domingo, 10 de novembro de 2013

Vale tudo

POR FABIANA A. VIEIRA


Ao ler o título e ver esta imagem ao lado o leitor pode pensar que o texto fará menção as lutas de MMA tão em evidência nos dias de hoje. Não, não é bem sobre isso que pretendo escrever. Embora o conceito seja mesmo o de vale tudo em Joinville.

A foto bombou na minha timeline nesta semana. A imagem foi capturada pela fotografa Maiara Bersch, durante a sessão da Câmara de Vereadores de Joinville no dia 5 de novembro, e que quase acabou em vias de fato. Aliás, parabéns à fotógrafa que conseguiu registrar o clímax da desordem na Casa legislativa. Nada como estar no local certo, na hora certa.

Quem não estava no local certo era o vereador Maurício Peixer - este, que na foto está de pé, em cima do  muro de proteção (proteção?) do plenário da Câmara. Eu lamentei muito pelo ocorrido quando li as primeiras matérias sobre esta sessão. Primeiro pelo triste resultado das duas votações nas quais os vereadores aprovaram o rebaixamento total do meio fio em frente aos estabelecimentos comerciais de Joinville (projeto de autoria do vereador Roberto Bisoni). Mesmo com a declaração na imprensa (Calçadas não serão rebaixadas, A Notícia, 18 de julho de 2013) do vereador Peixer, que disse: "É inviável (a proposta) do ponto de vista técnico – diz Maurício Peixer (PSDB), presidente da Comissão de Legislação e Justiça da casa. Aliás, vale lembrar que a comissão deu parecer contrário à proposta. Só que na hora de votar, o vereador mudou de ideia.

Em segundo lugar pela atitude deplorável do parlamentar, que está num espaço de debate e não num octógono de MMA (mesmo sabendo que na ânsia eleitoreira, as regras da Casa as vezes são meio que um 'vale tudo' mesmo). Em terceiro lugar, pela proposta em si, que é inconstitucional.

Que o rebaixamento das calçadas fere o princípio da acessibilidade, qualquer pessoa sabe. Só por isso já mereceria um olhar mais humano dos nossos representantes. Além disso, essa proposta anda na contramão da mobilidade urbana. Grandes centros hoje estão atentos ao movimento inverso do desenvolvimento desenfreado, sobretudo no trânsito e estão priorizando mais a qualidade de vida das pessoas. Diga-se qualidade de vida, andar com segurança pelas calçadas. Com essa proposta aprovada na Câmara (e que não quero acreditar que seja sancionada pelo prefeito) não consigo imaginar um pedestre caminhando com segurança pelas calçadas de Joinville. O que hoje já é uma tarefa não muito fácil.


Agora, voltando para a imagem do vereador, é preciso repudiar, condenar, punir atitudes como essa num ambiente de debate. Joinville não merece esse tipo de vale tudo.



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Poesia de passeio


Foto: Fabrício Porto/ND
POR CLÓVIS GRUNER

A data na dedicatória – “outono/2013” – denuncia: venho querendo escrever sobre “Farda de passeio: poesia quase toda”, do Caco de Oliveira, desde que recebi meu exemplar pelo correio. Mas a tal “realidade” – as manifestações de junho, o assassinato do Amarildo, a desmilitarização da PM, os médicos cubanos, o conservadorismo reacionário dos politicamente incorretos, etc... – atropelou, um após o outro, meus planos de resenhar esta merecida e necessária antologia – e digo uma coisa e outra porque Caco vem fazendo poesia há umas três décadas, utilizando como suporte para sua escrita meios os mais diversos: varais literários, poemas xerocados e carimbados, grafites em pedras e muros, etc...

Conheço o Caco de Oliveira dos tempos em que morava em Joinville e cheguei a guardar por um longo período alguns de seus poemas carimbados, infelizmente perdidos depois de três mudanças. Naquela época – final dos anos 1980 e 90 adentro – eram poucos os lugares e eventos que costumávamos – estudantes, jornalistas, artistas, etc... – frequentar. Ele era presença assídua, tímida e generosa, e suas intervenções já sinalizavam a possibilidade de ler a cidade sob uma clave poética.

