - É uma das cidades mais interessantes da Espanha - em especial no verão - e a as autoridades têm investido no VLT como forma de melhorar a mobilidade local. Posso estar enganado, mas parece que as obras foram rápidas por lá.




RABAT – Uma contribuição do Jordi Castan, que apresenta a solução em Rabat, capital do Marrocos. Nunca estive na cidade, mas se até na África as autoridades acordaram para a solução, difícil entender que no Brasil ainda achem que é coisa do outro mundo.


30 comentários:

  1. Em uma cidade onde o cara vai de carro na padaria da esquina ?

    Essa " cultura " vai levar gerações para ser modificada.

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    1. Mas se a pessoa perceber que está a ganhar por usar um transporte civilizado, essa mudança cultural pode acontecer mais rápido. Pior é ir deixando para lá... e acabar sem opções e ficar dependente dos ônibus.

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    2. Não só na cidade de Joinville, Luiz. Em todo o Brasil.
      Se fôsse só coisa nossa, seria bem mais facil de mudar. Mas existe um lobby poderosíssimo controlando esse modelo. Que não é coisa recente. Vem da década de 50, quando decidiu-se optar pelo modelo rodoviário ao invés do mais eficiente, barato e lógico ferroviario. De lá para cá seguimos o modelo que nos é ditado que resultou nisso que aí está.

      E acho tremendamente injusto hoje, esse verdadeiro linchamento ao qual os usuários de automóvel são submetidos por um grande grupo de pensadores. Como se toda a culpa fosse deles.
      Culpa a ser expiada usando bicicleta....

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    3. Permita-me discordar, Nelson. O que foi colocado é o comodismo e sedentarismo das pessoas que não vão até a esquina sem carro, e acho sim que em Joinville isto se acentua.
      Tem a ver com a falta de transporte público de qualidade? Sim, mas tem muito a ver com a cultura da veneração do veículo e da total dependência dele.

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  2. Concordo plenamente.. vivemos apenas o dia de hoje, sem planejar o futuro!!
    Só corrigindo.. Budapeste na Hungria, é isso?

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    1. Obrigado. E errei justamente em Budapeste, uma das cidades que mais gosto. Já corrigi.

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  3. BAÇO

    Já sofri bulling politico por tentar convencer que VLT é uma alternativa. Então, como também não sou de desistir fácil, vou ao tema: O VLT, aeromóvel,metrô, troleybus, ônibus movido a hidrogênio ou gás ou híbrido são tecnologias disponíveis a serviço do homem. O planejador escolhe aquela tecnologia que mais se adequa ao seu planejamento. Mas nós nem temos planejamento, como vamos escolher uma tecnologia. Aos que criticam a idéia do VLT afimando que somos um país pobre, que isto é coisa de Europa etc e tal, venho com a seguinte argumentação: Voce se imaginaria viajra de avião a hélice, sem ar condicionado, sem pressurização? Voce já conhece nosso Plano de Mobilidade Urbana e as propostas para o futuro do sistema de transporte público de Joinville? Pois é, nem um nem outro. Aqui não pode nada se não for aquilo que seja do interesse dos operadores de transporte em conluio permanenete com os que detém a caneta. Não há qualquer política pública a cumprir. Estamos a fazer um novo edital de concessão, mas não sabemos axatamente o que vão conceder, pois não existe plano, apenas a minuta de um contrato de prestação de serviço para o transporte das "massas" (Massa de carne humana dentro de latas de sardinha). Por fim, em Sobral, lá no Ceara, uma das cidades com melhor qualidade de vida do Brasil, será inaugurado duas troncais com o VLT. Serão 12 km de linhas que servirão ao transporte coletivo integrado com linhas alimentadoras de ônibus. Lá pode, aqui não. Mas nossa arrogância burra teima em que não sejamos capazes de fazer algo melhor que esta porcaria de transporte público que se eterniza por aqui.

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    1. Sérgio.
      Fazer qualquer coisa sem planejamento é como fazer medicina sem diagnóstico. E nem é preciso ser um entendido no assunto "mobilidade" para ver o VLT como solução. É só experimentar e o bom senso faz o resto. Quanto a Sobral, um dia destes escrevi que é uma das próximas cidades que pretendo visitar, mas não sabia dessa coisa do VLT. Mais uma razão.

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  4. Oi Baço, quando você fala em metrô de superfície você está incluindo os trens? Quando morei aí, eu usava a linha de Cascais e as vezes o Metro em Lisboa. Usei o bondinho também para turismo e o barco no dia mundial sem carro que o governo de Portugal manteve os transportes coletivos gratuitos.
    Os prefeitos primeiro fazem apenas o que sugere os donos das concessionárias, depois eles apenas seguem a tendência de que o número de usuários do transporte coletivo está caindo e por esse motivo não querem investir nisso. Mudança é algo cada vez mais difícil de encontrar em prefeitos eleitos.

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    1. O metrô de superfície já existe em Lisboa faz muitos anos. A linha 15, por exemplo, liga o centro a Belém, sempre acompanhando o rio. O bondinho ainda é usado por moradores, mas virou atração para turista. Mas os transportes coletivos não são gratuitos (nem nunca foram, imagino). Aliás, é o subsídio dos transportes um dos responsáveis pela crise a atual, porque gera déficits brutais para os governos. Em Almada, onde vivo, é misto.

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    2. A linha de Cascais passa por Belém, então deve ser a mesma coisa. Sobre a gratuidade, já falei em outros lugares que minha bandeira principal é a mensalidade, que fará aumentar os usuários e confirmar a necessidade de VLTs.
      abs

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    3. Não é a mesma, Ivan. A linha 15 corre paralela ao comboio (trem) e por vezes usa a mesma estrada que os carros. Mas é um VLT.

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  5. O principal problema do transporte coletivo em Joinville é que há uma predisposição em que seja formatado a partir de um modelo de negocio que atenda os interesses dos operadores do sistema e não das necessidades da cidade. Desta forma a discussão que se oferece é a de manter o mesmo modelo que há, com ajustes menores e se excluem da própria discussão outras alternativas possiveis, entre elas o VLT e outras.

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    1. é Jordi você sempre esta certo, sabes tudo de tudo.. parabéns!conhece tudo de transporte coletivo
      Claudio Aguiar

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  6. Ótimo texto que me fez enxergar com outros olhos esse tipo de transporte.

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  7. Zé é bom saber queres conhecer a Pincesinha do Norte (Sobral) nasci la mas isto é uma outra historia....tenho muita saudade .quem diria

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    1. Publiquei um texto no AN a falar nisso, Rebeca. "O fato é que a literatura serve de inspiração. Neste momento tenho o projeto de ir até Sobral, no Ceará. Nem sei se o lugar é turístico, mas tomei a decisão depois de ler um texto sobre Arthur Eddington, o britânico que ajudou a comprovar a lei da relatividade de Einstein. Fotos de um eclipse em Sobral foram essenciais nesse trabalho".

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  8. Baço, tem muita coisa obscura por trás do transporte brasileiro...
    Veja bem, somos o 3° maior país do mundo, e não temos uma linha férrea decente para transportar as mercadorias de um lado pro outro nesse enorme e corrupto país.
    Outro problema em muitas cidades é a baixa qualidade do transporte público e as péssimas condições das ruas nos bairros, sem contar as "pessoas" que pegam ônibus, quando o ônibus para no ponto as pessoas ficam se empurrando pra entrar e pegar lugar no banco, fila aqui não existe!!!
    Enfim e quase de acordo com seu texto, solução para melhorar o transporte e a qualidade e custo de vida existe sim! O que não existe é interesse por parte dos políticos ...
    Afinal , o PetroDolar ainda manda e muito por aqui.

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    1. Não tem ferrovia? Isso tem nome: ditadura civil-militar.

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    2. Não Felipe. Isso já foi decidido bem antes, no governo JK.
      De lá pra cá ninguém ainda teve peito de mudar esse modelo. Inclusive os militares.

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  9. Texto perfeito, só acrescentaria um destaque para a motorização elétrica que é mais uma vantagem muito relevante dos VLT's.

