quinta-feira, 29 de maio de 2014

O ovo da serpente


POR CLÓVIS GRUNER

“Se eu lhe dissesse olhe além do horizonte/ 
Será que você olharia?/
Bravo mundo novo está nascendo/
 Pelo visto vai te surpreender um dia”
Philippe Seabra e André X (Plebe Rude)

Os europeus foram às urnas no último final de semana, e os resultados das eleições, além do gosto acre na boca, fizeram acordar de seu torpor as principais lideranças políticas do velho continente: pela primeira vez em décadas, a extrema direita conquistou amplo apoio eleitoral na maioria dos países, aumentando significativamente seu peso e importância no Parlamento Europeu. O fenômeno é novo entre outras coisas porque o avanço conservador não se deu apenas naqueles Estados considerados “problemáticos”, como a Croácia, onde o nacionalista HSP conquistou espantosos 41,39% dos votos. As legendas e alianças de extrema direita, que hoje abrigam os restos de um fascismo que, equivocadamente, imaginávamos sepultado, avançaram em países importantes e em sociedades de perfil tradicionalmente mais liberal.

No Reino Unido, por exemplo, o ultradireitista UKIP conquistou cerca de 29% dos votos, um aumento expressivo se comparados com os pouco mais de 16% em 2009. Na França, a Frente Nacional, comandada por Le Pen, deu um salto ainda maior: de insignificantes 6,3% na última eleição, conquistou 25,4% dos eleitores no pleito de agora. Mesmo na Alemanha, onde o Partido Nacional Democrata conquistou o que parece ser um número ínfimo dos votos – apenas 1% – a situação não é confortável: afinal, o NPD é franca e abertamente neonazista, e que ele tenha conquistado algumas cadeiras no Parlamento Europeu é em si preocupante, pouco importa o número.

Não me sinto em condições de avaliar o quanto, desse resultado, é fruto do descontentamento dos eleitores com os caminhos e descaminhos da União Europeia. Há também, por certo, uma tentativa de responder, nas urnas, à incapacidade dos governos de oferecerem uma resposta à crise econômica a afetar, mesmo que desigualmente, a vida de milhões de cidadãos. Mas o resultado das eleições sintetiza, igualmente, um processo crescente de radicalização à direita nas sociedades europeias: marchas contra o aborto e o casamento homossexual; a xenofobia; a hostilidade contra muçulmanos; o nacionalismo exacerbado, etc..., expressam desde algum tempo os riscos a que estamos submetidos quando fazemos do ódio, do ressentimento e do medo os principais afetos a orientar as ações políticas.
Fonte: http://www.lamarea.com/2014/05/26/resultados-de-la-extrema-derecha-en-europa-por-paises/

E O BRASIL COM ISSO? – Desde o final de semana tenho lido, principalmente nas redes sociais, manifestações de partidários do governo petista a usar os resultados das eleições europeias como um pretexto a reforçar a importância da reeleição de Dilma Rousseff. O argumento é simples: se a intolerância conseguiu avançar mesmo em um continente que, ao menos em tese, deveria estar imunizado contra ela depois das experiências do século XX, o Brasil não está a salvo da tormenta. A reeleição de um governo de esquerda, nesse contexto, pode não ser uma garantia, mas ao menos minimiza as chances que o mesmo ocorra desse lado do Atlântico. Não estou tão certo.

Nos últimos anos – e particularmente nos últimos meses – não faltam exemplos de que os níveis de intolerância, não raro inflacionados por vozes midiáticas, se impuseram no debate (ou falta de) público. Os justiçamentos que pipocam pelo país, com indivíduos presos a postes, quando não linchados em praça pública, são apenas a face mais atual e abjeta de uma sensibilidade cada vez menos disposta à uma conduta pública pautada por princípios que são os da razão, da ética e da solidariedade; e disposta a investir suas energias na propagação da violência, física e simbólica, contra os muitos inimigos, reais e imaginários, que surgem aos montes sempre que a ignorância, o ódio e o medo pautam o que talvez já não se possa mais chamar exatamente de “política”.      

