sexta-feira, 29 de março de 2013

Um ano de trevas?


POR CLÓVIS GRUNER

 Enquanto escrevo este texto, circula nos sites de notícia a informação de que o PSC – Partido Social Cristão – decidiu, à revelia de parcela significativa da chamada “opinião pública” e contrariando, inclusive, solicitação de alguns parlamentares, manter à frente da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o pastor Marco Feliciano. Não é exagero retórico: a sua eleição há algumas semanas, deixou-me envergonhado. Agora, sua confirmação na presidência, quando muitos de nós esperávamos pela sua renúncia, faz aumentar a sensação de derrota e impotência. No dia de sua eleição, um aluno me disse que é só um ano. Respondi que, se fosse um único dia, já seria demais. 365 dias é simplesmente intolerável.



E não se trata das convicções religiosas do deputado-pastor. A princípio, não há nenhum problema em se eleger um religioso à câmara dos deputados, que conta entre seus membros com ex-jogadores de futebol, empresários, latifundiários, negros, trabalhadores rurais, sindicalistas, feministas, gays, etc... É um pressuposto das democracias modernas que o poder legislativo seja, por assim dizer, uma amostra da diversidade de um país e de seus interesses. E se os gays, por exemplo, contam com Jean Willys como seu porta-voz, não haveria equívoco algum em Marco Feliciano ser, além de deputado, evangélico.


DISCURSO DE ÓDIO - O problema não são suas convicções religiosas, mas ele valer-se delas para justificar seu discurso de ódio contra as mesmas minorias das quais passou a ser, eleito presidente da CDH, o principal representante no poder legislativo. Oras, não há absolutamente como esperar de um deputado e pastor que já deixou claro seu asco e intolerância contra negros e gays, principalmente; não há como esperar de um deputado e pastor que em sua prática, seja legislativa ou missionária, propaga o ódio, reproduz o medo e legitima a violência contra minorias – notadamente contra os gays –, que ele seja capaz de representar estas mesmas minorias naquilo que lhes é fundamental: a garantia de seu direito mínimo, qual seja, o de simplesmente existir.


Aliás, o tom de como funcionará a comissão a partir da presidência de Feliciano já foi dado nas primeiras sessões, com a cassação ao direito de palavra, entre outros absurdos, entre eles a manifestação do deputado Jair Bolsonaro, defensor da ditadura e da tortura, e também ele notório homofóbico, agora maioria em uma comissão que, nos últimos anos, havia se tornado fórum privilegiado de discussão e defesa da diversidade: “Não assistiremos mais aqui seminário LGBT infantil, com crianças sendo estimuladas uma a fazer sexo com a outra.” E não, não vou lembrar aqui do cartaz infeliz que o mesmo deputado empunhou em pleno congresso: ele sintetiza o estado de coisas a que chegamos.


A RESPONSABILIDADE DO PT - Por outro lado, insisto em lembrar que grande parte da responsabilidade pela condução de Feliciano à presidência da Comissão é do PT. E não se trata apenas de ressentimento ou frustração – embora, admita, há um pouco de ambos quando faço o balanço dos frutos que estamos a colher das alianças que o partido vem fazendo desde a última década. Sim, porque não basta recordar que a presidência da comissão já foi do PT. Nem que as lideranças partidárias decidiram praticamente franqueá-la ao PSC – partido da base governista – porque, interessados em comissões certamente mais estratégicas do ponto de vista político-partidário (quiçá, eleitoral), não viram problema algum em lotear a penúltima comissão a ser escolhida entre as lideranças partidárias.

A atitude, entre outras coisas, serviu para demonstrar a profunda indiferença que tem a maioria de nossos parlamentares, inclusive parte da bancada de esquerda, pelo tema dos direitos humanos e das minorias. Igualmente, não basta reafirmar que foi em grande parte graças ao PT que não apenas a presidência da Comissão foi assegurada a um partido que pouco ou nada tem a ver com ela. Ainda mais grave, foi conferir a PSC ampla e irrestrita autonomia para indicar um parlamentar de sua bancada para presidi-la.


TONS DE FARSA - Isto é muito, mas ainda não basta. A eleição de Marco Feliciano e sua agora permanência como presidente, coroa em tons de farsa o que começou como tragédia: em 2002, como parte da estratégia eleitoral que visava a eleição de Lula, tratou-se não apenas de amenizar-lhe a face e o discurso, mas de ampliar o leque de alianças, incluindo entre os que apoiavam o então candidato o Partido Liberal que, apesar do nome, era à época o principal braço parlamentar das igrejas evangélicas de matriz fundamentalista, entre elas a famigerada Universal do Reino de Deus. Mais recentemente, em 2010, enquanto a militância petista e demais eleitores de Dilma Roussef – eu inclusive – denunciavam, e com razão, a guinada conservadora do PSDB e de José Serra, a hoje presidenta rezava com Gabriel Chalita, beijava a mão de padres e bispos católicos, pedia e em alguns casos ganhou, o apoio de pastores evangélicos – entre eles, Marco Feliciano.

