quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Mania de historiador


POR VALDETE DAUFEMBACK

De acordo com Hobsbawm, o papel do historiador é relembrar o que os outros esquecem. Talvez seja em face desta responsabilidade que o historiador tenha uma profunda empatia por folhas escritas que o tempo se encarregou de lhes conferir o status de documentos, uma das fontes de pesquisa para compor a narrativa histórica.

Particularmente, admiro quem consegue facilmente se desfazer de papeis após a sua utilização primária, ou excluir informações antigas do computador sem que o sensor interno ponha limites à capacidade de descarte.

 No turbilhão das atividades profissionais não tenho muito tempo para selecionar, guardar ou descartar correspondências e informativos que chegam por via eletrônica, ou em suporte físico (livros, revistas, textos, fotos, cadernos de anotações, cartões, cartas, listas de nomes) que se acumulam durante o ano. Mas as férias têm múltiplas serventias, não são apenas para repor as energias, como querem alguns profissionais da linha utilitarista. Servem também para dar aquela atenção aos cômodos da casa e ao computador, a fim de aliviar a bagagem acumulada.

Como estava decidida em passar a limpo uma parte da minha história, revisitei gavetas que há muito tempo permaneciam guardiãs de lembranças. Entre os inúmeros papeis como comprovante de pagamento de mensalidades dos tempos da faculdade, holerites e notas fiscais, havia raridades como fotos, cartões e cartinhas enviadas por alunos. Uma cartinha amarelada pelo tempo me reportou a momentos significativos da minha profissão. Penso que consegui fazer a diferença na vida de alguém que precisava de apoio. Dobradas e coloridas, outras cartinhas se encontravam em envelopes. Eram de meninas, ex-alunas, que sentiram a minha ausência quando saí da escola em que lecionava e como pretextos escreviam cartas solicitando explicações sobre determinados temas históricos. Por que guardei durante tanto tempo estes papeis? Não encontro resposta racional. São coisas da alma. Ou será que é mania de historiador?

Enfim, após uma semana selecionando materiais, o resultado foi: voltem para os seus lugares, exceto alguns sem qualquer significado. Considero-me pouco apta à arte do descarte, em qualquer sentido. Imaginem então, guardar papeis com meu nome escrito e riscado com sangue, pimenta vermelha e regado à cachaça, encontrados em despacho num cemitério do município. O desejo de quem encomendou o despacho era de arruinar a minha carreira profissional. Cá estou, décadas depois falando neste episódio porque reencontrei a prova material. Oficio da profissão, um tanto quanto maquiavélico, ser amada por alguns e odiada por outros, ao mesmo tempo.

Férias também sevem para resolver pendências burocráticas em órgãos oficiais. Para complementar um processo de regularização fundiária iniciado há meses, necessitava inserir novamente no sistema informações anteriormente fornecidas com dados de outrem, à época, conseguidos por telefone. Que alívio quando percebi que as papeletas com as anotações estavam no envelope juntamente com o documento oficial. Pensei: “Mania de historiador, guardar anotações”!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Antenados...


CPI da Saúde: vereadores debocham da população















POR SALVADOR NETO

Um verdadeiro deboche, uma piada de mau gosto, e ainda por cima com muito dinheiro público – meu e seu – investido.

Esse é o verdadeiro resultado da tal Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde em Joinville (SC), que “trabalhou” (!?) durante seis (??!) meses para… defender o governo Udo Döhler (PMDB).

Muitas recomendações, extensa exposição de dados e praticamente nenhuma crítica mais incisiva à administração municipal. Essa é a tônica das matérias que saíram em todos os jornais da cidade e estado. Porque considero isso é um deboche? Já explico.


Porque a saúde na maior cidade de SC está ainda pior que há quatro anos. Porque Udo Döhler prometeu resolver o problema da saúde, que era fácil, porque "não falta dinheiro, falta gestão". E, está claríssimo como as águas límpidas do rio Cubatão, que foi só promessa.

Porque faltam remédios de uso contínuo e outros altamente necessários ao combate de doenças nas UPAs frequentemente.


Porque já cortaram até a entrega de fraldas geriátricas para idosos que necessitam uso em grande quantidade. Porque faltam materiais de higiene no Hospital São José e UPAs.


Porque o prefeito Udo quis cortar, sim, cortar a presença de médicos residentes no querido Zequinha, preocupado em tudo, menos em dar mais qualidade no atendimento à saúde dos joinvilenses.

