terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O descaso matou mais um no trilho de trem; promessa do contorno ferroviário se arrasta desde 2008

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Foto: Agência RBS
Na última semana, o Hospital Universitário de Florianópolis confirmou a morte de Samuel do Amarante, após ter duas pernas e um braço amputado devido a um acidente nos trilhos de trem, na zona oeste de Joinville. Samuel é mais uma das inúmeras vítimas que poderiam ter um destino diferente, se não fosse o descaso do Governo Federal para consertar o erro histórico que a cidade cometeu no início do século passado.

Digo isto porque a cidade de Joinville, na virada dos séculos 19 e 20, tinha uma economia extrativista de madeira e beneficiadora de erva-mate. A matéria-prima de muitos comerciantes poderia vir do planalto catarinense, sem contar a facilidade do escoamento de cargas para o porto de São Francisco do Sul. Para isto, o trem seria a grande solução. Entretanto, pelo traçado original, a ferrovia prevista para a região passaria 25kms ao sul de Joinville, ligando diretamente Jaraguá do Sul a São Francisco do Sul.

Defendendo os interesses que esta ligação regional poderia trazer para os empresários da cidade, em setembro de 1902, a Câmara Municipal intercedeu junto ao então Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Sr. Lauro Muller (catarinense, ex-governador da Província de Santa Catarina, e com ligações partidárias com a elite política joinvilense), solicitando a modificação do traçado da linha férrea. Veja mais sobre isso neste link.

Ou seja, o trilho de trem não era pra estar onde está. Só está devido a vontade dos empresários desta cidade.

A cidade se espraiou, a sua economia cresceu, e grande parte da ocupação urbana de Joinville aconteceu, até meados da década de 70, em torno da Estação Ferroviária. Os pobres ao sul, "pra lá do trilho", e os ricos ao norte e ao noroeste. Com o "boom" industrial, as ocupações adensaram-se para todas estas regiões, e incluíram novos vetores de ocupação, principalmente para operários: o leste e o oeste. O norte continuou sendo uma região de ricos, e o restante de classe média-baixa ou pobre.

Como Joinville teve uma ocupação descontrolada pelo poder público municipal, sem o cumprimento de planos diretores, estudos ou qualquer preocupação com o futuro, os mais pobres foram ocupando as regiões em que o trilho de trem passava (oeste e sul). E nos últimos anos, as reclamações com congestionamentos e demais transtornos na região são grandes por parte de moradores destas regiões. Somado a isto, a Estação Ferroviária não tem mais importância como antigamente (devido a uma política rodoviarista que aniquilou as ferrovias nacionais) e a solução encontrada pelo governo federal seria o contorno ferroviário para que, incrivelmente, o trilho de trem passasse mais ou menos a 25kms ao sul da cidade, conforme o projeto original de 1901!

A então senadora Ideli Salvatti foi a pioneira nesta questão em 2008 e levantou a bandeira junto ao governo Lula, o qual liberou recursos em 2009, totalizando R$ 68 mi em investimentos. A empresa que executaria os serviços foi licitada e os trabalhos seriam interrompidos em 2011 devido a um problema com o solo, que cedeu. Devido a este atraso, as licenças ambientais ficaram vencidas, e todo o processo de licenciamento ambiental deveria ser refeito. Após o esquecimento da imprensa e classe política locais (como relatei no Chuva Ácida em 2012), o tema voltou a ter andamento somente no ano passado. Agora, o novo prazo para início das obras é março deste ano, e conclusão para 2017. Nove anos de espera, isto se não houver novo atraso.

Quantas mortes serão necessárias para que esta questão seja tratada com urgência em Joinville? É incrível como o poder público, ao longo de todos estes anos, foi omisso: viu os pobres se acumularem "num canto" da cidade, e os deixou com problemas urbanos gravíssimos, em risco de morte permanente. Caso Samuel e tantos outros estivessem andando em uma região rica de Joinville, o trilho do trem nem estaria ali pois, nesta cidade, o descaso não combina com a riqueza.