Mas a lamentável condução de Feliciano ao talvez único lugar no parlamento onde ele, definitivamente, não deveria estar, não apenas mancha ainda mais a já maculada reputação do congresso brasileiro: ela fere e corrompe um princípio caro às sociedades modernas e democráticas, que é o da laicidade do Estado. Em texto onde distingue o ‘laicismo’ de uma ‘cultura laica’, o pensador italiano Norberto Bobbio assim define a segunda: “El espiritu laico no es en sí mismo una nuevacultura, sino la condición para la convivencia de todas las posibles culturas. La laicidad expresa más bien um método que um contenido.”


SEDIAR A IDADE MÉDIA - A manutenção de Marco Feliciano na presidência da CDH, junto com a crescente influência que igrejas, principalmente evangélicas – embora não só – e suas lideranças tem exercido junto à instâncias partidárias e governamentais, coloca em risco “as condições para a convivência de todas as possíveis culturas” que é, ao concordarmos com Bobbio, elemento fundamental de um Estado e uma sociedade laicos. Já se disse, em tom de galhofa, que se o Brasil não for bem sucedido ao sediar, em 2014, a Copa do Mundo, pelo menos estaremos prontos para sediar a idade média. Já não consigo mais rir disso que, para mim, deixou de ser uma brincadeira. Não, certamente não acho que voltaremos ao medievo, tampouco acredito, como historiador, que se pode explicar dez séculos de história recorrendo a alguns chavões reducionistas, tais como os de que vivemos, no período, “mil anos de escuridão”.


O que me preocupa e amedronta é que estamos a assistir, impotentes e em alguns casos resignados, a escalada da intolerância, do ódio e do medo onde deveríamos experimentar, em pleno século XXI, uma sociedade mais plural e mais capaz de conviver na e com a diversidade. O que me preocupa e amedronta é assistir, praticamente imobilizado e impassível, o fundamentalismo religioso pautar a agenda política e usar o parlamento como espaço de legitimação do processo crescente de estigmatização e demonização do “outro” – o gay, principalmente, mas também o negro, o pobre, as mulheres feministas, etc... –, estigmatização e demonização de que o fundamentalismo religioso talvez não seja o único, mas é inegavelmente o principal artífice. O que me preocupa e amedronta não é o ano que passaremos com o deputado e pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, mas o quanto retrocederemos neste ano no pouco que já conquistamos até aqui e, não menos importante, a obscuridade do depois.

Clóvis Gruner é historiador e professor universitário

14 comentários:

  1. Sinceramente. Seu texto é um lixo!
    Se aceitar a critica, peço que leia o texto do link a seguir, e aprenda a escrever de forma sensata e isenta.
    Pronto... Falei!!!!

    http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/feliciano-a-comissao-de-direitos-humanos-e-a-evidencia-escandalosa-de-uma-fraude-intelectual-e-politica/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Reinaldo Azevedo? Isso é o melhor que tens, Anônimo? Reinaldo Azevedo é a muleta dos que são incapazes de pensar...

      Excluir
    2. Reinaldo Azevedo, anônimo? Duas palavrinhas para você: vergonha alheia.

      Excluir
    3. Reinaldo Azevedo isento? Só se for isento de caráter. Não sei porque insisto em ler os comentários.

      Obrigada pelo texto, Clóvis Gruner. Mal-estar é o mínimo que um ser minimamente sensato pode sentir diante da atual realidade. Compartilho.

      Excluir
    4. José Baço e Clovis Gruner. Ambos recalcados! E com certeza, sonham um dia em ter a expressividade de Reinaldo Azevedo, comentarista da Revista VEJA.
      Mais..... enquanto isto não chega, podem continuar sendo patéticos.

      Excluir
    5. É verdade. Todo dia eu acordo dizendo: "quero ser o Reinaldo Azevedo, quero ser o Reinaldo Azevedo, quero ser o Reinaldo Azevedo".

      Excluir
    6. Eu já paguei até consulta em psicólogo, tamanho o recalque de não ter a expressividade do Reinaldo Azevedo.