Porque ele também já quis cortar a insalubridade dos servidores do mesmo Zequinha, sim, os heróicos servidores que atendem nossos doentes, com ou sem mazelas que se perpetuam por lá.


Porque não se resolve a falta de leitos no Zequinha. Porque há problemas sanitários em várias UPAs com infestações das mais diversas já documentadas e divulgadas por servidores.


Porque há filas em várias especialidades, e nada se resolve. Porque o Prefeito diz que gasta quase 40% do orçamento municipal em saúde, e ninguém quer, pede, promove ou age no sentido de uma auditoria séria para saber se isso é ou não verdade!


Porque não uma auditoria, verdadeiramente independente - não de amigos do alcaide, por favor - para se verificar onde está o ralo por onde escoam nossos recursos? Ou para saber se não há desvios, erros, etc, etc. Auditoria gente, urgente!


Porque somente neste governo já passaram pela secretaria da Saúde três nomes, três secretários, a última retirada a dedo da Procuradoria do município, com laços de parentesco com a promotora que pediu o afastamento do Prefeito, e que está ali apenas para ocupar a cadeira. Porque a saúde não é prioridade do governo, tampouco dos vereadores.


E porque, leitores e leitoras, o Ministério Público tem um trabalho imenso de cobranças ao executivo municipal, inclusive com ações propostas até de afastamento do Prefeito diante do caos – lembram da promotora Simone Schultz?


Pois é, a tiraram da promotoria… – e exatamente por isso, os vereadores não precisariam gastar tanto o nosso dinheirinho suado para fazer de conta que estão preocupados com a saúde! Já havia um longo e árduo trabalho do MP, pronto!


Por tudo isso, e muito mais que deixo aos leitores e leitoras completarem a lista, já que sofrem na pele a falta de uma saúde pública digna, é que produzir um relatório deste nível é sim um gigantesco deboche com o povão da cidade que produz dioturnamente os lucros que engordam poucos bolsos na província.


Anotem os nomes dos membros da tal CPI que produziram esse documento deboche, um calhamaço de papel que não serve para nada: João Carlos Gonçalves (PMDB), presidente; Jaime Evaristo (PSC), relator – estes criaram o “belo” relatório final.


Os vereadores Maycon Cesar (PSDB) e Manoel Bento (PT), pediram vistas (ver novamente e propor mudanças) ao relatório, que foi negado por João Carlos e Jaime Evaristo. Roberto Bisoni (PSDB) não compareceu na apresentação do relatório (novidade?), mas é governista.


O tal relatório da CPI da Saúde é um deboche sim, porque a total falta de independência do poder legislativo faz muito mal para a população! 


Nada se investiga, nada se cobra, e pouco se fiscaliza. Seria o medo da Acij, da falta de financiamento das campanhas? Vereador têm sim de fazer valer a força do seu mandato, dos votos concedidos a ele. Entra pelas mãos do povo, e vota de acordo com interesses nada populares?


Por isso que sempre batemos na tecla: o povo deve acompanhar e fiscalizar os seus eleitos, todos os anos, todos os dias, ver como votam, a quem defendem. Senão, em outubro próximo, serão novamente enganados nas eleições.


Esta é mais uma vergonha da atual legislatura da Câmara de Vereadores de Joinville. Um deboche que dói na saúde de cada trabalhador e trabalhadora. 


Um deboche que merece o repúdio da população, a fiscalização, a cobrança, e claro, a resposta no momento do voto. 


É assim nas teias do poder...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A “gente cordial” e a caça ao Lula

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

E continua a temporada de caça ao Lula. Implacável. Poderia tentar analisar os fatos (?) que vêm sendo repetidos à exaustão pela comunicação social (e com alguma sofreguidão pela velha mídia mais propensa ao golpe). Mas falar de pedalinhos, canoas de lata ou caixas de bebida é um tema para lá de chato. É assunto para os facebuqueiros e gente educada pelo Whatsapp. 

Fico por um tema específico: o caráter de um certo brasileiro médio que, na falta de um conceito sociológico adequado, passo a chamar “gente cordial”. Por quê? A referência é o conceito de homem cordial. E logo no início vamos falar no equívoco. O senso comum confunde cordial com cordato. E erra. Esse brasileiro nada tem de sensato ou prudente. É gente inculta, revanchista, imoral.

