sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Não aperte este botão!


POR FABIANA A. VIEIRA
"Mas nos deram espelhos, e vimos um mundo doente"
(Renato Russo, Índios)

Uma coisa chamou minha atenção nas últimas semanas. Um tema que não traz impacto direto para Joinville, porém têm um efeito devastador para todos nós.
Falo do vídeo que se perpetuou na internet sobre Belo Monte. Atores, na maioria globais, provocando um 'levante", instigando uma parada imediata na construção da usina hidrelétrica no Pará. Uma obra de grande porte que pretende atender uma demanda nacional - incluindo nós, joinvilenses. O vídeo é impactante, diga-se de passagem, e tem foco: aponta o dedo para o governo. Se propagou como água* nas redes sociais.
Quero ressaltar que não vou entrar na defesa nem tampouco demonizar qualquer "projeto de desenvolvimento", mesmo porque não sou técnica nesse assunto. O que questiono é a ação cega de internautas, de pessoas comuns que, como eu, não dominam o tema. Por isso, um vídeo com tanta gente bacana (escolhidas a dedo pelo forte apelo popular que tem), que fala comigo, que me chama para uma responsabilidade e que ataca diretamente o governo é um estopim para ser propagado virtualmente. É simples. Você recebe um vídeo, se identifica com aqueles personagens, veste a camisa, e dispara para o maior número de contatos possíveis da sua rede virtual. Depois você continua na frente do computador com a sensação de orgulho por ter ajudado a salvar o planeta.
À PROCURA DE RESPOSTAS - Mas qual a sua responsabilidade pela construção de uma usina a ser instalada no meio da Amazônia? Não, não me diga que isso não é um problema seu. Não empurre para um culpado. Precisamos de energia, lógico. Já somos 7 bi no mundo e ninguém quer ficar no apagão (sim, me refiro a "Crise do Apagão" que, para quem não lembra, deixou muita gente de cabelo em pé entre 2001 e 2002, os dois últimos anos da era FHC. Lembrou?). Quando vi o vídeo, dos atores interpretando, e muito bem (ou alguém acha que aquilo foi gravado de improviso, de inteligência socioambiental ou iniciativa pessoal?), um texto forte, direto, com ângulos muito bem editados e produzido por uma megacorporação (talvez a própria Rede Globo camuflada de ONG), pensei comigo: "Tá, eu não sou idiota. É óbvio que não simpatizo com a ideia de uma usina dentro da Amazônia. Mas também não sou massa de manobra de megacorporações. Quais são nossas alternativas?"
E foi na minha inquietação, nas conversas com técnicos no assunto, nas pesquisas, nas frustrações políticas que fui encontrando as respostas sobre nossas alternativas. Nas minhas leituras vi que nem um parque eólico, muito menos solar são compatíveis com o que representa uma represa no Rio Xingu. Nem mais limpa. Por que pelo que sei, um parque eólico, por precisar de vento, costuma ficar no litoral, onde também ficam nossas praias! Ou no alto de serras e montanhas O que é mais limpo? Instalar gigantescos cata-ventos nas areias ou utilizar uma represa de água limpa no meio de uma floresta cheia d'água? Queria ver a cara dos atores ao verem alteradas as paisagens paradisíacas das praias da Cidade Maravilhosa, do Jurerê Internacional, da Joaquina, da Jericoacoara e tantas outras praias do nosso litoral. Ou ainda, nos depararmos com tais equipamentos no meio de montanhas e serras. Como se isso não tivesse impacto algum com o meio ambiente também. A energia eólica afeta paisagens com suas torres. Suas enormes hélices podem ameaçar várias espécies de pássaros ou outros animais daquele ecossistema. Ah, também há um certo nível de ruído (de baixa frequencia) que pode incomodar os animais (entre eles, os racionais). Você já imaginou quantos parques eólicos teríamos de ter nessas áreas para gerar energia como a hidrelétrica de Belo Monte? Confesso que não simpatizo com essa alternativa também, pelo menos nessas proporções, pois estamos falando de 11 mil megawatts.
Há outra opção, como a produção de energia solar. Só que iríamos precisar de um área colossal e que não serviria para mais nada. E onde teríamos espaço para produzir tal demanda? Se você é um especialista no assunto, me corrija. São informações que obtive ouvindo os dois lados desse debate, que muito me interessa. Além disso, ouvi de técnicos ambientais que existe variação na quantidade de energia produzida conforme nosso clima (em nenhum lugar do Brasil temos sol 365 dias). E outra: durante a noite também não existe produção alguma nesse espaço, e ainda seria preciso pensar no armazenamento da energia que foi produzida durante o dia. Essas formas de armazenamento são comprovadamente pouco eficientes quando comparadas com uma energia hidrelétrica, por exemplo. Isso sem falar que o índice de energia produzido também é muito mais baixo, comparado com uma hidrelétrica. Incompatível.
Não vou falar de usina nuclear por questões óbvias.
Enfim, minha "ficha caiu" quando li uma entrevista de Célio Bermann, professor da USP e um dos mais respeitados especialistas na área energética do país (segundo a Revista Época, coincidentemente da editora Globo):
"Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou use uma tecnologia eólica, por exemplo, para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde (...) É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar energia elétrica. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à luz de velas...”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina hidrelétrica.