Tal possibilidade é uma das que surgem da leitura de “Farda de passeio”. Mas não se trata, por certo, da cidade em seu sentido mais estrito e tangível: nos versos de Caco de Oliveira, ela é mais uma metáfora que coisa, e seu desenho se faz pela confluência de pequenas impressões, desejos e símbolos. Flutuante e incorpórea como uma chama, ela nem por isso é menos real e visível, e os muitos indícios de sua presença surgem em versos como “A vidraça do ônibus coletivo/ chora,/ chove dentro e fora dos olhos.”, ou “Verão/ a lesma refresca a barriga/ no mármore do banheiro.” Em outros, a dicção poética caminha pari passu à solidariedade que denuncia as muitas contradições ainda entranhadas na história e no cotidiano urbanos – e se é possível identificar um nome e uma presença, Joinville, ainda assim pode se tratar de qualquer outra cidade: “Mangue, revirar o passado dói, remói sentimentos. Invasão, fiação de gatos, privadas de buracos no chão, pinguelas e janelas negras. (Saímos donde a gente tava, porque o aluguel comia em nossa mesa).”

A linha que separa a “cidade real” da “cidade imaginada”, portanto, é tênue. E diferente do que supõe uma racionalidade mais dura e instrumental, pouco afeita à experiência sensível, é justamente essa configuração imaginária que permite acessar tanto o seu caráter plural, como os muitos significados atribuídos a ela por meio da linguagem. Quando diz que “o vento balança/ a estátua da praça”, Caco problematiza o cotidiano fluído e “sem tempo” dos que circulam pela cidade sem, muitas vezes, percebê-la. Mas, igualmente, confronta um passado objetivado nos monumentos públicos, opondo-lhe a possibilidade de outros pretéritos encobertos pela almejada solidez dos discursos e imagens oficiais.

OUTRAS FARDAS E PASSEIOS – É esse olhar a cidade, essa tentativa de apreendê-la para além da sua superfície mais visível, que a meu ver aproxima a poesia de Caco de Oliveira de algumas das experiências que o antecederam. Falo dos poetas e da poesia feita nos anos 70 e 80, da revista literária “Cordão” (onde escreveram, entre outros, Alcides Buss, Borges de Garuva, Germano Jacobs, Ives Paz, David Gonçalves, Carlos Adauto Vieira e Eunaldo Verdi); das publicações independentes do mesmo período (tais como “O aprendiz da esperança”, de Apolinário Ternes, “Vida dura”, de Celso Martins e “Saindo da escuridão”, de Luiz Alberto Correa – estes dois últimos, aliás, meus preferidos); dos eventos literários organizados por Dúnia de Freitas, já nos anos de 1990; e, mais recentemente, da poesia escrita por uma geração de novos poetas – e me recordo particularmente de Patrícia Hoffman, Marcos Vasquez, Marcos Alqueire e Fernando Karl, além do próprio Caco de Oliveira.

Em que pese as muitas diferenças – de época, temas e estilos – entre os poetas citados, há alguns elementos a aproximá-los. Sem entrar no mérito do seu valor literário, há neles um esforço por produzir uma poesia que não descuida do mundo; antes, procura ocupar um espaço entre a linguagem e o mundo, aquilo que o ensaísta francês Maurice Blanchot denominou “espaço literário”. É deste espaço-trincheira que se pode apreender e interpretar a linguagem como uma arma de luta; resultado de pressões e violências culturais, sociais e políticas, mas também como uma forma de reagir a elas, um golpe desferido em meio a uma batalha.

Em sua trajetória, Caco de Oliveira construiu inúmeras trincheiras, multiplicou e potencializou espaços, fez com que seus versos, sua ironia, sua apenas aparente leveza (o italiano Ítalo Calvino já disse que só sabe a leveza quem conhece o peso das coisas) chegasse até onde de direito: os leitores, sem os quais a palavra, qualquer palavra, resta incompleta. “Farda de passeio” celebra e sintetiza o percurso de um “guerrilheiro da poesia” que, como todo bom poeta, não declinou do compromisso com seus contemporâneos. Um dos meus haikais preferidos diz: “Enxurrada de palavras/ no asfalto quente da linguagem./ O mormaço põe delírio nos versos.” Pode-se reconhecer na escolha das palavras – enxurrada, asfalto quente, mormaço – a presença latente da cidade que Caco escolheu sua. Latente, mas não limitadora. Ser a um só tempo local e universal, eis aí uma das riquezas dessa joia chamada poesia e deste pequeno grande livro que é “Farda de passeio”.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A infinita estupidez humana

POR JORDI CASTAN


A estupidez humana as vezes é anônima, às vezes tem nome e sobrenome. Adquire sua máxima expressão quando praticada por grupos organizados.

Em recente reunião do Conselho da Cidade, um dos próceres sambaquianos e distinto urbanista de salão, fez a sua declaração de princípios:

"Sou capitalista, não sou comunista e defendo o conceito de adensamento da cidade".

"A cidade de Joinville não tem contribuintes que paguem pela qualidade de vida".

"Qualidade de vida é algo muito caro e o povo do municipio não tem esse poder aquisitivo para tanto".

"Temos que cuidar com os ecologistas que tem nos trazido muitos prejuízos".

Inútil tentar explicar que focinho de porco não é tomada. O grupo que defende o progresso a qualquer custo (ou deveríamos falar de desenvolvimento sem princípios ou a qualquer preço?) já há tempos desistiu de debater e fica só repetindo o discurso enfadonho que Joinville esta parada, que as empresas fogem daqui, que a cidade esta perdendo investimentos e bla-bla-blá. Tentar arrazoar com quem desistiu de escutar é pura perda de tempo.

Mas tomemos uma por uma as declarações de princípio que foram aplaudidas e celebradas pelos demais membros da bancada desenvolvimentista, incluindo altos comissários do IPPUJ.

Afirmar que há relação entre capitalismo, comunismo e adensamento urbano é coisa de quem viaja pouco, lê pouco e sabe pouco. Qualquer visita aos países de Europa oriental mostraria o conceito comunista de adensamento. Se a viagem fosse para os Estados Unidos, que pode ser chamado de tudo menos comunista, poderia ver o modelo de espraiamento urbano que tem pipocado por lá. Mas se a viagem americana ou as informações se reduzem a ilha de Manhatan em Nova Iorque, aí poderia se explicar a afirmação.

A segunda afirmação é perversa e evidencia um elevado nível de segregação. Nesse caso de alguém que se considera superior aos outros e comete a estultice de reconhecer que a proposta que defende, pelo adensamento reduz a qualidade de vida de cidade e que é isso que Joinville merece.

A terceira afirmação é redundante, pois não acrescenta nada ao que ja tinha afirmado anteriormente. A única novidade é que agora não há mais sutilezas, somos uma cidade de gente pobre e não merecemos ter qualidade de vida. O adensamento capitalista é o que a cidade e a população merecem.

A declaração de princípio não estaria completa sem o tradicional ataque aos ecologistas - aos urbanistas, presidentes de associações de moradores, empresários e cidadãos comuns que resistem à cooptação - aos defensores do verde, da qualidade de vida, de uma cidade sustentável, esse grupelho que tantos prejuízos tem trazido aos capitalistas representados no Conselho da Cidade.

Eis uma prova da visionária afirmação de Einstein: "Há duas coisas infinitas, no universo, o hidrogênio e a estupidez humana e do hidrogênio eu não tenho certeza".

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O "blá-blá-blá" das redes sociais

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

É muito comum nos depararmos com pessoas que são contrárias às redes sociais, principalmente pelas manifestações que surgem a partir dos Facebooks, twitters e blogs da vida. O próprio Chuva Ácida é prova disso, ao ser criticado constantemente por pessoas que não gostam de terem suas atitudes confrontadas perante um contraditório que por aqui surge. Há outras milhares de pessoas, em seus perfis particulares, que encaram as redes sociais como um espaço de militância e de divulgação das ideias. A reação a isso tudo, portanto, é a desqualificação em tom de "crítica pela crítica" ou um puro "blá-blá-blá"

O que estes reacionários não enxergam, por muitas vezes, é a ação de um discurso. Esta ação pode seguir dois caminhos muito distintos, dependendo da intenção do emissor da mensagem: pode transformar, trazer novos pontos ao debate, mudar o ponto de vista sobre determinada situação, ou simplesmente contrapor aquilo que, ao seu ver, está errado. Por outro lado, pode manter um status quo; esconder as reais intenções de uma situação, ou simplesmente propagar conceitos que não transformam e apenas reproduzem o vazio. Nenhuma palavra é solta "ao vento", sem intenções.

