Em janeiro deste ano, o
então recém-empossado prefeito Udo Döhler visitou o loteamento Juquiá, no
bairro Ulysses Guimarães, e prometeu “dar atenção para estas áreas carentes”, e
aos moradores a “dignidade de, pelo menos, terem um
endereço”. Estamos em julho, e eis a solução: desde o último final de semana,
as cerca de 50 famílias – aproximadamente 150 pessoas – que vivem no Juquiá tem
até 30 dias para o deixarem. A notícia chegou aos moradores na sexta-feira,
quando uma comitiva formada por representantes das secretarias de Habitação e Infraestrutura do
Município, do Ministério Publico Estadual, da Fundema e da Polícia Ambiental esteve no loteamento.
Impossível
não se perguntar qual destas entidades esteve no local nos últimos quatro anos e
quantas vezes, tentando mediar o problema e oferecer aos moradores outras
soluções que não a saída de suas casas? Cínicos, secretários e demais
autoridades justificam a medida apelando a razões ambientais, como se não fosse
um problema ambiental, além de social e humano, mais 50 famílias desabrigadas. Em matéria publicada no Notícias do Dia, o representante da
Fundema destacou que as pessoas vivem em uma situação frágil, sugerindo que o
despejo não interessa apenas aos órgãos públicos, mas aos próprios moradores. Ninguém duvida das
condições precárias em um loteamento irregular, nascido de uma
ocupação. Por outro lado, e até onde li, ficou por responder uma questão a meu
ver central: por que estes senhores acham que o desespero de não ter ou saber
para onde ir, é melhor que morar no Juquiá? Permitam-me refazer a pergunta: se
o loteamento está irregular desde 2009, quando os primeiros moradores chegaram,
por que foram necessários quatro anos para se encontrar uma solução e por que a
solução, quando chegou, veio na forma do despejo?
UM PROBLEMA CRÔNICO – O déficit
habitacional não é um problema exclusivamente local, e tampouco é novo. Em
algum momento entre 1990 e 91, quando era repórter do jornal A Notícia, lembro
de ter coberto uma ação de despejo executada pela Polícia Militar em um terreno
ocupado, acho que na Zona Sul. Na ocasião, uma das poucas entidades – se não a
única – a prestar assistência às famílias era o Centro de Direitos Humanos,
ainda sob a liderança da irmã Maria da Graça Bráz. Juntos, fizemos para o
jornal uma pequena série de reportagens sobre o processo de favelização de
Joinville, que eu acreditava à época, ser fenômeno novo. Estava enganado.
Anos
depois, fuçando nos documentos do Arquivo Histórico para minha pesquisa de mestrado, descobri que se trata de um problema que se arrasta desde mais ou menos os anos
de 1960, e que principalmente nas décadas de 1970 e 80 tomou proporções dramáticas
e incontroláveis. Hoje, segundo números oficiais da PMJ, o déficit habitacional
é de aproximadamente 14 mil moradias, um número alarmante para uma cidade que
tem mais ou menos 500 mil habitantes. Por outro lado, de acordo com o Censo de 2010,
cerca de 12 mil domicílios da cidade estão vazios, em uma flagrante contradição
que revela dimensões mais profundas e complexas da questão habitacional.
Há alguns anos a Frente de Luta pela Moradia Joinville
vem não apenas denunciando o processo de espoliação urbana que grassa na cidade, mas reivindicando o desenvolvimento e a implementação de uma política de moradia efetiva, capaz de responder a uma situação que só faz agravar-se. Em outras palavras, defende que o poder público eleja o problema
habitacional uma de suas prioridades, e alerta que a contrarresposta ao descaso crônico
tem sido, nas últimas décadas, a sistemática ocupação de terras, prática que remonta
pelo menos aos anos 70 e é responsável, entre outras coisas, por drásticas mudanças
ambientais, tais como a quase total destruição dos mangues.
NECESSIDADES PÚBLICAS, INTERESSES PRIVADOS
– Sabe-se, no entanto, que tal política precisa confrontar interesses privados,
para quem o bem estar público pouco ou nada interessa. A especulação imobiliária
tem sido, historicamente, um dos principais entraves para uma política pública
efetiva voltada à democratização da moradia. Se se trata o solo como mercadoria,
sujeitando-o às leis do mercado, privatiza-se o direito a morar, tornando principalmente
as camadas mais pobres reféns de imobiliárias e grandes concentradores de
terras, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Também historicamente, e não apenas
em Joinville, o poder público tem sido não apenas conivente, mas um parceiro
efetivo dos especuladores: ao investir em terras desocupadas, valorizando-as
comercialmente, corrobora com o processo que dificulta ainda mais a quebra dos
mecanismos de mercado, o que poderia tornar a habitação de fato um direito a ser usufruído
pela maioria.
Uma das
moradoras que teve seu destino selado na sexta-feira última, Catarina da Cruz, está há
anos inscrita em um programa habitacional da Prefeitura, sem sucesso. Ou seja,
passou pelo final de um governo – o do tucano Marco Tebaldi – e pelos quatro
anos de seu sucessor – o petista Carlito Merss –, sem solução. Não me surpreende que a tenha encontrado agora, em um governo de
direita e que tem à frente um prefeito conhecido pela sua pouca sensibilidade
social e pelo excessivo pragmatismo. Empresário de sucesso, homem de
resultados, Udo Döhler talvez resolva um drama de quatro anos, o do loteamento
Juquiá. E junto com este, resolve também a situação de quem está há ainda
mais tempo vivendo um cotidiano marcado pela extrema fragilidade. O problema é que o vislumbre de futuro é ainda mais incerto e precário que as incertezas e as precariedades do
presente.
Em menos de 30 dias, Catarina, suas três filhas e vizinhos não terão para onde ir depois de serem expulsos para fora de suas casas, provavelmente com a truculência característica das autoridades brasileiras quando lidam com miseráveis. Como o prefeito Udo Döhler prometeu em janeiro, eles terão enfim um endereço: a rua ou algum abrigo improvisado. E se é isso que ele entende por "atenção", temo pela sorte dos demais desassistidos da cidade pelos próximos quatro anos.
Em menos de 30 dias, Catarina, suas três filhas e vizinhos não terão para onde ir depois de serem expulsos para fora de suas casas, provavelmente com a truculência característica das autoridades brasileiras quando lidam com miseráveis. Como o prefeito Udo Döhler prometeu em janeiro, eles terão enfim um endereço: a rua ou algum abrigo improvisado. E se é isso que ele entende por "atenção", temo pela sorte dos demais desassistidos da cidade pelos próximos quatro anos.