Que isso esteja a acontecer justamente em um governo de esquerda, o mesmo que empreendeu a maior e mais eficaz política de inclusão social e combate à miséria extrema, não chega a ser contraditório. Sob certo aspecto, os governos Lula e Dilma valeram-se principalmente de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de consumo de parcelas significativas da população, para diluir outros temas e travar pautas fundamentais ao avanço dos direitos humanos e da democracia. A aliança dos governos petistas com, por exemplo, segmentos religiosos fundamentalistas ou com a bancada ruralista no Congresso, está na origem da indiferença institucional para com temas e políticas que deveriam ser fundamentais a uma política de esquerda.

Em nome da governabilidade, Lula e Dilma colaboraram para a reprodução de uma já histórica despolitização de parcela significativa da sociedade brasileira, danosa para a consolidação de uma democracia efetivamente pluralista e sensível aos direitos humanos mais fundamentais. E acho, particularmente, que as consequências disso ainda não podem ser medidas em toda a sua extensão. Mas acredito que, na Europa como aqui, parte da responsabilidade pelo avanço conservador e do protofascismo reside, justamente, na fragilidade de uma esquerda que não teve e não tem a necessária coragem de fazer uma política efetivamente de esquerda, preferindo ajudar a chocar o ovo de uma serpente que acabará por nos envenenar a todos.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Udo não é Freitag


POR JORDI CASTAN

Durante a campanha foi construída a imagem que o perfil do então candidato Udo Dohler encaixava ou tinha fortes semelhanças com o ex-prefeito Wittich Freitag. Muitos eleitores acreditaram nesta semelhança e votaram na figura do empresário.

As semelhanças são e sempre foram muito menores que as construídas habilmente pelos marqueteiros. O nome "alemão", o jeito turrão, o perfil empresarial, a imagem de parcimonioso nos gastos, de bom administrador. E mesmo algumas outras mais anedóticas que verdadeiras.

O Wittich Freitag da primeira gestão foi ousado, inovou e estabeleceu linhas mestras que ainda perduram na Joinville de hoje. Na sua segunda gestão a doença não lhe permitiu repetir o sucesso do primeiro mandato. Se na época a reeleição tivesse sido possível, provavelmente a Joinville de hoje seria outra. Não o foi e temos hoje esta Joinville que aqui está.

Na sua gestão Udo Dohler tem sido medroso, não tem agido com a coragem que muitos de seus eleitores esperavam. Tem deixado de fazer as mudanças que a cidade precisa, preferindo manter cargos, privilégios e preservar o "status quo". Boa prova disso é a composição do seu secretariado e da maioria dos cargos comissionados. A outra é a relação quase promíscua que mantém com o legislativo.

Faria bem ao prefeito Udo Dohler estudar melhor a gestão Wittich Freitag. E ainda melhor se também desse uma lida atenta a gestão de outro político oriundo do meio empresarial, o antigo prefeito Nilson Bender. O atual prefeito só teria a ganhar se aprofundasse o estudo de esses interessantes episódios de nossa história recente e se concentrasse em analisar melhor as diferenças entre a gestão de um e de outro com a sua.

É evidente que Joinville hoje não é a mesma que na década de 80, mas os valores éticos, morais e os princípios administrativos de sucesso de ontem e de hoje continuam sendo válidos.

terça-feira, 27 de maio de 2014

O desumano e desenvolvido Iririú

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O Bairro Iririú, em Joinville, possui aproximadamente 24 mil moradores e é um dos bairros surgidos na década de 1970 graças à horizontalização da cidade, oriunda de um modelo de planejamento urbano selvagem (segregação, áreas de ocupação irregular, desmatamento e aterro de manguezais). O bairro se desenvolveu, e com o passar dos anos, é uma prova viva de que o desenvolvimento, se não for construído em uma harmonia entre sociedade, meio ambiente e economia, é qualquer coisa, menos desenvolvimento.

Tudo começou quando o Iririú se tornou uma espécie de "portal" para a zona leste de Joinville, pois todo o sistema viário passava a ligar, direta ou indiretamente, os bairros da região ao centro da cidade, cortando o núcleo urbano do Iririú. Este fato deu muitas vantagens à região, como a valorização imobiliária, a grande quantidade de serviços especializados (todas as grandes redes bancárias possuem uma agência no bairro, por exemplo), um terminal de ônibus, alta rotatividade de pessoas e veículos e uma economia forte. Segundo dados do IBGE de 2013, o bairro possui 6,3% de todos os estabelecimentos comerciais da cidade, 5% das indústrias e 4,2% das empresas de serviços. Além disto, possui uma grande área verde, pois está "cravado" entre o Morro do Boa Vista e o Morro do Finder. É, de fato, uma das maiores subcentralidades da cidade.

