segunda-feira, 11 de abril de 2016

A "tia do Fort Atacadista" e as drogas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Todos tivemos conhecimento do episódio ocorrido no Fort Atacadista. Apanhada a furtar, uma mulher foi submetida a tratamentos degradantes. Num filme, funcionárias do supermercado obrigavam a mulher a comer um ovo cru. Em outra imagem, a mulher aparece numa câmara frigorífica, com as suas algozes a atirarem água gelada sobre ela.

O episódio transpôs as fronteiras de Joinville. As imagens se espalharam pelo Brasil – e até no exterior – através das redes sociais. A repercussão negativa levou a direção do supermercado a emitir uma nota à imprensa, informando que as funcionárias tinham sido demitidas por justa causa, bem como o chefe da segurança.

O que dizer? É barbárie. Nada a acrescentar. Mas em meio a toda a celeuma uma discussão passou batida: a questão das drogas. Tomo o exemplo do fac-símile (no final do post), que traz o seguinte texto: “A tia do caso do Fort Atacadista foi presa portando crack. Quando ela for solta, provavelmente vai precisar roubar novamente. E daí?”.

Mais abaixo, o autor da nota revela que o irmão também é usuário. E diz que não seria assim se ele tivesse tomado umas surras na época devida. É o tipo de mentalidade que ainda prevalece no Brasil, onde há uma estigmatização dos usuários de drogas: o lugar deles é a cadeia. Quando saem, voltam à má vida. E temos um ciclo vicioso (sem trocadilho).

As pessoas parecem estar desatentas: não será hora de falar em descriminalização do consumo de drogas? Não é chegado o tempo de começar a tratar a dependência química como doença e não como crime? A questão é séria demais para ser deixada na mão de moralistas, em especial os que pululam nas redes sociais.

Não sou especialista sobre o assunto. Se alguma “autoridade” tiver nessa discussão será pelo fato de viver em Portugal, onde o consumo de drogas (todas e não apenas a maconha ou haxixe) foi descriminalizado há 15 anos. E com sucesso. Mas atenção, para evitar confusões: descriminalizaram o consumo e não as drogas.

O modelo português é referência para outros países, mesmo os mais desenvolvidos. O que aconteceria à mulher do Fort Atacadista se ela estivesse em Portugal? Em vez de viver a entrar e a sair da cadeia, certamente estaria a receber tratamento médico. O país tem  cerca de 40 mil pessoas em tratamento e os resultados são positivos e mais que visíveis.

1.     Há menos mortes provocadas pelo uso de drogas menos doenças (overdoses, por exemplo).
2.     Tem diminuído o número de usuários contaminados com o HIV-AIDS, o que tira os custos governamentais com os tratamentos.
3.     Houve uma diminuição do consumo entre jovens na faixa etária dos 15 aos 19 anos.
4.     Sem ter que se preocupar em prender usuários, a polícia pode dedicar mais tempo a investigar traficantes e produtores.
5.     Sem prender usuários, diminuiu a população carcerária.
6.     Com as autoridades de saúde a ministrarem os tratamentos de forma gratuita, diminuíram os crimes de pessoas que tentam obter dinheiro para a droga. Seria, por exemplo, o caso da mulher do Fort Atacadista.

A questão é complexa e não cabe num simples texto de blog. Mas não há dúvidas de que o Brasil precisa de uma mudança de mindset: esquecer os preconceitos e os moralismos para tratar a questão das drogas como uma doença. O país só tem a ganhar com isso.


É a dança da chuva.






Passarinhos...não passarão.


É melhor não confundir insônia com trabalho

POR JORDI CASTAN

Escrever todas as segundas é meu compromisso com os leitores e os demais companheiros do Chuva Ácida. Uma das recompensas de escrever aqui é poder interagir com os leitores que, através dos seus comentários, promovem um debate de ideias e conceitos. Há de tudo nesta vinha do Senhor, mas o post da semana passada "Fazer campanha contra os candidatos desonestos" mereceu um comentário do leitor que se identificou como “Anônimo 2” e que me motivou mas que a responder nos comentários a aprofundar o debate aqui.

Há, no mundo da política, um processo de construção de imagem dos políticos. Há uma estrutura poderosa e custosa que se dedica dia e noite a fabricar mitos, a promover a imagem de cada um deles, de acordo com os anseios do eleitorado. Quem ainda lembra a imagem do Tebaldi dirigindo uma patrola ou com um capacete vistoriando obras? O objetivo era o de promover a imagem de ação. Alguns acrescentam a estas imagens “construídas”, acompanhadas de motes adequados, como: “Este sim que trabalha”, ou “Não há segredo, há trabalho” contribuem a projetar a imagem que o eleitor quer ver.