      Excluir
  2. Na verdade, nessa história da Comissão de Direitos Humanos e Minorias os partidos que deram anuência para o Feliciano assumir foram o PSDB e o PMDB. A entrada do PSC, e consequentemente o Feliciano, só foi possível porque o PSDB abriu mão de duas vagas na comissão.
    Os deputados Domingos Dutra (PT/MA) e Érica Kokay (PT/DF) têm sido uma das vozes mais fortes contra o Feliciano na presidência da comissão.
    Por isso tudo, discordo quando você diz que o PT é omisso

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Rebeca, por valorosas que tenham sido as atitudes dos deputados petistas citados, não estou aqui a criticar a ação isolada de um ou outro parlamentar, mas a da bancada do PT e suas lideranças que foram, sim, coniventes (na melhor das hipóteses) com a eleição de Feliciano.

      Um deputado federal pelo Paraná tentou justificar a atitude do partido alegando que era estratégico ao partido e ao governo garantir a presidência de comissões como a de Finanças, por exemplo. Com muito esforço consigo concordar com o parlamentar petista que, diante do contexto de crise econômica e a pouco mais de um ano das eleições presidenciais, colocar o PT à frente de comissões estratégicas como a de Finanças pode ser mais significativo.

      Por outro lado, a tentativa de explicação reforça a sensação de que o PT foi, sim conivente com a eleição de Feliciano. E que sua conivência traduz a indiferença de parte do partido e suas lideranças - e isto independe da atitude, louvável, de alguns deputados - para com temas ligados aos direitos humanos e das minorias, notadamente aqueles considerados pouco estratégicos eleitoralmente.

      De verdade? A sensação que fica depois de ver a CDHM ser negociada no mercado das pulgas do parlamento é que, para o PT, o que o voto conservador, porque ao menos na teoria, quantitativamente mais expressivo, vale mais que o voto das chamadas minorias.

      Excluir
  3. O Rola-bosta da veja pensei que tinha descoberto a imortalidade Anônimo 12:37

    ResponderExcluir
  4. se é que há o que culpar ou reclamar, deve-se culpar a pessoa, e não a religião. O fundamentalismo religioso pode servir de base para um ou outro que queira se apoiar nisso, e se é o caso, digo que a 'base' destes, é uma religião que prega nada mais que o amor. Evidencia o que é certo ou errado por seus ideais, mas não prega violência, ódio ou intolerância. Agora, a respeito do Feliciano, não vejo o porque das sete pedras nas mãos. Se é contra gays, que seja, é questão de opinião. E se ele usa de fundamentos religiosos para argumentar, que seja. Se você observcar recentes entrevistas, ele não mostrou que tem ódio por gays, ou negros. Usou de argumentos simples e explanou as palavras escritas e ditas por ele anteriormente. Vale a pena condená-lo por isso? Então que também seja feito o mesmo com o Jean Willys, que é declaradamente contra a igreja, chama de palhaços os cristãos e de circos as igrejas. Que seja condenado entao Marcio Retameto que ameaçou pegar em armas para matar os evangélicos... Sejamos justos então, com TODOS que dizem algumas palavras a mais do que o necessário em alguns momentos. Discriminação é crime? Ameaça e incitação a violência também. Esse mesmo que quer virar o Rambo e exterminar evangelicos, é contra a estrutura familiar que vem construindo o nosso mundo desde tempos passados. E quem é o pior deles então? Que sejamos apenas justos então, para a manutenção do que se construiu até hoje, e não pró revolução em prol do orgulho e reconhecimento de uma minoria que não suporta ouvir nenhuma virgula contra ela. Estão mais para chorões que não tem convicção do que querem e são, e por isso querem arruinar a sociedade como ela é agora. Se Feliciano trará 'um ano de trevas' a frente da CDH, se tudo que os políticos ativistas quiserem, for imposto para a população, viveremos uma era de trevas!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Seus pseudo-argumentos ecoam o ódio e a intolerância que meu texto denuncia, alimentados um e outra pela desinformação, a ignorância e o preconceito. Não valem o esforço da réplica.

      Excluir
  5. Achei a eleição do nobre deputado psstor uma vergonha mas, ao mesmo tempo, considero a preocupação expressa no texto um tanto exagerada. O deputado pode ser presidente da comissão mas não tem o poder de retroceder em políticas já implementadas de direitos de minorias. Basta que a sociedade fique atenta e não permita que isso aconteça e, se acontecer, será ai sim por omissão de todos nós.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O problema, Antonio, é que a Comissão tem sim o poder de fazer retroceder onde já estávamos a avançar. Dou um exemplo: em um de seus primeiros atos como presidente da CDHM, Feliciano tirou de pauta a apreciação e discussão dos projetos que propunham a legalização do casamento gay e suspendeu qualquer discussão acerca da descriminalização do aborto.

      Mesmo que os dois temas voltem à pauta da Comissão daqui a um ano, perdemos 12 meses. Na minha opinião, um retrocesso, principalmente em se tratando de dois temas controversos, cujos avanços, no Brasil, se dão sempre a passo de tartaruga, na melhor das hipóteses.

      Excluir

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem