terça-feira, 23 de julho de 2013

Quem acreditou dançou

POR JORDI CASTAN

Em época de festival é bom falar de dança. Em Joinville, porém, dançar não é sempre sinônimo de coisa boa. Quem acreditou que esta administração vinha para mudar alguma coisa dançou.

O loteamento de cargos comissionados continua firme e forte: 77% dos cargos foram preenchidos e os outros não foram extintos, pois continuam como reserva à espera da próxima negociação entre os membros da base aliada ou a oposição. É verdade que o processo é lento, mas também é verdade que nada anda muito rápido.

A oferta de emprego em cargos comissionados continua e tem sido usada como moeda de troca para atrair desafetos e empregar desocupados, apaniguados e correligionários. Curiosamente, são o IPPUJ e a FELEJ os que junto com a SEINFRA que têm o maior número de vagas disponíveis. Quem esperava redução de cargos ou uma nova forma de fazer política, dançou.

Também dançou quem acreditou numa gestão que rompesse com os vícios de sempre. E quem esperava um choque de eficiência, com uma administração pública moderna e inovadora. É evidente que um dia sim e outro também continua a eterna cantilena da falta de recursos, as obras paradas, os projetos incompletos ou parciais, os prédios públicos interditados. O pior é que se depara com uma ausência de ideias e propostas que rivaliza com a aridez do Jalapão e que os mais desavisados confundem com a seca verde nordestina. Se cria a sensação de que alguma coisa esta sendo feita, mas rapidamente fica claro que se trata de uma nova sessão de pirotecnia.

Se um dia a duplicação da Santos Dumont é prioritária e é preciso motivar, de pires na mão, os empresários para doarem seus terrenos e viabilizar a obra. Poucas semanas depois ninguém mais lembra e só duas placas no início da avenida lembram do foguetório e dos discursos que emolduraram a assinatura da ordem de serviço. Depois será a ponte do Ademar Garcia ou qualquer outra cortina de fumaça. De novo o velho modo de fazer política, com muito barulho e pouco resultado. Nem vamos falar aqui das obras inconclusas da Rua Timbó, que demoram mais que catedral gótica na Idade Média.

No outro dia o tema principal é a Joinville do milhão de habitantes. Ou a Joinville que superará o PIB de Porto Alegre ou de Curitiba para se converter na segunda maior economia do Sul do Brasil. Fico preocupado quando vejo que tem gente, até ontem esclarecida, que além de acreditar numa bobagem dessas ainda aplaude. O prefeito visionário defende que em poucos anos cada joinvilense terá um carro e que a saída para que os problemas do trânsito serão as avenidas duplicadas, os elevados e outras grandes obras de infraestrutura.

Se não fosse um homem tão viajado, proporia aqui uma coleta para arrecadar uns trocados para lhe pagar uma viagem a Europa. Quem sabe assim acordava e mudava de opinião sobre o uso do automóvel nas cidades do futuro e poderia rever os seus conceitos sobre cidades inovadoras ou as que buscam qualidade de vida. Mas como é alguém que tem viajado muito, a conclusão é que não enxergue direito. O mais provável é que, pelo seu perfil, não se detenha a procurar aquilo que acha que já sabe e conhece. Ou lhe baste com uma olhada rápida para entender toda a complexidade dos temas que envolvem a gestão de uma cidade com 500.000 habitantes. Como aquela viagem relâmpago que o prefeito Carlito Merss fez a Europa quando visitou 4 ou 5 cidades, em uma semana, e voltou discorrendo e sentando cátedra sobre ciclovias, bicicletários e transporte coletivo.

Menção à parte merecem as licitações, seja a do estacionamento rotativo, a do lixo ou a do transporte coletivo, a das bicicletas de aluguel, apenas para citar as mais lembradas. Parece que há uma cabeça de burro enterrada as margens do Cachoeira, porque não é possível que seja tão complicado. Se o prefeito, de verdade, não quiser passar vexame, seria bom que avaliasse melhor o nível de desempenho da sua equipe mais próxima. Por que esta impossível identificar traços de uma gestão moderna e eficiente no dia a dia de Joinville. O risco maior que corremos seria se ele estiver convencido que está fazendo uma gestão impecável. Por que aí, sim, dançamos todos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Os grafites não resolverão o problema da antiga prefeitura

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A discussão que ganhou as redes sociais na última semana sobre os grafites na antiga prefeitura, rende muitas polêmicas e modos de enxergar a cidade, e também o patrimônio histórico e cultural. Aquela intervenção de grafite na antiga prefeitura (como mostra a foto abaixo), não me agradou, por um único motivo: ali não era local para este tipo de manifestação artística, e sim de uma grande obra de restauro de toda a estrutura do prédio.