Analisando friamente estes dados, é um ótimo bairro para se habitar. Entretanto, o cenário está mudando rapidamente, pois as vantagens estão se tornando deficiências, devido à má administração e planejamento da região.

O sistema viário está se tornando o grande problema do Iririú, apesar de parecer o contrário. A inauguração do "Binário do Iririú" por LHS nos anos 1990, junto ao incentivo que a política do automóvel obteve na cidade e no país nos anos posteriores, gerou um caos: como é passagem do centro para a zona leste, e vice-versa, o bairro foi tomado por congestionamentos, acidentes, e um lugar intransitável para pedestres porque a velocidade dos automóveis é muito acima do normal. Adiciona-se o fato de não haver uma sinalização eficiente (faixas de pedestres semi-apagadas, ciclofaixas que não se conectam entre si...), ciclovias, calçadas adequadas, e um sistema de monitoramento por radar (cadê a licitação, Prefeitura?).

Segundo estudos do setor de Mobilidade e Acessibilidade do IPPUJ, a Rua Iririú, a principal do bairro, é a que mais recebe fluxo de automóveis nos horários de pico, considerando toda a cidade de Joinville. E os carros andam por verdadeiras pistas de motocross, digo, remendos feitos pela Cia. Águas de Joinville nas obras de esgotamento sanitário.

O Morro do Finder deixou de ser parque faz tempo. O projeto do Fonplata parece estar longe de contemplar o local, mesmo que no papel recursos estejam garantidos há mais de 10 anos. Em toda a extensão do bairro, não há nenhuma área de lazer (não considero a pequena "Praça da Santa" como tal), enquanto a área verde em abundância poderia ser melhor aproveitada.

Para piorar, as escolas estaduais do bairro constantemente aparecem nas páginas dos jornais como interditadas (obrigado, LHS e Colombo!) e deixam os jovens com uma educação pobre e de pouca qualidade. É um bairro com pouco espírito crítico, formador de poucas lideranças (o último vereador morador do Iririú foi eleito em 2000) e as associações comunitárias revezam os Presidentes entre si (pois não há espaço para renovação) - que geralmente são cooptados por políticos "caciques". E a LOT pretende tornar "Faixas Viárias" as já saturadas ruas que ano após ano abrigam mais prédios, mais carros, e mais problemas.

O bairro, enfim, pede socorro. Pede por algo que caminhe no sentido de uma humanização do território, com áreas verdes utilizáveis, menos carros nas ruas e um maior incentivo ao transporte coletivo; uma urbanização menos agressiva perante as áreas de encosta dos morros e uma oxigenação das lideranças. Ou seja, algo que o dito "desenvolvimento", tão propagandeado na cidade, não trouxe. Os representantes e gestores devem olhar para o Iririú desprovidos dos números, pois estes são enganosos e não mostram a realidade dos moradores locais.

domingo, 25 de maio de 2014

Tudo é uma questão de gestão

POR IURI SIVIERO

Na campanha a prefeito em 2012, o então candidato do PMDB, Udo Döhler, afirmava aos quatro ventos que administrar uma empresa e gerir o serviço público eram a mesma coisa. Tudo era uma questão de gestão. Passado um ano e quatro meses, o prefeito vê a administração pública com outros olhos. Essa nova experiência faz com que ele esbarre nas limitações burocráticas, administrativas e principalmente discricionárias de quem está a frente do executivo.

Enquanto ele se lamenta da judicialização administrativa municipal e da oposição sistemática de “dois” vereadores, fazendo com que os joinvilenses reflitam apenas sobre o viés do engessamento que estes fazem à sua administração, gostaria de aqui trazer um outro foco: o poder discricionário (como citei anteriormente) de um prefeito, governador ou presidente.

Na administração anterior (Carlito Merss), o número de opositores na câmara de vereadores era de 14 dos 19 legisladores. Afinal, só no início do governo foram abertas cinco CPIs que não comprovaram nada. Ou melhor, mostraram claramente a vontade política de impedir o trabalho do executivo. O Ministério Público agia beirando a voracidade. Não podemos esquecer de casos como o da contratualização dos oftalmologistas, do camelódromo, da LOT, da Conurb, da Arena, e tantas outras situações que poderiam emperrar o desenvolvimento de nossa cidade.

