
POR AMANDA WERNER
“Em
nome da Santíssima Trindade”. Assim iniciava a Constituição do Império de 1824,
a primeira constituição brasileira. A religião oficial era a católica
apostólica romana. O culto de outras religiões até era permitido, desde que de forma privada e sem manifestações externas ao templo.
Oito
constituições depois, muita coisa mudou. O Estado foi apartado da Igreja e não
somente a liberdade religiosa foi consagrada, como também o caráter laico do Estado. Porém, a separação entre Igreja e Estado não
foi suficiente para eliminar das notas de reais(R$) a expressão: "Deus seja
louvado". Ou, ainda, do texto constitucional a parte do preâmbulo que expressa: "Sob a proteção de Deus".
Ora,
dizer que o Estado é laico significa dizer que o Estado não é religioso.
Também não é ateu. O Estado é neutro.
Em
um julgamento ocorrido no Supremo, no ano de 2003, já foi declarado que a
invocação da proteção de Deus não tem forca normativa. Significa que nunca
poderá ser judicialmente exigida. Até porque, convenhamos, não há como exigir
obrigações da divindade solicitada.
Você
pode argumentar que não faz diferença nenhuma para você. Que invocar a proteção
de Deus no preâmbulo da Constituição só traz vibrações positivas, coisas do bem,
e, ademais, como não especifica nenhum Deus, não causa nenhum tipo de
discriminação para qualquer religião.
Será? Há poucos meses, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás alterou o seu
regimento. Agora é obrigatória a leitura de um trecho bíblico no início da
sessões ordinárias. Não, mas não veja como imposição. Afinal, o parlamentar tem
o direito de escolher qual trecho bíblico será proferido.
Com
frequência, tem-se observado tentativas de intervenções religiosas no Estado.
Prova disso são os argumentos religiosos utilizados contra o aborto, a
eutanásia e, mais recentemente, o aborto de fetos anencéfalos.
Há
ainda as “bancadas” religiosas no Congresso(qualquer semelhança com a nossa câmara é mera coincidência) que, pela sua maioria, acabam por
impor o seu ponto de vista a toda uma sociedade, em detrimento do Estado e, por que não, da lei.
Embora
não pareça fazer mal algum, a simples
citação da proteção de Deus no preâmbulo pode até não aludir nenhuma religião
específica. Mas deixa claro que o Estado apoia algumas religiões: as que
acreditam em um só Deus. Exclui do apoio do Estado as religiões politeístas e
os ateus, o que contraria expressamente o princípio da isonomia, que afirma que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Concepções
morais religiosas devem ser colocadas à parte na condução do Estado. Não
significa dizer que as autoridades religiosas não devem ser ouvidas. Estamos em um Estado laico, porém, fundado na
democracia. Mas o Direito não deve se submeter à religião.
Afinal, “dai a César o que é de César e a Deus
o que é de Deus”.