POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Todos tivemos conhecimento do episódio ocorrido no Fort
Atacadista. Apanhada a furtar, uma mulher foi submetida a tratamentos
degradantes. Num filme, funcionárias do supermercado obrigavam a mulher a comer
um ovo cru. Em outra imagem, a mulher aparece numa câmara frigorífica, com as
suas algozes a atirarem água gelada sobre ela.
O episódio transpôs as fronteiras de Joinville. As
imagens se espalharam pelo Brasil – e até no exterior – através das redes
sociais. A repercussão negativa levou a direção do supermercado a emitir uma
nota à imprensa, informando que as funcionárias tinham sido demitidas por justa
causa, bem como o chefe da segurança.
O que dizer? É barbárie. Nada a acrescentar. Mas em meio
a toda a celeuma uma discussão passou batida: a questão das drogas. Tomo o
exemplo do fac-símile (no final do post), que traz o seguinte texto: “A tia do
caso do Fort Atacadista foi presa portando crack. Quando ela for solta,
provavelmente vai precisar roubar novamente. E daí?”.
Mais abaixo, o autor da nota revela que o irmão
também é usuário. E diz que não seria assim se ele tivesse tomado umas
surras na época devida. É o tipo de mentalidade que ainda prevalece no Brasil,
onde há uma estigmatização dos usuários de drogas: o lugar deles é a cadeia. Quando saem, voltam à má vida. E temos um ciclo vicioso (sem trocadilho).
As pessoas parecem estar desatentas:
não será hora de falar em descriminalização do consumo de drogas? Não é chegado
o tempo de começar a tratar a dependência química como doença e não como crime?
A questão é séria demais para ser deixada na mão de moralistas, em especial os
que pululam nas redes sociais.
Não sou especialista sobre o assunto. Se alguma
“autoridade” tiver nessa discussão será pelo fato de viver em Portugal, onde o
consumo de drogas (todas e não apenas a maconha ou haxixe) foi descriminalizado
há 15 anos. E com sucesso. Mas atenção, para evitar confusões:
descriminalizaram o consumo e não as drogas.
O modelo português é referência para outros países, mesmo os mais desenvolvidos. O que aconteceria à mulher do Fort Atacadista se ela
estivesse em Portugal? Em vez de viver a entrar e a sair da cadeia, certamente
estaria a receber tratamento médico. O país tem
cerca de 40 mil pessoas em tratamento e os resultados são positivos e mais
que visíveis.
1. Há menos
mortes provocadas pelo uso de drogas menos doenças (overdoses, por exemplo).
2. Tem
diminuído o número de usuários contaminados com o HIV-AIDS, o que tira os
custos governamentais com os tratamentos.
3. Houve uma
diminuição do consumo entre jovens na faixa etária dos 15 aos 19 anos.
4. Sem ter que
se preocupar em prender usuários, a polícia pode dedicar mais tempo a
investigar traficantes e produtores.
5. Sem prender
usuários, diminuiu a população carcerária.
6. Com as
autoridades de saúde a ministrarem os tratamentos de forma gratuita, diminuíram
os crimes de pessoas que tentam obter dinheiro para a droga. Seria, por exemplo, o
caso da mulher do Fort Atacadista.
A questão é complexa e não cabe num simples texto de blog.
Mas não há dúvidas de que o Brasil precisa de uma mudança de mindset: esquecer
os preconceitos e os moralismos para tratar a questão das drogas como uma doença. O país só
tem a ganhar com isso.