Vivemos em uma sociedade republicana e democrática, certo? Então vejamos até onde essa máxima constitucional é aplicada em nossa cidade. Na gestão de Carlito Merss, alguns afirmavam que a democracia era exagerada, respeitava ao extremo setores organizados ou não da sociedade.

Essa postura de conversar com todos e buscar o melhor caminho fez com que Joinville pudesse desatar alguns nós históricos, que destacamos:

-       depois de quase 30 anos acabou com o turno intermediário;
-       licitação das placas de táxis;
-       a oportunidade de toda a sociedade poder participar, e não apenas os afilhados políticos poderem trabalhar;
-       regulamentação do serviço de moto-táxi;
-       mais um restaurante popular, no Ademar Garcia;
-       a potência da iluminação pública na cidade foi reforçada, além de ampliar a rede na zona rural;
-       a reforma e construção de mais de 30 pontes;
-       limpeza constante dos rios e valas, minimizando as enchentes na cidade;
-       revitalização, reforma e licitação dos boxes do Mercado Público;
-       orçamento participativo, um espaço onde a sociedade, além de entender como funciona o orçamento, teve a oportunidade de decidir as prioridades de sua região;
-       várias frentes de implantação do saneamento básico;
-       o fim da TLL anual, imposto onde os empresários pagam apenas na abertura das empresas, e não mais ao ano;
-       a construção da casamata no Hospital São José, diminuindo sistematicamente a sofrimento das pessoas com câncer;
-       outras ações executadas a partir de ouvir a sociedade, exercendo o papel democrático e republicano que o cabia.

Já de outra ponta, estamos sendo administrados atualmente por um gestor. Vejamos as ações discricionárias que esse executa:

-       fechamento do restaurante popular;
-       extinção da Fundema;
-       sem estacionamento rotativo;
-       fiscalização por radares inexistente;
-       afirma em entrevista que pavimentação é desnecessária;
-       devolve recursos da construção de um novo Pronto Atendimento (Vila Nova);
-       cidade no escuro – sem empresa de manutenção da iluminação pública;
-       mais que dobrou o recurso para a publicidade;
-       secretários que não conhecem a cidade;
-       parou as execuções do saneamento básico;
-       ampliou o jetom dos conselheiros da CAJ de R$ 1.000,00 trimestrais para R$ 3.000,00 mensais...

Enquanto um prefeito com experiência pública inovou revolucionariamente, trazendo para o centro da administração a participação democrática e republicana, temos no outro, um gestor privado afirmando que sua “tarefa mais complicada” é dar um novo padrão de conduta aos servidores. Dessa forma a cidade e sociedade continuarão com suas pernas presas, sem voz e participação social.

