segunda-feira, 1 de abril de 2013

(des)interesses

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O direito à propriedade, garantido na CF88, é a garantia de um sistema capitalista em nosso país. Capitalismo, antes de mais nada, visa o lucro. Logo, tudo o que envolve propriedade é lucro. Se a terra é passível de proprietários, a cidade está inserida em um jogo de interesses capitalistas. Nem todos possuem o mesmo nível, tipo e complexidade de interesses. Outros estão totalmente desinteressados: querem apenas trabalhar, se sustentar e viver com dignidade. É aí que mora o perigo.

Falar de planejamento urbano é uma tarefa difícil. Por trás dos termos e aplicações excessivamente tecnicistas, existem interesses dos interessados. E, quando não convergem para o mesmo ponto, fazem surgir rupturas e discursos muito diferenciados. Presenciamos isto em diversas cidades brasileiras, pois, felizmente, a cidade voltou a ser o tema central das discussões (não apenas no âmbito acadêmico). Na cidade a vida se realiza, a discriminação aparece e a exclusão socioespacial domina. Por exemplo: para um centro existir, é determinante que exista também uma periferia. 

Quem define o centro e a(s) periferia(s) de uma cidade? Uns diriam que é o "mercado", esse bicho de sete cabeças que regula o nosso tão especial direito à propriedade. Outros condenarão isto, delegando ao poder público a tarefa, sem esquecer da efetiva participação popular (social é diferente de popular). Graças ao Estatuto da Cidade, todos têm o direito da participação. Por outro lado, os interessados em que o "mercado" regule tudo utilizarão ferramentas (da mídia, propagando desqualificações do debate advindo dos populares interessados na coletividade; do Estado, articulando-se desde o período eleitoral) para que cada vez mais existam desinteressados nesse "jogo de cartas" que é o ato de organizar a (re)produção de terra (ou seja, propriedade, a qual nos leva à riqueza). Se há menos interessados em jogar, menos pessoas interessadas em acumular riqueza. Somente desta maneira é que o jogo se torna interessante para estes. Para a maioria desinteressada é um "tanto faz" perigoso. 

Com ideologias alienantes e que se propagam facilmente pela mídia tradicional, e o tecnicismo costumeiro do período militar (este foi o grande engodo da institucionalização do Plano Diretor na CF88), o número de desinteressados só tende a crescer. Assim, a única instância popular de planejamento urbano é "patrolada" pelo grupo de interessados que estão em maioria. Nesse caso, os representantes do "mercado". O cidadão do "tanto faz" é escravizado por um sistema pelo qual nem se dá conta e consome um tipo de vida na cidade, já formatado e especialmente preparado para gerar lucro aos donos da regra do jogo. Para um interesse surgir e dominar, é necessário que exista um desinteresse coletivo construído e reproduzido.

4 comentários:

  1. Sabemos que os interessados se organizam para poder tirar os lucros do jogo imobiliário. Ainda falta mais organização entre os outros interessados, a população em geral. Quem sabe não seria interessante formar alguma organização para podermos participar do Processo? Tambem cursei o PGAU e tenho ideias parecidas. Temos que pensar no bem comum e não somente a curto prazo. abç

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  2. Não entendi nada, mas, por via das dúvidas, fala com um daqueles "escravizados" que conseguiu sair do aluguel do casebre da periferia "da periferia" e foi pro centro da periferia, comprou um terreninho, construiu uma casinha (com churrasqueira) sua, com TV led, máquina de lavar roupa e secadora, geladeira novinha, carro financiado do ano, e vê se ele concorda contigo... duvido!
    É bom lembrar, sempre, que é difícil avançar sobre o direito de propriedade do "interessado" sem botar em risco o direito do "desinteressado". O país que chegou mais próximo disso foi a China, que estabeleceu uma espécie de "comuno-capitalismo-selvagem" de resultados... por enquanto tem dado certo, pelo menos enquanto conseguem reprimir um bilhão de "desinteressados" no campo miserável. Até quando? Não sei!

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    1. Nico,

      Metendo o bedelho, acho que o Charles Henrique estava falando sob outro aspecto.
      O dos desinteressados que compraram uma casinha e amanha podem vir a ter um predio olhando para a sua churrasqueira porque não se interessou nas mudanças que vem por aí.

      Acho que este é o enfoque.

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    2. Desculpa, Jordi, mas (se eu entendi), o Charles Henrique estava fazendo uma crítica ao "sistema". É a tal história, quem sabe esse "prédio olhando para a sua churrasqueira" não possa ser dele mesmo, daquele "desinteressado" de alguns anos atrás, não é mesmo? E aí, como é que fica? Passa a não ter mais direitos porque virou "interessado"?

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