Para isso os marqueteiros e os institutos de pesquisas trabalham constantemente. Se o problema é a saúde, nada melhor que mostrar alguém que conhece de saúde e com experiência. Se as pesquisas identificam que o eleitor prefere um gestor, pois se destaca a imagem do gestor, o empresário de sucesso que administra com competência e conhecimento. Assim se constroem imagens para atender as demandas do mercado “eleitoral”.

No imaginário joinvilense a imagem do político trabalhador vende muito bem. Há, na idiossincrasia do eleitor, uma fascinação por quem acorda cedo e trabalha até tarde. Há  uma mensagem forte nessa imagem. Forte sim, mas superada pela realidade. Há uma mudança sensível de modelo. Cada vez mais são importantes os resultados e menos os cumpridores de horário. É mais importante a eficácia e a efetividade, do que passar horas a fio fazendo o que deveria ser feito em menos tempo e de forma mais eficiente.

Indo um pouco além, o eleitor já começou a entender que não há sentido em fazer bem feito aquilo que não precisa ser feito. Ver a administração pública como um referente de inépcia tem um impacto terrível sobre a imagem do administrador municipal. Temos que nos perguntar: de que adianta acordar tão cedo, se não é possível ver os resultados de madrugar tanto? É bom não confundir insônia com trabalho. Porque o eleitor que ver a sua cidade melhor, isso é a única coisa que lhe interessa.

O tema da honestidade dos políticos é apaixonante. Há uma tendência, neste momento, em confundir honestidade com não roubar, com não receber propina, com não ser corrupto. O conceito de honestidade do homem público é muito mais profundo. Vai muita além desta visão simplista de honestidade e desonestidade.

Podemos considerar  honesto o administrador que oferece cargos a comissionados apadrinhados por legisladores em troca de apoio? É honesto aquele que promete fazer obras e entregá-las em prazos que sabe que não cumprirá? Podemos considerar que é honesto fazer promessas sem intenção ou sem possibilidade de ser cumpridas, com o único objetivo de iludir o eleitor? Ou são desonestos só os políticos que roubam? Em outras palavras, alguém acredita mesmo que os nossos políticos são honestos? Que conseguiriam passar 24 horas sem mentir uma única vez? Ou o próprio eleitorado é o culpado, porque gosta de ser iludido e prefere candidatos que não dizem a verdade? As perguntas estão postas. E você, o que acha?

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Já chega de pontes que nos levam ao passado















POR SALVADOR NETO

O O PMDB, este partido que não sai dos governos federais desde 1993, já teve seus dias de glória. Mas foi nos tempos em que ainda era o velho MDB na ditadura. Hoje, em que pese ter valorosos militantes nos municípios brasileiros, é reconhecidamente o herdeiro do antigo PFL, hoje DEM. Há governo, estou dentro.

Com uma cúpula muito esperta, ao ver o projeto do qual é parte como vice-presidente com o “estadista” (sqn) Michel Temer fazer água na guerra santa produzida por economia ruim x crise política, imediatamente passou a conspirar contra o próprio governo que ajudou a eleger. É filme velho na história política brasileira, basta estudar.


A novidade é o projeto que anunciaram como a salvação da lavoura Brasil, o tal “Ponte para o Futuro”. Na verdade não é projeto, é uma senha para atrair apoios a um capital ofegante por “pegar” o Brasil novamente em suas mãos, sinalizando que a prática neoliberal voltaria com muita força. Para resolver questões “fiscais”. De fato o conteúdo não tem absolutamente nada de futuro, mas tem tudo de passado. Deveria chamar-se de “Ponte para o Passado”, pois nos remete ao país que vivemos entre 1994-2002 nos governos FHC do PSDB/DEM e... PMDB.

Programas sociais que custam ao governo, como o Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Mais Médicos, Fies, Pontos de Cultura, Seguro-desemprego, Pronatec, Ciência sem Fronteiras, etc, seriam cortados. Concentrar os programas sociais apenas nos mais miseráveis, os 10% mais pobres, que vivem com menos de 1 dólar por dia. Afinal, para quê mais que isso não é? Nada mais do passado quanto isso. Fim da política de valorização do salário mínimo, de todas as políticas sociais que elevaram mais de 50 milhões de brasileiros de classe social. Privatizações, ah isso seria mais que acelerado, seria imediato. Afinal, para quê Petrobras?