sábado, 24 de maio de 2014

Uma certa confusão intelectual

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um dos objetivos iniciais do Chuva Ácida era também produzir contraditório entre os próprios integrantes do blog. É algo que raramente aconteceu, mas hoje surge uma oportunidade. O texto do Felipe Silveira, publicado aqui no blog na sexta-feira passada, é uma espécie de resposta às minhas posições em defesa da Copa do Mundo. É motivo para arriscar uma réplica e lançar mais algumas achas para a fogueira.
1. ENQUADRAMENTO - Digo sempre que o nome do jogo é capitalismo. Que o capitalismo vive da indústria e que a indústria do futebol é uma das mais lucrativas. Mesmo achando que o modo de produção capitalista é injusto, porque deixa quase 80% da população do lado de fora, acho que a apostasia não é opção. Ou seja, não dá para viver no capitalismo como se o capitalismo não existisse. É pura perda de tempo. E até que venha a boa sociedade tenho que viver com as realidades capitalistas. Mas deixando claro que sou pelo socialismo moderno, um tema que, infelizmente, é pouco compreendido no Brasil, inclusive pelos que se dizem socialistas.
2. VALORES INTANGÍVEIS - Também defendo a tese de que a Copa do Mundo é uma oportunidade para realizar negócios e gerar divisas para o país. E nem estou a falar apenas dos benefícios diretos (o dinheiro que a indústria mobiliza) mas dos valores intangíveis (a boa imagem do país atrai turistas, mas também investidores). No entanto, reafirmo que há muitas pessoas de olhares curtos. Quando sopram os ventos das oportunidades, uns constroem moinhos e outros levantam muros. É uma escolha que respeito, mas não entendo. Prefiro os moinhos.
3. DETONAR FONTE DE RECEITAS - É indiscutível. O povo não tem terra, não tem casa, não tem saúde, não tem educação. Mas num ambiente de economia global, não é matando a possibilidade de atrair investimentos que alguém vai resolver esses problemas. É o contrário. Porque é com esse dinheiro que as muitas coisas podem ser resolvidas. Aliás, os leitores sabem que vivo em Portugal e que o país está a passar por uma das suas piores crises em tempos de democracia. A honra do convento tem sido salva pelo turismo, que representa 10% do PIB. E esse interesse pelo país resulta em muito do investimento em eventos mundiais como a EXPO-98 e a Eurocopa 2004. Teve gente que reclamou, mas hoje todos colhemos os frutos da imagem criada.
4- OS IDEÁRIOS - Por mais que eu respeite as ideias das pessoas conotadas com a esquerda, não respeito velhas cartilhas carcomidas e projetos engessados. Já estamos na quarta revolução industrial e não dá para agir como se ainda estivéssemos na primeira. A coisa não encaixa. É difícil ter que aceitar ideários construídos a partir de slogans ultrapassados, leituras de orelha de livro e a falta de perspectiva de mundo. Há uma enorme complexidade e muitos não gostam de coisas complexas.
5. O BORDEL IDEOLÓGICO - Por uma questão de defesa pessoal, quando vejo que a direita está a caminhar ao meu lado, tenho a tendência de resistir. Quem sabe duas ou três coisinhas de história do Brasil não tem qualquer dúvida de que, nos casos em que a esquerda e a direita se uniram num projeto (não raro esse projeto foi o populismo), sempre foi a esquerda a perder. É só dar uma olhada na timeline dos séculos mais recentes.
6. O TIMING - O argumento de que as manifestações vão ganhar mais visibilidade durante a Copa do Mundo - coisa que tenho ouvido muito - é uma tolice. Podem até aparecer. Mas que vantagem se retira daí? Nenhuma. Talvez arranhar a imagem do país no exterior e espantar os investidores internacionais? Isso é provável. É bom que as pessoas vão para as ruas. Mas se fosse essa invasão das ruas fosse ontem - ou amanhã - certamente causaria menos danos aos seus próprios autores.
7. A INJUSTIÇA - O texto do Felipe Silveira comete uma injustiça. Tudo está centrado na ideia de que não entende “gente que reclama do povo na rua”. Que fique claro. Nunca disse que sou contra o povo nas ruas. Pelo contrário. Sei que as pessoas têm o direito de lutar pelos seus interesses e que a rua é esse lugar. Mas não sou ingênuo ao ponto de não desconfiar quando vejo manifestações estratégicas que têm o objetivo político de atacar o governo e favorecer grupos que fazem política de terra queimada. É aí que temos o encontro da direita com aquilo que poderíamos chamar de esquerda (se não fosse tão anacrônica). O código genético das esquerdas não permite que elas sejam massa de manobra. Mas tudo pode acontecer, porque há uma certa confusão intelectual...

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Copa, capital e povo na rua... vai ter!

POR FELIPE SILVEIRA

Ok, o nome do jogo é capitalismo, a indústria é do futebol, o dinheiro abunda e parece que a copa vai rolar mesmo. Beleza. Que venham os turistas, despejem sua grana, vejam seus jogos, vão embora e voltem sempre. Agora, o que eu não consigo entender é gente que reclama do povo na rua. Ora, o nome do jogo não é capitalismo?! Se é capitalismo tem povo na rua, cedo ou tarde.

Claro, há uma direita oportunista que se aproveita. Sabemos como são os parasitas. Mas daí a zombar da situação e da luta do povo é outra história. O povo tá na rua porque não tem teto, não tem terra, não tem parque nem praça. O povo tá na rua porque tem que madrugar para pegar uma ficha no posto de saúde, onde, quando é atendido, é maltratado. O povo tá na rua porque precisa madrugar pra trabalhar, pegar três ônibus, pagar três reais por passagem, viajar de pé e sem segurança. O povo tá na rua porque qualquer curso universitário custa mil reais a mensalidade, e tem que fazer. O povo tá na rua porque a polícia é violenta, e mata.

