quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O que é e o que não é utopia e a razão da nossa imobilidade


POR FELIPE SILVEIRA

Achar que toda proposta de avanço social é utopia é a maior barreira para o nosso desenvolvimento humano (aquele que importa, pois o econômico só é bom se servir ao desenvolvimento humano).

Desde sempre, mas principalmente desde a segunda-feira (30) – após a audiência pública sobre a licitação do transporte coletivo –, tenho ouvido que a passagem gratuita e a criação de uma empresa pública de transporte são utopia, coisa de doido e que não vai dar certo. O ponto comum entre todas as pessoas que falaram isso: elas não conhecem a proposta. Por isso, apresento-a vocês, aqui.

Ok. Agora que você leu pode dizer o que acha, se é possível ou impossível, se é justa ou se não é. Mas não se esqueça de que é a sua opinião e não a verdade. E você provar que a sua opinião é a mais correta, sem problema algum. Para isso, basta participar do debate. Você pode, inclusive, sugerir melhorias na proposta. Vou dar o exemplo de uma delas.

O ponto mais “polêmico” da proposta da gratuidade é a conta. Afinal, quem vai pagar essa conta? (vamos retornar a essa pergunta daqui a pouco). A proposta, que você acabou de ler, oferece algumas respostas. A principal delas é o IPTU progressivo, que além de financiar o transporte de milhares de cidadãos, permitindo o acesso à cidade, acabaria/reduziria a especulação imobiliária, resolvendo, ou chegando perto, pelo menos, de resolver o problema da falta de moradia. No entanto, a proposta também sugere, caso não seja possível o financiamento integral em um primeiro momento, o pagamento de mensalidade (baixa) a fim de fazer essa transição até a tarifa zero. Essa foi uma sugestão dada por uma das pessoas que se interessaram em debater e tornar a proposta cada vez mais viável. Assim ela foi e continua sendo construída.

Sacaram a diferença entre virar as costas e dizer que não é possível?

Mas, então, quem paga a conta? Aí entramos no debate político. Quem paga a conta do SUS, da educação? Todo mundo! Por que, então, que o transporte público, que só traz benefícios à mobilidade, ao meio ambiente, que diminui a fila no hospital e o nível de estresse da população, não pode ser financiado por toda a sociedade?

Fica claro aqui que a discussão é política, e não técnica. A segunda é importante, mas tem que estar submetida à primeira. E, para discutir tudo isso política e tecnicamente, é preciso vontade e coragem. Virar as costas, dizer que é utopia, e continuar a ser explorado pode ser mais fácil em um primeiro momento, mas essa é uma escolha sua.

13 comentários:

  1. Art. 167, IV, da Constituição: "São vedados (...) a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa (...)". Traduzindo, a receita do IPTU progressivo não poderia financiar um "Fundo Municipal de Transporte".

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    1. Do comentário do Luiz Eduardo nada se segue. Que os impostos não são vinculados, segundo a Constituição, é um truísmo que não interfere em nada no caráter político da proposta (como enfatizado pelo Felipe).

      O jurista Igor Sporch da Costa comenta o problema da não vinculação do IPTU progressivo em referência a necessidade de corrigir problemas sociais, ou seja, efetivar o direito à cidade, do seguinte modo (Revista dos Tribunais, número 908):


      "Ainda nesta linha, outro ponto que deve ser salientado refere-se à desvinculação da receita proveniente de impostos, prescrita pelo inc. IV do art. 167 da CF/1988. É verdade que, na extrafiscalidade, o escopo arrecadatório é diminuído já que se objetiva uma mudança comportamental, mas seria extremamente salutar a amarração das receitas provenientes da progressividade extrafiscal aos objetivos da política urbana, viabilizando o desenvolvimento de fundos públicos destinados, por exemplo, à construção de habitações de interesse social ou obras de urbanização. Não se pense que esta vinculação de receitas descaracterizaria a natureza jurídica do tributo, pois a não vinculação é um critério de Direito Financeiro – porquanto tributo não vinculado, conforme o art. 16 do CTN, é aquele não adstrito a nenhuma atividade estatal específica.
      Contudo, se esta mudança não desnatura o imposto, é inegável que ela somente será possível se a Constituição for emendada, o que dificilmente ocorrerá. Dessa forma, se os gestores públicos não se conscientizarem que a política urbana necessita de gastos governamentais, os quais podem ser custeados, em parte, pelas receitas provenientes da progressividade, estes recursos poderão ser empregados para quitação de outras despesas municipais, desvirtuando a natureza extrafiscal da medida, com todos os efeitos já apontados” (pp. 400-401).