    Também poderia ilustrar com uma imagem da linha de 7km de VLT's que funcionou em Joinville de 29/1/1911 até 10/4/1917. http://www.novomilenio.inf.br/santos/bondes/bras17a.jpg

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    1. Dirk, não falei na questão da eletricidade porque é dado adquirido. A coisa está tão evoluída nesse plano que já tem gente pensando em carros de corrida elétricos ou híbridos. Se tiveres tempo, dá uma olhadinha no Washington Post.

      http://www.washingtonpost.com/politics/federal_government/bringing-green-vehicle-technology-to-auto-racing/2013/03/04/cf02e7a8-84da-11e2-999e-5f8e0410cb9d_story.html?wpisrc=nl_headlines

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  10. Trabalhei na PMJ e vivenciei muito isto: os planos e projetos são imediatistas e eleitoreiros, e realmente coisa que demore mais de 4 anos fica pro final da lista (ou nem fica).
    Viadutos, VLT, ciclovias (de verdade) ligando a alguma coisa, tudo parece impossível em Joinville, maior economia de SC e 3ª do Sul do Brasil. Deveria estar um pouco mais em condições para implantar isto do que Sobral, a 5ª cidade do CE (sem querer desmerecer esta).
    A partilha do bôlo no Brasil é desproporcional entre União, Estados e municípios, temos que ralar prá sustentar tanto político, empreiteiras, amigos destes e todas as mordomias possíveis.
    Isto me faz lembrar de um cunhado meu, já falecido, e que tinha fama de brigão e ignorante na família. Vivia dizendo que a solução era pegar em armas e rumar para Brasília depor toda esta corja, para zombaria de muitos que o ouviam.
    Ultimamente, devo confessar, fico pensando se ele não estava certo.

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  11. Se alguém souber de alguma cidade do Brasil que realmente funcione um VLT de fato, me digam. Daí acreditarei que é um problema apenas de SC aprovar este tipo de modal. Mas é injusto falar que é um problema apenas de Joinville, de Blumenau, Florianópolis! Há um lobby muito grande por detrás disto, eu diria que não é um problema apenas brasileiro, mas também sul americano! Vejam o Chile, o país relativamente mais avançado da América do Sul, por que eles não tem? Tem alguma coisa que encarece demais este tipo de modelo de transporte, e parece que isto não irá se resolver tão cedo! Vejam os projetos que estão saindo no Brasil, superfaturamentos absurdos, linhas ligando lugar nenhum a lugar algum, falta de planejamento (exemplo: implantando em lugares que nao terão pasageiros depois da copa)... Não sei, VLT na verdade é um tipo de transporte que exige manutenção permanente, no Brasil? Imagino VLT's sucateados em menos de 3 anos, vandalismo, todo tipo de coisas ruins que o brasileiro é capaz de fazer!

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  12. Que é isso Baço? VLT em Joinville é exigir demais!!! Não força que a Gestapo espana!

    Acho que Crato e Juazeiro do norte tem condições econômicas, sociais e industriais muito melhores que Joinville para ter um transporte desta elevada qualidade.

    Joinville nem chega perto do PIB e da Renda per capta que Crato e Juazeiro do Norte tem! Ah, e nem vou falar do parque industrial de Crato e Juazeiro do norte ... quiçá de suas riquezas e as belezas naturais do seu sertão.

    Nem vou entrar no mérito das bem sucedidas tecnologias 101% N-A-C-I-O-N-A-I-S para estas tecnologias de VLT! Tem uma gaúcha em particular que deixariam qualquer europeu com inveja...

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    1. Eu tava pesquizando sobre VLT, e vi seu comentario sobre o trem do Crato, eu sou do Ceará, e te digo, VLT do Crato, na verdade nem VLT é. Aliáis, é praticamente um fracasso, porque vive vazio!

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  13. Muito bacana!!! Vou te indicar para o IPPUJ...putzzz!!!

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  14. o trem do cariri quando foi concebido tinha o intuito de transportar 5000 pessoas por dia, atualmente não transporta nem 900... é disto que eu falo em relação a falta de planejamento!

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    1. Atenção, caro Anônimo. O meu texto fala em interfaces. Ter um VLT que não se liga a nada não é exatamente a minha ideia: eu defendo o transporte intermodal.

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