A copa não é a origem de todos esses problemas, obviamente, mas ela é uma representação imensa deles. Nunca ficou tão claro para o brasileiro como é esse lance da exploração. Nunca ficou tão claro quem ganha e quem perde nessa parada de capitalismo. Quem entra com o pé e quem entra com a bunda.

Ok, nem todo mundo chama o problema de capitalismo. Há um grupo que não tem dúvida que “a culpa é do PT”. Não acho, porém, que esse grupo tá na rua. Estão pelo facebook, nas caixas de comentários dos jornais e blogs como o Chuva Ácida. Quem tá na rua talvez já tenha confiado no PT para ajudá-lo a se livrar dos grilhões.

O nome do jogo é capitalismo. Ok, o povo já entrou em campo.

O problema, amigos, não é a copa. É o que ela representa: as contradições. E as contradições, bom, as contradições vocês sabem aonde levam...

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O choque de gestão está aí

POR EDUARDO SCHMITZ

O título não é uma ironia. É a realidade. O prefeito Udo Döhler foi eleito atrelado à ideia de que seria o responsável por causar um choque de gestão. Ele é o gestor durão que faz as coisas acontecerem. E o choque está aí. Mas essa afirmação só faz sentido quando entendemos que existem formas diferentes de entender a tal gestão. Podemos falar da gestão administrativa, mas também da gestão política. É nessa diferença que surgem indignações como a segunda greve dos servidores.

Para o cargo de prefeito, cabe muito mais o papel de gestor político do que gestão administrativo. São mais de 10 mil funcionários na prefeitura. Sejam cargos comissionados ou de carreira, eles são os grandes responsáveis pelo funcionamento administrativo da cidade. Para o prefeito fica a missão de dar a linha política da coisa toda.

As notícias dos últimos dias se somam ao primeiro ano de mandato e evidenciam que, sim, o prefeito Udo Döhler deu um choque de gestão (política). Vocês lembram qual foi o primeiro dilema do prefeito quando ele assumiu o executivo? Dívidas. E quem saiu perdendo? O servidor, que, inimaginavelmente, recebeu o salário atrasado.

Gestão política implica em escolhas políticas. Nesse ponto, fico com uma visão completamente dualista. O prefeito pode escolher pelos interesses da população (representados pelos servidores, no contexto atual) ou por outros interesses que não são necessariamente coletivos. Exemplifico.

Crédito: Facebook do Sinsej
O jornal "A Notícia" do dia 14 de maio, na coluna de Jefferson Saavedra, traz a seguinte informação: "Em julho, a Prefeitura de Joinville completa o pagamento dos fornecedores do chamado grupo B, o pessoal que tinha dívidas entre R$ 100 mil e R$ 4 milhões. Desde o início do ano passado, esse grupo vinha levando R$ 2 milhões mensais". A coluna ainda informa que com o total dos pagamentos, a prefeitura terá desembolsado R$ 70 milhões até o final de 2016.

A mesma coluna, no dia 21 de maio, traz a informação de que o reajuste dos salários dos servidores, aplicando apenas a inflação (5,82%), terá um impacto de R$ 26,6 milhões no cofre da prefeitura até dezembro de 2014. Não é possível fazer uma comparação direta e proporcional, mas o que quero evidenciar é que ambas situações lidam com quantias expressivas de dinheiro público. E mais importante: elas só acontecem por causa de vontade política.

A escolha por um dos lados na gestão política do prefeito Udo fica clara quando vemos pelo segundo ano os servidores paralisando suas atividades para conseguirem o mínimo que avanço nos seus direitos e benefícios. Já os outros credores da Prefeitura tiveram sua vida facilitada. Ou alguém viu empresários "acampados" em frente à prefeitura com trio elétrico? Num estalar de dedos, todas as dívidas foram negociadas e tiveram pagamento programado.
"Se o prefeito Udo fosse mesmo o prefeito da mudança, ele bateria no peito e diria para os empresários esperarem. Mas mais ninguém aqui acredita em conta da carochinha, né? "

Eduardo Schmitz é jornalista.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Udo Dohler no AN: o prefeito em seu labirinto

POR JORDI CASTAN

O impacto da entrevista concedida pelo prefeito Udo Dohler ao jornal "A Notícia" tem sido maior que o esperado. Dificilmente poderia haver pior momento e a mensagem tem sido recebida pelos leitores do jornal com preocupação. É bom lembrar que uma boa parte do eleitorado natural do prefeito é composta por leitores do maior jornal de Joinville. Os marqueteiros políticos e os bombeiros de plantão tiveram que agir depressa para evitar que o desgaste fosse maior. Mas o estrago já foi feito.