      Do fato de não se seguir por lei a vinculação, não se segue que politicamente, segundo interesses políticos bem determinados (no nosso caso, uma política que implemente um transporte público de verdade), esses recursos não possam custear o transporte coletivo urbano. Basta que haja uma correlação de forças adequadas que garanta a destinação de recursos ao fundo. Isso o jurista reconhece – ou seja, que há, além do próprio direito, uma dimensão política incontornável – e que o IPTU progressivo, instrumento consagrado no Estatuto das Cidades, tem esse papel.

      É por isso que Felipe Silveira faz bem em destacar o aspecto político da proposta. Teríamos outros mil exemplos (desde a lei das oito horas de trabalho que faliria toda a economia até a impossibilidade do Estado de gerir a saúde, que mesmo ruim é ainda o que salva milhares de pessoas).

      De resto, vale notar que a proposta trata de internalizar a luta política em limites civilizados, no interior do Estado, na luta pelos fundos públicos. Até aí nada de novo, é justamente isso que caracteriza o problema central daquilo que o sociólogo Francisco de Oliveira chamou de “modo social-democrata de produção” (em “Os Direitos do Antivalor”, ed. Vozes). O bem-estar social é a luta pela destinação dos fundos públicos – na Europa, em torno da assistência social; na novíssima sexta economia do mundo em torno de direitos mais elementares ainda.

      O debate é válido, a crítica mais ainda. Mas sinceramente acredito que devemos levar em consideração os custos e resultados políticos da questão. Um Schneider, segundo dados desatualizados de 1994, que tem mais de nove milhões de metros quadrados da cidade não tem o dever de contribuir com a mobilidade das pessoas cuja a própria especulação é que as faz margearem-se nas periferias da cidade, contribuição essa via IPTU progressivo? Os mais modestos critérios de justiça social apontam nessa direção.

      Abraços.

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  2. É Felipe, prá tudo na vida existe um leque muito grande de opções e tentativas entre o possível e o impossível.
    Prá mim, nunca imaginei que pudesse morar na casa que tenho hoje, dar a educação que não tive aos meus filhos, enfim, ter um lugar um pouco mais ao sol, o que me parecia impossível.
    Para este governo, talvez o limiar entre o possivel e o impossível esteja no inicio da perda do controle pelos grupos que sempre dominaram esta cidade. Já deu prá ver no caso da LOT, por exemplo, que só não foi votada nos moldes impostos pelo setor especulativo por força da Sociedade que entrou na Justiça. E o governo "popular socialista" iria dizer amém.
    Não sei por quanto tempo esta Sociedade terá força e meios de frear o rolo compressor, mas como falaste, a escolha depende de cada um de nós.

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  3. Sim Felipe ,esta é uma proposta puramente política, tecnicamente não apresenta argumentos capazes de convencer qualquer pessoa que saiba somar 2+2, tendo estudado em escola pública ou privada.

    A inviabilidade de estatizar mais ainda nossa querida cidade caracteriza-se pelo fato da prefeitura já ser o maior empregador individual, além de onerar a população que gera a riqueza para custeio criará mais insegurança em eventuais quedas de arrecadação.

    O discurso fácil de gratuidade com qualidade não se sustenta em outros exemplos de serviços públicos.

    Exemplificando:
    O típico funcionário das indústrias de Joinville, opta pelo emprego em empresas que pagam plano de saúde com desconto parcial na folha de pagamento entre trabalhar em outra onde não ocorre este desconto mesmo podendo ele gozar da gratuidade dos serviços de saúde pública de qualidade municipal.

    Sindicatos e políticos adoram estatais porque lá podem promover seus "saques"

    Acredito na pulverização dos serviços, incluindo "empresas com somente uma Van", nada mais forte que a vontade popular quando lhe permitirem exercer o direito de escolha.

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  4. Dirk,

    A diferença entre um sistema público que não funciona, e um sistema público que pode funcionar muito bem, que é o que o projeto Tarifa Zero propõe, está na participação popular. Comparar o Tarifa Zero com o SUS é cabível quando falamos da gratuidade, afinal, por mais que você trabalhe em uma empresa que te paga parcialmente, e veja, isso é um grave problema, se um dia você estiver desempregado, você terá acesso ao SUS, correto? No entanto, a qualidade será determinada por aqueles que utilizam o sistema, através do Conselho de Usuários, com poder deliberativo. Ok, aqui você pode achar que é utopia, mas lembre-se, ali está o link da proposta, se acha que está errado, diga como pode melhorar. Um conselho com poder deliberativo, uma gestão municipal, com fiscalização desse conselho. Temos aqui outro panorama. É preciso entender que não estamos querendo transformar o transporte coletivo privado no SUS. O nome da carta já diz, "Transporte Público, gratuito e de qualidade". Para isso, creio que com a população organizada, seja possível, não?