A defesa por uma volta ao passado defendida pelo PMDB já chegou aqui em Joinville há quase quatro anos. Em 2012, graças à sabedoria política do engenhoso ex-senador LHS, os eleitores aceitavam o empresário Udo Döhler como a “salvação da lavoura Joinville”. Diziam que era um homem visionário, preparado, entendia tudo de saúde, a infraestrutura iria mudar, pavimentações seriam aceleradas, enfim, a ponte para o futuro de Joinville estava ali. Só que não. O que se vê hoje é uma cidade abandonada, mal cuidada, com pessoas doentes sem leitos nos hospitais, ainda com falta de medicamentos nos postos de saúde.

Os buracos ocuparam as ruas, as praças esperam alguém para cuidar delas, e o povo também. De pontes, nem algum rascunho da prometida ponte do Adhemar Garcia, estupenda, saiu da ponta do lápis, que dirá do papel. Os bairros esperam o asfalto, e também o pedido de desculpas por tanta incompetência. Passado, é isso que o PMDB trouxe à cidade, assim como hoje quer fazer com o país. Passado. Não precisamos mais de passado. Precisamos avançar verdadeiramente ao futuro. Udo é passado, uma ponte que foi só miragem.

Para finalizar a grande obra da gestão do PMDB/Udo, a pérola da inovação foi a seguinte: para trocar os secretários que saíram para disputar as eleições de outubro, Udo caprichou. Colocou um médico na educação, uma advogada na saúde, um militar na secretaria de assistência social, um jornalista assessor de imprensa no esporte e um comerciante na cultura. Das duas uma: ou são muito competentes (estão no governo desde 2013 e nada...), ou não há mais ninguém aceitando estar nesta ponte que cai. De pontes o PMDB entende, mas sempre para o passado. Joinville e o país querem mais é futuro. E dos bons.

É assim nas teias do poder...

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Gesto político, retórica jurídica

POR CLÓVIS GRUNER

Não eram poucos os que achavam, há até poucos dias, que o impeachment de Dilma Rousseff era certo. A corroborar com essa percepção, a disposição manifesta do presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Eduardo Cunha, réu no STF, em não apenas acelerar o rito parlamentar, mas conduzi-lo de forma a facilitar a decisão favorável pela abertura do processo e seu encaminhamento ao Senado. Nos últimos dias, no entanto, uma sequência de eventos deixou incomodado quem é favorável ao impeachment, e tinha pressa em votá-lo. Destaco dois.

O primeiro foi a decisão do ministro do STF, Marco Aurélio Mello, de dar prosseguimento ao pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer, decisão que contraria os planos do PMDB e da oposição, que já articulava com o vice um eventual futuro governo: em entrevista à Folha, José Serra defendeu que Temer deveria montar um “governo extraordinário” para contornar a crise. Ciente da possibilidade de que o futuro presidente talvez não seja Temer, mas Cunha, voltou atrás: o impeachment, disse mais recentemente, não é suficiente para resolver a crise.

No começo dessa semana, o Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, foi ao Congresso apresentar, diante da Comissão Especial, a defesa do governo. Ex-ministro da Justiça, onde teve atuação medíocre, Cardozo fez agora a lição de casa, e ao longo de aproximadamente uma hora e meia tratou de desconstruir os argumentos da acusação, assinada por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e a jurista neopentecostal Janaína Paschoal. E acusou Eduardo Cunha do crime de desvio de função, ao usar seu mandato e condição de presidente da Câmara, para vendetas contra o governo.

O paciente ainda respira – Se tomados isoladamente, os dois eventos já bastam para fragilizar a hipótese do impeachment. Mas não é só. As tentativas de associar o governo Dilma às investigações da Lava Jato, ligação que a rigor nunca existiu, se mostram cada vez mais ineficientes. Além disso, as manifestações dos dias 18 e 31 de março sinalizam que, mesmo fragilizado, o governo ainda respira, e que o impeachment está longe de ser unanimidade: mesmo entre vozes que discordam de que está em curso um golpe de Estado, cara ao governo e aos governistas, não são poucos a apontar o caráter viciado e desvirtuado do processo.

Talvez isso nos ajude a entender a insistência com que alguns veículos de comunicação, formadores de opinião e juristas vem ocupando espaços privilegiados na tentativa de deslocar a discussão para o campo jurídico, mais árido e, por isso, também impenetrável para uma parcela expressiva da população. A intenção é fazer crer que o que está em curso é um problema legal quando, na verdade, se trata de uma disputa eminentemente política. A própria denúncia não escapa a isso: o corpo principal do documento, um calhamaço de 65 páginas, é um arrazoado dos discursos pró-impeachment de entidades como o MBL e o Vem Pra Rua e, não por acaso, seus respectivos dirigentes, Kim Kataguiri e Rogério Chequer, são signatários do documento.