Por que a entrevista repercutiu tão mal entre o joinvilense? Primeiro porque o eleitor está começando a ficar preocupado com o dia a dia da cidade. Nada parece andar e o proposto choque de gestão continua sem chegar ao cidadão. Os que deveriam ser os pontos fortes da gestão Udo não são visíveis. E o tempo passa: praticamente um terço da gestão já se foi e não há sinais no horizonte que prevejam mudanças a curto prazo.

Corrupção – O prefeito diz que há corrupção na sua gestão. É bom lembrar que quando uma fiscal da Seinfra foi detida pela Polícia Federal por corrupção, o prefeito já usou este discurso, mas nada foi feito que mostrasse uma vontade de mudança. Agora volta a falar de corrupção, mas não dá nomes, não diz em que setores e não apresenta alternativas concretas para combatê-la. Lembrando ainda que recentemente veio à luz uma denúncia envolvendo a licitação em andamento da manutenção da iluminação pública e que envolvia um super-secretário municipal.

O tema tem levantado ainda mais dúvidas sobre a imagem de um candidato que fez durante a campanha da honestidade o seu diferencial, quando todos sabemos que honestidade para um homem público deve ser um pré-requisito e não um diferencial. O resultado é descrédito sobre a sua verdadeira vontade de resolver o problema e a animosidade dos funcionários públicos honestos, que se veem colocados na vala comum dos corruptos.

Gestão – Definitivamente a gestão municipal patina, patina e não sai do lugar. Sem entrar na discussão das diferenças entre a administração pública e a praticada pela iniciativa privada, o fato é que ambas têm as suas diferenças, mas também seus pontos em comum: a busca da eficiência, os princípios da economicidade e da eficácia, unidos à planificação, controle e a gestão devem ser comuns a ambas. Na administração pública só pode ser feito o que a lei permite, na iniciativa privada o que a lei não proíbe está permitido. Está aí uma grande diferença, não é perceptível ainda a diferença entre uma gestão política e a gestão com uma visão empresarial. Transcorreu tempo suficiente para que as diferenças pudessem ser percebidas pela sociedade. Sem choque de gestão toda a proposta apresentada pelo prefeito na sua campanha é posta em cheque e o custo político é evidente.

Política – Quando eleito o prefeito teve a oportunidade e o crédito para poder fazer uma gestão diferente; para isso precisava tomar algumas decisões que evidenciassem a vontade de fazer um governo técnico e que se diferenciasse das gestões anteriores. Não o fez e optou por uma abordagem mais política. Um empresário que tenha administrado uma empresa com um faturamento superior aos R$ 100 milhões tem melhores condições de entender e administrar uma cidade com um orçamento 10 vezes maior. Saberá ler um balanço e tomar decisões baseadas em critérios técnicos e administrativos.

O problema é quando alguém tenta compatibilizar este perfil com um perfil político. O resultado é que mesmo com uma maioria absoluta na Câmara de Vereadores, o prefeito ainda não está satisfeito e preferiria um legislativo mais submisso e obediente, sem compreender o papel de cada um dos poderes no modelo republicano. Como político, Udo tem ainda muito por aprender. Os seis mandatos como presidente da ACIJ e os quase 20 anos à frente do Sindicato da Indústria Têxtil não proporcionaram o aprendizado político de que tanto precisa neste momento.

Foto: A Notícia
Clientelismo – Por favor, que alguém explique com urgência ao prefeito o que é clientelismo. Porque afirmar que há clientelismo e que esse é um entrave à gestão municipal - em especial vindo dele - parece um contrassenso. A impressão que ficou depois da entrevista é que o clientelismo pernicioso é o dos outros; quando o clientelismo tem como objetivo atender as demandas dos amigos do rei ou dos apoiadores da campanha, além de ser normal, deve ser visto exclusivamente de defender o que é bom para Joinville.

O prefeito parece atolado no tempo em que na ACIJ se dizia em voz alta que “o que é bom para ACIJ é bom para Joinville”. Nos dias de hoje a frase deveria ter outra sintaxe: “o que é bom para Joinville é bom para a ACIJ”, pois assim a frase ganharia um significado e repercussão muito diferentes. É provável, contudo, que o prefeito não tenha deixado ainda de pensar como presidente da ACIJ.