De fato, a coisa corresponde quase a uma inversão do ideário do senso comum. O “cordial” de Sérgio Buarque de Holanda pouco tem a ver com simpatia, cortesia ou generosidade. O conceito vai beber na origem da palavra (cordis, de coração) e remete para outra acepção. É o homem que age com o coração, com a paixão e, quase sempre, deixa a razão de lado. Visto assim, nem parece tão mau. Mas é.

O homem cordial dessa sociologia não gosta das leis, da ética ou da urbanidade. É um ser passional, que odeia e tem sangue nos olhos. O ódio é uma forma de paixão. Essa “gente cordial” - que, se não fosse tacanha, até poderíamos chamar elite - faz do ódio uma expertise. E o anti-lulismo é a mais pura expressão desse ódio irracional, sádico, tacanha. 

Por que odiar Lula? Por ódio de classe, por irracionalidade, por “cordialidade”. Não gostam de Lula porque, ao mudar o Brasil, o ex-presidente lançou confusão no inconsciente social. É sabido que essa “gente cordial” não tem um projeto para a sociedade. Tem apenas um rumo: não ambiciona os privilégios dos ricos… apenas não quer que os pobres tenham privilégios. Precisam de pobres à volta, para criar a sensação de serem seres "diferenciados".

Lula é ofensivo porque veio subverter essa lógica. Por ter rompido séculos de um apartheid social que insistia em perdurar e mantinha as relações sociais engessadas. O Brasil anterior a Lula - aquele a que muitos desejam voltar - era um Brasil onde os papeis eram bem definidos. Cada um sabia, à nascença, qual era o seu destino: rico é rico, pobre é paisagem. 

O ex-presidente é culpado, sim, de reduzir as desigualdades, de promover a inclusão social, de encetar o resgate de uma dívida histórica (as cotas para os negros e os índios, por exemplo), de obter um crescimento nunca visto na história, de transformar o Brasil num player de respeito na economia mundial. É coisa, leitor e leitora.

E há um aspecto ao qual as pessoas com um mínimo de memória e sensibilidade social dão muita importância: o fim da fome. Essa foi a revolução que Lula havia prometido e era a revolução que todos os cidadãos (pelo menos aqueles com dois dedos de testa) esperavam ver realizada. Só um marciano, que não tenha passado os últimos anos no Brasil, pode ser capaz de recusar estes fatos.

No entanto, aquele que é considerado um dos melhores presidentes da história do Brasil é hoje alvo de uma perseguição mesquinha, promovida por homens menores que nada fizeram pelo país, a não ser criar mais uma tirania. E, claro, que contam com o apoio de outros homenzinhos da velha mídia e dos iliteratos das redes sociais (podemos incluir muitos comentadores anônimos deste blog).

Lula é uma pedra do sapato do projeto político da oposição. E não está a ser investigado. Está a ser perseguido. Querem - porque precisam - destruir uma biografia.  Por conta disso, estão a criar um estado de exceção. Triste é que essa “gente cordial” gosta do espetáculo, sem ver os perigos.

É a dança da chuva.

P.S.: Não sei se Lula é culpado ou inocente. Não é minha função saber disso. Mas é evidente que estamos frente a um caso típico em que se escolhe o culpado e depois se procura o crime. E de uma coisa não tenho a menor dúvida: não é forma de tratar um ex-presidente que mudou o Brasil para melhor.


Charge de Renato Aroeira



domingo, 14 de fevereiro de 2016

Nova sede: Udo caminha com os caranguejos


POR JORDI CASTAN
Coluna de Jefferson Saavedra, no AN


A imagem do prefeito Udo Dohler em frente à nova sede do PMDB, localizada na Rua Marechal Deodoro, é emblemática. O prefeito visitou a nova sede do seu partido, o que é normal. Mas o que é anormal? Não fica bem que a sede esteja localizada numa ZR1, área residencial unifamiliar. É ainda pior que o prefeito não tenha sido alertado, pela sua assessoria, de que a sede do seu partido está em desacordo com as atividades permitidas pelo zoneamento naquela região. O prefeito não sabia? Sabia é ignorou? Não liga? Difícil dizer.

Isso diz muito sobre o seu partido, sobre a fiscalização municipal e sobre a sua peculiar forma de entender e ver a cidade. Porque bater no peito se autoproclamando honesto e anunciar aos quatro ventos que tem as mãos limpas é uma coisa. Mas ser honesto, se guiar por princípios éticos e morais estritos e rígidos e cumprir a lei parecem ser coisas muito diferentes. Discurso e a ação são tão diferentes que fica a sensação de que o poder o tem obnubilado completamente. É até certo ponto algo previsível para alguém com o seu perfil.


Caso a fiscalização esteja ocupada demais, na fiscalização de outras coisas, nada mais oportuno que denunciar o fato ao MPSC. Porque não fica bem que o partido do governo, o mesmo partido do presidente da Câmara de Vereadores, não cumpra a legislação. Aliás, é oportuno lembrar que é função do Legislativo fiscalizar o Executivo, o que tem feito com pouca vontade e nenhum empenho. Depois não adianta chorar ou resmungar na imprensa que há uma judicialização de tudo. O que há é um déficit ético e moral tão escandaloso que obriga o cidadão a buscar na justiça o respaldo que não encontra, nos outros poderes republicanos.


Deveria saber o prefeito, ainda mais pela sua formação de advogado, que de acordo com a LEI Nº 10.825, de 22 de Dezembro de 2003, os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado. Portanto, não podem ser consideradas comunitárias. Ao visitar o local, o prefeito acabou conferindo um atestado informal de idoneidade e legalidade a algo que é ilegal. Mas a leitura pode ir ainda mais longe.

Escreve Édis Milaré em "Sustentabilidade e Temas Fundamentais de Direito Ambiental, no capitulo V – Amplitude, Limites e Prospectivas do Direito do Ambiente", na sua página 131 ; “Uma debilidade do Direito do Ambiente é a debilidade das instituições perante sua efetividade, particularmente quando se trata de ausência de vontade politica dos governos ou órgãos públicos responsáveis. Todavia, essa debilidade não é tanto intrínseca ao próprio Direito do Ambiente quando debitável na conta das instituições e das classes empresarial e politica, comprometidas com propósitos de curto prazo ou simplesmente adversos.”

E continua: “Mais na profundidade, o vício procede de uma deformação cultural e educacional, que afeta a mentalidade corrente até entre as elites. Não é suportável que altas autoridades se manifestem, clara e publicamente, contra restrições mais elementares e óbvias pelo Direito do Ambiente (ignora, com teimosia que ofende, o nosso prefeito que a legislação urbanística versa sobre o ambiente). Ora a palavra de tais autoridades converte-se imediatamente em lei para os que não tem preocupações socioambientais. Infelizmente, porém, essa deformação é quase endêmica, senão congênita...”


“ Numa conjuntura tão adversa, como a que temos em relação aos propósitos ambientais sadios, vê-se quão importante é a participação da coletividade nos esforços dos juristas do meio ambiente, dos gestores públicos e dos segmentos esclarecidos da sociedade”, escreve.

LOT  - Torna-se fácil entender a obstinada insistência em aprovar a LOT a todo custo. Com a LOT aprovada no modelo proposto pelo executivo e com o apoio mancomunado dos representantes dos setores especulativos, Joinville se converterá numa terra de ninguém, onde tudo será permitido em nome do progresso, do desenvolvimento e do crescimento econômico. E até será possível que um partido politico instale a sua sede numa região exclusivamente residencial, algo que a legislação - que o prefeito prometeu cumprir - não permite e tanto ele como seu partido parecem ignorar.

Quem não escuta, não ouve e se rodeia de vaquinhas de presépio que só dizem “sim”, corre um risco grande de cometer erros. Sem ninguém com coragem suficiente para avisar que o local escolhido para a nova sede do partido não cumpria a lei, o risco era que acontecesse o que aconteceu. Agora a fiscalização municipal deverá vistoriar o local e verificar que a sede de um partido politico não é uma atividade permitida pela lei naquela zona. Para facilitar o trabalho da fiscalização, anexo uma foto do local. E se os leitores tiverem dúvida, há uma placa suficientemente grande do PMDB. Aliás, é muito provável que os secretários e responsáveis saibam onde se localiza a sede do seu partido. 

Em tempo. O prefeito se elegeu vendendo a imagem de honestidade, seriedade, capacidade de gestão e conhecimento profundo dos problemas e das soluções da saúde. Mas hoje vive na própria pele a solidão do poder. O recente episódio dos médicos residentes evidenciou o quanto está isolado. Retroceder neste tema evidenciou o quanto esta mal assessorado. Agora, com o episódio da sede do seu partido tem todos os números para ter que voltar atrás. É assim anda Joinville, de lado como os caranguejos.