    Outro ponto é que parece que não estamos tratando de como é a situação de trabalho dos funcionários de Gidion/Transtusa. Empresa privada, boa? Os motoristas/cobradores não tem qualquer liberdade sindical, enfrentam horários e linhas estressantes, tudo isso com uma folga por semana.

    A pulverização não é solução, em Florianópolis existem mais empresas e a situação não é diferente daqui. Não estamos falando de bolacha, tênis, ou roupa. Transporte público (perceba a palavra) não é um item do supermercado que fazemos pesquisa para ver qual o mais barato, o que tem maior custo benefício. Transporte público é direito vinculado a outros direitos, pois na constituição a saúde é garantida, a educação também, mas o seu acesso também deve ser. E como fazemos isso quando pagamos R$5,50 para acessá-los?

    Não estamos aqui lutando por um direito individual, não estamos aqui querendo que aqueles que já são muito onerados, sejam ainda mais. Peço, leia a proposta novamente. As formas de financiamento não estão nas camadas mais baixas da população, estão nas mais altas. E me desculpe, se você discorda disso, aí não temos diálogo.

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    1. Felipe Bello

      A proposta do Link tinha somente 1 página, onde encontro o plano completo para poder fazer um melhor juízo?

      Exemplifiquei o sistema de saúde por ser de melhor compreensão, causa-me espanto servidores públicos exigindo planos de saúde e previdência privada. Não confiariam no serviço de seus pares?

      A situação dos funcionários é delicada, imaginem o mesmo sindicato que diz representa-los repentinamente passar a combater um esforçado motorista que decidiu estabelecer uma empresa de transporte e assim contratar alguns colaboradores.

      Havendo somente uma fábrica de bolacha, tênis, ou roupa, pública ou privada, mesmo sendo itens "desnecessários" e sem proteção de direito constitucional seus preços de venda seriam muito superiores aos atuais e não poderíamos comparar e escolher a qualidade. Com a pulverização, pequenos empreendedores o transporte público não seria encontrado em gondolas mas atenderia um público maior pela oferta de alternativas, preço, rotas, conforto ao gosto do fregues.

      Imagine o impacto positivo na economia e sociedade com 50 ou 100 motoristas transformando-se em empresários do ramo de transportes. Maravilhoso não?

      Sobre transporte público e mobilidade urbana há muito para ser debatido até que cheguemos próximo do ideal. Valorizo o o diálogo, principalmente com opiniões discordantes, discutir com quem pensa igual só serve para inflar o ego e nada mais.

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  5. André

    Gostei de seus exemplos de corrupção, são uma vergonha para todos nós e me convence mais ainda que quanto menor for o estado menor é o desvio. Infelizmente quando dedicadas a burocracia e partidarização governamental muitas pessoas que não deveriam ter a honra de serem chamadas de empresários misteriosamente são mais frequentes.

    Preocupa-me o tal conselho deliberativo ser inundado de fracassados profissionalmente e nas urnas mas "de confinaça" para o cargo.

    Muito feliz seu exemplo das universidades públicas, ainda mais em uma cidade onde a maioria dos profissionais formou-se em cursos noturnos, pagos e valorizados pelo mercado e estudantes. Em uma luta pela cobrança de mensalidades com oferta de bolsas pelas universidades públicas, com certeza podemos nos juntar.

    Anotei os links, vou analisar com calma, em caso de dúvida entro em contato.

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  6. Quanta bobagem, Felipe Silveira...

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    1. Explique a bobagem, senhor Anônimo.

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    2. Exemplifico, então.

      "Achar que toda proposta de avanço social (...)
      mas essa é uma escolha sua."

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  7. É obvio que é uma escolha do Felipe e de quem compartilha com as suas idéias, senão por que estaríamos a discutir? Como foi falado, que bom que existam as discordancias e diferenças, é prá isto que serve a democracia, não? Temos a informação de quem detém o controle, de quem faz funcionar o sistema, de quem se utiliza do sistema, e de quem tem sugestões e críticas do mesmo. Vamos discutir?

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  8. Eu acho que esse modelo tem futuro, acredito que pode dar certo, e que traria uma melhora surpreendente ao precário transporte público de joinville, mas acredito que isso só será possível se conseguirmos afastar totalmente a infiltração da política e do setor privado, e o combate à criação de lideranças dentro do círculo de gestão popular, pois são essas lideranças que permitem a infiltração da corrupção em grupos populares. Quanto a questão técnica/financeira, talvez nem tudo citado seja possível, mas no pior dos casos é possível atingir um valor bem baixo a ser cobrado da população.

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