Foto: Paulo Henrique Silveira/facebook
Não que eu seja contra os grafites, muito pelo contrário. Os grafites presentes na praça das águas são espetaculares, da mesma forma como este feito na antiga prefeitura. Acontece que um patrimônio histórico tombado não pode sofrer este tipo de descaracterização. Para quem não lembra, este prédio já abrigou uma concessionária da montadora de automóveis Ford, a rodoviária de Joinville, e de de 1974 a 1996 foi a sede administrativa da prefeitura, simbolizando toda a inversão espacial da economia joinvilense (da Estação Ferroviária para a Zona Industrial). Hoje abriga uma espécie de almoxarifado da gestão municipal.

Projeto Joinville Secreta


Existe, por outro lado, o argumento de que é melhor fazer esta intervenção do que deixar o prédio abandonado, com o qual não consigo concordar. Se é para intervir, que seja em um projeto de restauração, nos moldes da legislação referente à recuperação de imóveis tombados pela Fundação Cultural. O grafite neste prédio soa um pouco como "band-aid" (sem contar a agressão ao contexto histórico do local) e tem um "prazo de validade", encobrindo o que realmente necessita ser feito. Vale lembrar que os problemas estruturais e de subaproveitamento do local continuarão existindo após a finalização desta manifestação artística. O prédio do antigo fórum que o diga...

As últimas três gestões tentaram definir um novo uso (e uma conseqüente recuperação da estrutura) para este prédio, mas sem sucesso. Aparentemente a gestão Udo Dohler também procura alternativas, mas não pode ficar apenas na fachada, literalmente. Um teatro, um museu, um centro cultural... várias ideias surgiram nos debates da última semana. Felizmente, independente da ideia sobre o grafite, todos querem que a antiga prefeitura ressurja como um espaço para o uso coletivo, sem cair no poço da humilhação e esquecimento por parte do poder público.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Átila, o Huno contra a bancada religiosa

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Acho que todas as pessoas têm um Átila, o Huno recalcado no subconsciente. É aquela parte da mente que não tem saco para os babacas e, em vez de conversa, prefere quebrar a louça toda. Ou, para usar uma linguagem freudiana, o Átila subconsciente representa o ódio primordial que desperta nos homens a propensão para a destruição e a crueldade.

Eu confesso. Tenho tido uma trabalheira danada para controlar o meu Átila subconsciente nos últimos tempos, em especial por causa de certos religiosos que não param de se meter na vida dos outros. E nesta semana o coitado foi à loucura ao ler uma notícia que só pode coisa de gente que fuma cocô.

O pessoal da tal bancada religiosa - e o infausto Marco Feliciano, claro - anda por aí a pressionar a presidente Dilma Rousseff para ela vetar o projeto que legisla sobre o atendimento de emergência, nos hospitais, a mulheres vítimas de violação. O que pretendem os religiosos? Atrapalhar, claro.

O objetivo é impedir que o projeto ganhe forma de lei porque lá no texto tem a expressão “profilaxia da gravidez”. E eles acham que isso poderia abrir uma brecha legal para permitir a interrupção voluntária da gravidez (expressão politicamente correta para aborto). De tão focados no aborto, os caras sequer cogitam olhar para as mulheres.

O projeto prevê que as mulheres vítimas de estupro tenham direito a atendimento emergencial e preferencial. Porque há um protocolo específico a seguir: o procedimento deve ser feito em 72 horas, período para tomar o coquetel de remédios contra o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, além da pílula do dia seguinte.


O projeto é bom, os religiosos são medievais. Traduzida, a pretensão dos caras tem outra leitura: danem-se as vítimas de estupro, porque o importante é impedir qualquer coisa que cheire a aborto. Fico aqui a pensar: nem dá para ter uma discussão com argumentos racionais, porque é tudo muito irracional.

E o meu Átila subconsciente fica a imaginar um tratamento profilático para esses caras: uma surra de chicote, daquelas de criar bicho. Mas isso é o Átila a falar, não eu.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Uma introdução à vida não machista

POR CLÓVIS GRUNER

No último sábado, dia 13 de julho, cerca de três mil pessoas ocuparam as ruas do centro de Curitiba, durante a terceira Marcha das Vadias. Parte do calendário de manifestações da cidade, seguindo uma tendência iniciada em 2011, em Toronto, no Canadá, e que rapidamente se internacionalizou, a deste ano teve como tema “Desconstruindo o machismo dentro de todxs nós”. Aos desavisados ou insensíveis, pode parecer estranho falar de machismo em pleno século XXI. Mas não é preciso ser mulher para saber que não: apesar dos avanços, ainda há muito por fazer e mudar.

Hoje como ontem, o machismo continua a produzir violência. E não apenas nas sociedades e culturas orientais, importante dizer, e tampouco apenas a física. Igualmente cruel e violento é o machismo banalizado nas relações cotidianas, a naturalizar práticas e discursos que inferiorizam a mulher, quando mesmo não a tomam e tornam culpada pela brutalidade de que é frequentemente vítima. Um dos cartazes recorrentes nas Marchas, aliás, denuncia um dos traços emblemáticos desta atitude: vivemos em uma sociedade que insiste em ensinar às mulheres como não serem estupradas, quando o correto e necessário é ensinar os homens a não estuprar.

A POLÍTICA DO DESCONFORTO – Não é casual, portanto, que o corpo se faça presente na Marcha das Vadias de maneira tão intensa, nos cartazes, nas faixas, nas palavras de ordem. Mas ele é também um “campo de batalha”, transformado ele próprio em um discurso, um meio e sua mensagem. E não se trata apenas de reivindicar uma política que assegure, entre outras coisas, o direito ao corpo, mas de inseri-lo efetivamente na política. Esta é uma das razões pelas quais a Marcha das Vadias, e o feminismo de modo geral, provoca ainda tanto incômodo. Para muitos de nós, ver e ouvir mulheres afirmando-se como sujeitos de direitos é ainda desconfortante. Mas, creio, não são os seios nus a desfilar nas ruas a razão principal do desconforto.

Mostrar o corpo e exigir respeito e dignidade é confrontar o machismo, como disse acima, nas maneiras muitas vezes insidiosas com que ele se manifesta – o direito que os homens acreditam ter de tutelar os modos e maneiras femininos, por exemplo; ou os muitos meios pelos quais naturalizamos e justificamos desigualdades de gênero. É subverter a ordem estabelecida segundo a qual somente os homens héteros detém o privilégio de exercerem livremente sua sexualidade, relegando à mulher a humilhante condição de “objeto de desejo” do gozo masculino. É explodir os papeis sociais que definem, desde a infância, os lugares e as funções que cabem a meninos e meninas, mostrando que as relações de gênero, com suas muitas hierarquias, não são um dado da natureza, mas construtos históricos, cultural e socialmente estabelecidos. É expor o ridículo da postura conservadora e machista que, à falta de argumentos, agarra-se a estereótipos grosseiros para desqualificar as mulheres, o feminismo e as mulheres feministas, opondo a ele e a elas as Amélias e Marias do imaginário masculino Ocidental e cristão.

O CORPO É LAICO – De um modo muito singular e intenso, a Marcha das Vadias expõe ainda uma de nossas mais lamentáveis contradições: a precária laicidade do Estado brasileiro. E o faz trazendo para o espaço público um direito que os seguidos governos, à direita e à esquerda, insistem em negar, reféns que foram e são do fundamentalismo religioso: o aborto. Assunto polêmico e controverso, mas ao mesmo tempo incontornável, trata-se de uma pauta que apareceu já nas primeiras Marchas. Se na Europa a descriminalização do aborto já é realidade na maioria dos países, na América Latina caminhamos a passo de tartaruga, quando não de caranguejo: à exceção do Uruguai, de Cuba e em algumas cidades do México – incluindo a capital –, nos demais países a legislação tem viés criminalizador.

Por que o tema é importante? Ora, porque neste caso não se trata apenas do direito ao corpo, um motivo em si legítimo, mas de reconhecer à mulher o direito de não ser tratada como criminosa por decidir e escolher, livremente, sobre seu corpo, sua vida, seu futuro, etc... Mas trata-se também de um caso de saúde pública: praticado em larga escala, e muitas vezes sem as mínimas condições de higiene, ele tem sido responsável pela morte de milhares de mulheres e pela traumatização de outras tantas, submetidas a uma intervenção extremamente invasiva sem recursos adequados e sem apoio, principalmente psicológico.

Tal como disposto hoje, o debate privilegia unicamente o embrião e desconsidera a pessoa com projetos e propósitos, a mulher grávida. Tal inversão se sustenta em um mito moral: o da maternidade como sendo algo instintivo, parte da “natureza feminina”, o sofrimento tornado compulsório: ser mãe, afinal, é padecer no paraíso. Não é. Descriminalizar o aborto não é uma panaceia. Não se formarão filas quilométricas de gestantes nos postos de saúde – descriminalizar o aborto não se confunde com incentivá-lo. Trata-se de um direito de escolha que não pode ser tolhido a quem dele necessite ou queira a ele recorrer, porque outros julgam que seus valores e princípios são não apenas corretos, mas universalmente válidos. O corpo é laico, e não pertence ao Estado, nem tampouco à religião. As vadias estão a gritar isso nas ruas. Estamos dispostos a ouvi-las?