12 comentários:

  1. Ele não estava andando, veio o trem e atropelou. Ele estava bêbado, dormindo, em cima dos trilhos. Embora o assunto seja relevante, não tem nada a ver com a responsabilidade da própria vítima, que foi descuidada e irresponsável.

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    1. Tanto que juridicamente não há como a ALL ser condenada. Porém, se o governo FEDERAL DO PT não toma providências que deve,, o EMPRESARIADO LOCAL não tem culpa.

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  2. Fala-se do trem em Joinville como se a locomotiva fosse um bicho-papão: “Cuidado, menino, não fica muito tempo na rua senão o trem vai te pegar”, ou, “se não se comportar, olha trem do saco!”

    Poupe-nos. Óbvio que a passagem em nível é um empecilho (em qualquer cidade minimamente decente as vias cruzam a linha férrea por viadutos ou túneis), mas a culpa pelos acidentes que envolvem morte ou membros decepados é do motorista, motociclista, ciclista e pedestre que não olham para os lados quando vão cruzar a linha férrea. Além disso, se a ferrovia que atravessa alguns bairros de Joinville é considerada perigosa, o que dizer da mesma que cruza o centro de Jaraguá do Sul?

    Acho o desvio da ferrovia um desperdício de dinheiro. Vejam como está Blumenau depois que desativaram a ferrovia que atravessava o município? Hoje aquela cidade almeja esse tipo de modal para exportar seus produtos para o porto de Itajaí.

    Eduardo

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  3. Além do descaso político e administrativo, a linha ferroviária também tem um enorme descaso de sua concessionária (ALL) que permite a passagem de trens dentro da maior cidade do Estado em pleno horário de pique, e sem qualquer manutenção dos desníveis acarretando enormes prejuízos para quem passa diariamente com seus veículos.

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    1. Ai sim concordo com a objeção apontada. A manutenção na passagem precisa ser melhorada.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Não chego a afirmar que seja dinheiro publico desperdiçado, muito pelo contrário. Está mais do que na hora de retirar esse perigo à vida humana e a mobilidade do centro urbano de Joinville. A obra é extremamente necessária e não podemos sequer contar com uma sinalização decente e segura nos cruzamentos. A ALL diz que o problem é da Prefeitura e a Prefeitura diz que o problema é da ALL. E assim vem trocando figurinhas ha anos. Passagem de nivel sinalizada? Cancelas? isso custa muita grana né? Melhor deixar o pessoal ser atropelado porque aí o seguro paga.
    Colocam a velha e centenária placa "pare, olhe, escute e passe" e acham que está tudo resolvido. Funcionava bem, no tempo das bicicletas, carroças e dos Ford bigode. Hoje, os carros andam de janelas fechadas, ar condicionado e isolamento acústico. E a visibilidade dos trilhos é geralmente impedida por construções ou mato.
    Portanto, retirem esses trilhos antes que mais gente morra!!

    Mas, meu caro articulista. Afirmar que a culpa é dos empresários do início do século passado, que pediram para os trilhos passarem por Joinville, num tempo em que ninguem imaginaria o tamanho que Joinville tomaria, é exagêro. Injusto. Aquela estação teve sim papel importantíssimo no desenvolvimento da nossa cidade. Querer culpar aqueles empresários pioneiros é puro radicalismo cego e sem sentido.

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    1. Eu amo o Nelson, ele tem um jeito tão polido de tratar esse povo do Chuva Ácida que enternece meu coração...

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    2. Eu não culpei os empresários. Apenas relatei o fato. Está bem claro isto no texto. Abs!

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  5. Pense num trem de passageiros de Joinville a São Chico! Chutando grossamente, diminuiria uns 50% do número de carros engarrafados na BR 280!

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  6. Se conduzir trem não beba. Se beber, não deite sobre trilhos...

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  7. O governo do PT demorará mais tempo para concluir alguns quilômetros do contorno do que a construção da estrada inteira a pá e picareta a mais de cem anos atrás.

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