Democracia e participação popular –  O perfil do prefeito Udo Dohler não é e nunca tem sido o de um democrata; pois é conhecido pelo seu perfil autoritário. A frase que melhor o define é a de que é alguém que ouve, mas não escuta. Acostumado a mandar e a ser obedecido, não faz parte do seu quotidiano escutar, reconsiderar, lidar com vozes e opiniões dissonantes ou simplesmente distintas das suas. Quem o conhece melhor sabe o quanto de esforço pessoal deve representar para o prefeito ter de lidar com minorias que, como parte do processo democrático e utilizando-se dos espaços de participação democrática, discordem da sua visão da cidade e do mundo.

Há duas possibilidades: a primeira é que o desgaste político continue aumentando e a sociedade como um todo pague o preço da teimosia ou então que se produza uma mudança radical na forma de ver e entender o papel da sociedade organizada na tomada de decisão. A segunda parece improvável e deveremos ter até o final do mandato uma fase conturbada. O curioso disso tudo é que boa parte dos eleitores do Udo votou nele acreditando nessa imagem de turrão, no seu perfil autoritário, pois imaginavam que Joinville precisava de um prefeito com este perfil. Assim, o futuro das cidades como Joinville, que não podem ser administradas mais no grito ou na vontade, vão precisar de administradores que reúnam ao mesmo tempo a capacidade política de negociar com o conjunto da sociedade e integrá-la num projeto de cidade e capacidade de administrar uma máquina complexa com milhares de funcionários e orçamentos bilionários.

Judicialização - O Prefeito Udo Döhler apontou a “judicialização” como a causa do que chama de problema da tramitação da LOT. Disse ainda que, além de terem refeito tudo ao longo de 2013, estavam em contato permanente com o Ministério Público, a fim de não cometer nenhum descuido. Tais declarações são de causar espanto. O verdadeiro problema não é a “judicialização”, mas, ao contrário, o atropelo implícito ao planejamento do IPPUJ para execução – em rito sumário – de audiências públicas para debater tema fundamental para a vida dos cidadãos, verdadeira maratona de eventos em dias consecutivos e com duração, pasmem, de meras duas horas cada uma.
Foto A Notícia

Essa pretensão provocou reação dos munícipes, que não tiveram outra opção senão recorrer – por meio de oito associações de moradores – ao Ministério Público. Deste receberam apoio, sob a forma de recomendações para que o IPPUJ atue em consonância com a lei, propiciando aos cidadãos, com a devida antecedência, elementos necessários para que formem convicção abalizada sobre as implicações das propostas da nova LOT sobre suas vidas social, econômica e patrimonial.

O prefeito inverte, assim, a ordem das coisas: não foi a Prefeitura/IPPUJ que se coordenou ativamente com o Ministério Público, a fim de não cometer erros. Foi a partir de um erro que estava, sabe-se lá por que razões, prestes a ser cometido pelo IPPUJ, que o Ministério Público, a pedido de alguns moradores de Joinville, devolveu o assunto aos trilhos, determinando ao Poder Executivo que atue da forma que se espera do administrador público. Ou seja, agindo com transparência e cumprindo o que determina a lei aplicável ao assunto.

E se o Prefeito está insatisfeito com a velocidade de tramitação da LOT, só precisaria comandar seus subordinados do IPPUJ para que ajam nesses termos. Afinal, o cidadão está apenas se defendendo contra a incompetência de uma entidade que se tem mostrado incapaz de cumprir seu papel, abdicando de discussões educativas, abertas e cristalinas com a população, em nome do verdadeiro rolo compressor que até este momento tentou passar sobre pessoas cujo conhecimento sobre o tema beira a inocência. A judicialização é hoje o caminho encontrado pela sociedade para se proteger das arbitrariedades e da falta de participação democrática.

Em resumo, a entrevista do prefeito não foi um tiro no pé. Foi uma rajada. No pé, na perna, no joelho e nas costas. A pergunta que fica é se o prefeito sabia o que ia encontrar? Pessoas próximas a ele asseguram que foi avisado. O próprio ex-prefeito Carlito afirma que o avisou. O prefeito como sempre ouviu, mas não escutou.


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