Nele, entre outras coisas, lê-se que a “motivação e o conceito de julgamento dos juízes [os deputados federais] no processo de impeachment são exclusivamente políticos, apesar do sólido respaldo jurídico demonstrado nesta denúncia”, contrariando o preceito legal segundo o qual, o impeachment é um rito político e jurídico. O festival de atrocidades prossegue: a “natureza preponderantemente política do processo de impeachment”, diz o documento a certa altura, “permite que os parlamentares, inclusive, levem em consideração ilícitos que venham a ser desvendados, após a apresentação da denúncia, sem necessidade de aditamento”, o que é falso, mas serve como mote para que sejam incluídos, como “provas”, entre outras coisas, que Dilma entregou o país a “um ex-Presidente, que precisa explicar à nação sua riqueza acumulada”. O viés político é ainda mais gritante quando seus autores apelam à pesquisa realizada pela Folha de São Paulo e ao número de assinaturas “colhidas pela plataforma www.proimpeachment.com”, a dar testemunho, ambos, que o impedimento é incontornável.

A política do espetáculo – Publicado no final dos anos de 1960, “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord, chamava a atenção para o papel desempenhado pelas imagens na espetacularização da vida pública. Para o pensador francês, das relações interpessoais à política, tudo foi espetacularizado e tornado mercadoria. Contraponto crítico à visão algo apocalíptica de Debord, o intelectual norte americano Henry Jenkins defende, no que chama de “cultura da convergência”, um olhar às novas mídias, especialmente as digitais, atento à sua dinâmica participativa e interativa. Para Jenkins, a informação deixou de ser monopólio de alguns poucos veículos; ela circula e é consumida por públicos distintos e em plataformas midiáticas as mais diversas.

As duas perspectivas, me parece, convergem e podem fornecer uma interessante chave de leitura para nosso processo político. Em linhas gerais, meu argumento é que a denúncia contra Dilma se apresenta como um discurso político porque seus autores sabem que, em tempos onde as mídias alternativas reproduzem e compartilham gestos políticos, configurando seus sentidos, é preciso falar a língua das multidões virtuais. Se o processo é político, e se Dilma será julgada não pelo que estabelece a Constituição, mas com base no número de assinaturas de uma plataforma virtual, não há incoerência em tentar emprestar algum grau de legitimidade jurídica a um gesto que é, sabemos, político.

Ao mesmo tempo, tal legitimidade é importante porque ajuda a encobrir os muitos vícios do processo. A começar pelo fato de que 31 dos deputados que julgarão Dilma Rousseff são investigados por corrupção, e um deles, Eduardo Cunha, que como presidente da Câmara conduz o processo, é réu no STF. A luta, portanto, não é pela normalidade constitucional, mas pela sobrevivência política. Além disso, as pedaladas fiscais – único argumento jurídico da denúncia – não são suficientes para justificar o impeachment, entre outras coisas, porque mesmo entre juristas está longe de existir consenso sobre serem elas, de fato, um crime de responsabilidade tal como previsto na Constituição.

Ainda sem respostas – Frágil, mas não inteiramente descartada, a tese do impeachment só se justifica e sustenta, portanto, politicamente. A mim, parece cada vez mais claro que a permanência ou não de Dilma à frente do governo independe de argumentos jurídicos, porque o que está em curso é um embate político e partidário. Ciente do que está em disputa, o governo joga com o que tem, negociando no varejo cargos em troca de votos, na tentativa de recompor uma base “aliada” (as aspas são fundamentais aqui) depois de ter sido abandonado pelo PMDB, sócio no condomínio da governabilidade ao longo da última década.

Se a farsa do impeachment não resolve a crise, a verdade é que tampouco a continuidade do governo Dilma oferece solução a ela. Especialmente porque, se permanecer no Palácio do Planalto, o PT governará em condições ainda mais frágeis, tendo de enfrentar um descontentamento popular que não dá sinais de recrudescer a curto prazo, um congresso e uma oposição ainda mais hostis e ressentidos com uma eventual derrota, e tendo de pagar a fatura da governabilidade cedendo à pressões de partidos como PP e PRB, de um fisiologismo ainda mais escancarado e vergonhoso que o do PMDB.


Na prática, e salvo alguma mudança abrupta de rumo, o governo Dilma acabou, independente se o mandato se encerra agora ou em 2018. Aqueles que, como eu, são contrários ao impeachment, resta saber se vamos sustentar, em nome de uma difusa e genérica defesa da democracia e do Estado de direito, um governo agonizante, ou ao menos estamos dispostos a pensar em alternativas que, no limite constitucional e sem ferir de morte nossa frágil democracia, apontem algum caminho possível que não o da mera continuidade. Uma coisa me parece certa: dessa vez, a saída não é a conciliação. Não é mais possível superar a crise sem traumas.