Você consegue enxergar sua responsabilidade nisso? Se não, peço que releia o parágrafo anterior.
E O SEU CONSUMO? O professor, que é contra a construção da usina, lança desafios quase imperceptíveis na sua lógica. O principal deles: a alteração dos hábitos de consumo. E eu te pergunto: você aí, do outro lado da tela está disposto a isso? Você está disposto a reduzir seu consumo? Racionalizar a energia que consome? Modificar seus hábitos? Educar as próximas gerações para essa árdua tarefa? Não apontar o dedo para um culpado, mas apontar o dedo para você? Na sua entrevista, o professor diz sofrer ao chegar em casa e não ligar o computador para checar seus e-mails. Para ele, isso seria beneficiar-se de uma "comodidade" que a energia elétrica, em particular, nos oferece.
Essa conscientização é perfeita, mas não é real. Pelo menos aqui. E isso não se dará de um dia para o outro. É lógico que defendo a produção de energias renováveis, solar, eólica, biomassa e tantas outras. Acho que, muito lentamente, estamos nos apropriando da sua funcionalidade, mas seu progresso se dará com o tempo. Com conscientização, vontade política, incentivo, necessidade e sobretudo, da potencialidade de cada região. Como está a situação aí no seu Estado sobre energia renovável? Como você interfere nesse desenvolvimento? Quais seus hábitos dentro da sua casa? Você usa aquecedor solar? Seus vizinhos também? E os amigos? E no seu trabalho, como é sua rotina de consumo? Você já viu um empresário utilizar um painel fotovoltaico para economizar energia? Eu admiro profundamente a atitude do professor, mas reconheço que essa disciplina não é tão fácil como parece. Precisamos enraizar essa cultura, e isso leva tempo. O que me deixa indignada é ver pessoas levantando a mão contra uma alternativa que pode (como as outras alternativas) causar impactos, e ao mesmo tempo, essa mesma pessoa consumir absurdamente energia. Como se ela brotasse do chão. Não, ela brota da água também.
É muito fácil criticar, repassar emails, editar vídeos, dizer que o governo está errado! Mas eu acho que a sociedade tem de rever seu conceito de consumo. E não falo só de consumo de energia não. E o consumo do lixo? Os assuntos estão ligados. Não basta cobrar apenas do Poder Público, como se não tivéssemos uma responsabilidade imensurável de dar destino certo ao lixo. Ou melhor, do desperdício e consumo do lixo. Jogar lixo no chão (um chiclete, uma bituca de cigarro, uma lata de cerveja) e sair do mercado cheio de sacolas plásticas, tem a mesma proporção daquele indivíduo que está em casa sozinho com as luzes acesas, TV ligada, usando o computador, ao lado do celular. Ah claro, tudo isso com um refrescante ar condicionado ligado no máximo. Uma hora alguém vai pagar a conta pela irresponsabilidade alheia.
É lamentável, mas infelizmente muitas usinas virão em nome do desperdício que o ser humano insiste em não enxergar. O governo tem culpa? Não vou isentá-lo da sua parte. Historicamente, eu diria! Muita grana, muito discurso, muito desvio, muitos votos, grandes e milagrosas obras etc, etc. Mas o povo! Ah, o povo! PROGRESSO?Cada vez mais engolido pelo consumismo absurdo e o desperdício de água, de luz, de alimentos, de atitude, de novas ideias, de novos hábitos. Desperdício de voto (porque quando um país elege um Tiririca como deputado mais votado - o quê pode se esperar da política?). Infelizmente pagamos a conta de um povo que quer progresso mas age com retrocesso...
Hoje mesmo vi uma pessoa jogando latinha de refrigerante pelo carro! ALÔ, estou falando de Joinville. Cidade rica, Sul do país. A resposta para isso é a falta de energia, óbvio! Falta de água, claro. Rios e mares cheios de lixo. Animais abandonados e/ou extintos (porque isso, para muitos, é uma questão secundária, sem importância alguma. "Não é comigo"). Mas enquanto o povo não tiver consciência do seu consumo/desperdício e da sua responsabilidade nesse processo, a "modernidade" virá truculenta, patrolando nossas florestas, mares, rios, animais. E quando digo POVO, não falo da probreza, não! Incluo a classe média/alta, que também é grande responsável pelo desperdício de luz, de água, de dinheiro, de cinco carros para uma família de quatro pessoas, uma infinidade de lixo eletrônico jogado em qualquer lugar, compras cada vez menos necessárias.
O que tento dizer com essa indignação toda é que enquanto houver desperdício de luz, haverá usinas (seja ela da forma que for). Enquanto houver desperdício de lixo, haverá impacto ambiental. Temos que parar de reclamar do governo (e reclamar é diferente de fiscalizar, acompanhar, cobrar) e apontar para nossas atitudes.
Meu desencanto com a falta de consciência humana, ajuda a compreender obras como a de Belo Monte (que aliás, já começou e está a todo vapor). Não sou ingênua. Sei que há muitos outros interesses escondidos nesta usina. A política é sorrateira. Tem muita gente interessada em dinheiro, em votos, em desenvolvimento milagroso, em poder, em alianças políticas, em eleições daqui há 10 anos. Por outro lado também há interesses ferozes pela não-construção da usina e o caos que representaria um novo apagão no Brasil.
Enquanto tudo isso gira, nós aqui, pobres mortais, estamos impulsionando essa engrenagem toda cada vez que ligamos um botão.

6 comentários:

  1. Fabi, muito bom o texto. Eu, que a princípio sou contra Belo Monte, tive horror ao video da Globo. O teu texto problematiza a questão, e isso que é importante. Parabéns.

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  2. Obrigada, Elisa! É realmente muito triste nos depararmos com um ato tão violento como esse que a Globo tentou camuflar. Um crime a inteligência alheia! Bom poder compartilhar esse sentimento com vc! Sobre Belo Monte, vamos continuar acompanhando. Afinal, são 30 anos de discussões e muitas vidas perdidas. Gostei do que li nas alterações do projeto. Se são suficientes, acho que só o tempo nos dirá! Um abração

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  3. Fabi,
    a história de Belo Monte já está sendo discutida há meses, e que bom que vc trouxe prá nós através de uma visão mais ampla e crítica.
    Prá toda e qualquer modificação do nosso meio, mesmo a construção de uma casa, teremos um impacto, maior ou menor, amplo ou reduzido. E uma hidrelétrica destas dimensões as proporções também acompanham. Foi feito todo o ritual de licenciamento, oferecido o controle necessário e as compensações. Confesso que estava em dúvida quanto a magnitude dos impactos, mas acredito que não é possível prever tudo quando se trata de natureza, e de um planeta que está em constante modificação. Acho que a hidrelétrica é necessária, e a matriz energética brasileira está num caminho certo.
    Agora quando assistimos esta campanha toda global, sempre com as suas terceiras intenções, temos que ficar ligados, afinal a telinha ainda joga as cartas neste país.
    Gostaria de ressaltar que apesar da campanha contra o novo Codigo Florestal utilizar também artistas, entendo que não tem nada a ver uma coisa com a outra. São pessoas sérias, com passado e história, e que estão colocando a disposição de um movimento não apenas sua imagem, mas suas convicções. O código precisava de algumas revisões e atualizações, mas não este crime que está sendo proposto a favor dos desmatadores por parte do nosso ilustre Senado e Camara.
    Por fim, em relação a necessária mudança de nossos hábitos, é isto que tu falou, estamos todos num barco que está afundando, se a conduta não acompanhar o discurso estamos ferrados.

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  4. Gayer, suas palavras me encantam! Fico feliz por compartilhar esse sentimento com um profissional como você, que respeito tanto! Sobre o Código Florestal, concordo com sua crítica. Vi alguns vídeos de artistas, mas que diferem dessa campanha de Belo Monte. Há de separar as coisas, sim. Sobretudo quando falamos em anistia. Vamos ficar de olho no nossos senadores catarinenses. (parece ironia né?)...Um grande abraço

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  5. Belo Monte poderia ser apenas mais um projeto de infraestrutura de um país em desenvolvimento, mas se tornou símbolo de uma guerra travada pelas ONGs contra os interesses de uma nação inteira. Uma guerra que havia sido vencida no passado, quando conseguiram evitar a construção da usina, na década de 80. Agora, com três décadas de atraso, o Brasil decidiu mostrar que é um país soberano e que não cederá aos encantos dos ricos do Norte.

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  6. Rebeca, o projeto final nada tem a ver com àquele formulado em 1975. Houve muitos erros no passado (veja o caso de Balbina). Acho que sempre podemos aprender com eles, principalmente para não repetí-los (na minha mais otimista visão). Sobre Belo Monte, são 30 anos de discussão, planejamento, re-planejamento, muitas alterações para reduzir impactos (mais de 60% da area atingida, por exemplo), estudos e, infelizmente, muitas vidas roubadas. Aliás....a realidade cruel enraizada na nossa Amazônia vai muito além de Belo Monte - em nome daquilo que vc cita como "poder dos ricos do Norte" - lamentavelmente. Agradeço pelo seu post! Um abraço

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