Foi este mesmo "blá-blá-blá" que mostrou para o mundo inteiro, através das redes sociais, o real problema da questão urbana brasileira. Foi o que levou milhões para as ruas, e iniciou o processo de conscientização de muita gente sobre a real importância da manifestação e busca por soluções, através das "Jornadas de Junho". Nada teria acontecido sem a propagação de discursos, de mensagens, de ações transformadoras embasadas em conhecimento sobre determinados assuntos. As redes sociais potencializaram a propagação. Até a eleição para Prefeito em 2012 teve cenários delimitados pelo o que surgia no meio virtual.

Portanto, o "blá-blá-blá" sempre está na cabeça de quem não acredita no poder de uma palavra. Está na cabeça de quem acredita 100% no que diz a mídia tradicional e corporativa, as camarilhas políticas, e as rodas de puxa-sacos. Está naquele que tem medo da mudança pela possibilidade de detrimento do individual em prol do coletivo.

Para finalizar, vale lembrar que o emissor tende a deslocar seus desejos de poder, tornando-os opacos, e o discurso explicita sua luta pelo poder. Não poderia ser diferente, pois a explicitação de seu desejo de poder é o próprio discurso. De forma diversa, o discurso tem lados, é um discurso de visões de mundo. Desconstrói o outro e a forma como constrói a si próprio, como oposição ao outro; (re)produz o mundo. Falar, criticar, escrever, apontar e desconstruir não é "blá-blá-blá". É a forma que alguns encontraram de mudar o lugar em que vivem. E, convenhamos, Joinville precisa demais destas pessoas.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Um anônimo me convenceu de que sou negro

POR FELIPE SILVEIRA

Aprovei, ontem, meio a contragosto, um comentário anônimo que dizia que todos os negros são hipócritas, inclusive eu, Felipe Silveira. Isso me fez repensar a posição sobre defender o anonimato. A discussão dentro do Chuva Ácida é boa sobre o assunto, e eu sempre fui a favor dos anônimos, apesar de ser um dos que mais se incomoda com eles.

Entendo que o anonimato tem um papel importante na história e que serve muito mais para proteger a identidade de quem tem alguma crítica importante a fazer, sobre qualquer coisa. Mas, como disse o Maikon K, aqui no Chuva Ácida o anonimato perdeu esse sentido, se é que algum dia teve. Aqui ele serve para deixar que gente escrota publique escrotidão, como a que eu citei no início do texto.

Evidentemente que eu apagaria esse comentário numa situação normal, mas o publiquei, a contragosto, para fazer com vocês essa reflexão. Eu gostaria, sinceramente, de saber como explicar para esse cara que ele é racista, pois ele jura de pé junto que não é, já que escreveu essa asneira para dizer que somos todos iguais. Para finalizar, ele pergunta por que todos os negros querem aparecer. Juro, ele perguntou isso.

E agora sou eu que pergunto: alguém teria coragem de escrever isso sem a proteção do anonimato? Sim, teriam. Mas seria um número bem menor a fazer desse jeito tão vergonhoso.

Mas certamente teriam. Se os caras têm coragem de entra na Justiça para impedir que seja aprovado um feriado para comemorar e refletir sobre o Dia da Consciência Negra, imaginem o que eles podem fazer nas caixinhas de comentários de blogs como o Chuva Ácida. Eu sei que é difícil acreditar, mas é verdade. DOZE, entidades empresariais e sindicais (das empresas, só pode) fizeram isso.

Eu sei que é chocante, mas eles foram covardes o suficiente para fazer isso. E eu não sei o que é mais feio, se é o racismo por detrás disso ou a desculpa do prejuízo de dez milhões num único dia. Sim, esses caras dizem que fizeram por causa de dinheiro. Acreditem se quiser.

Eu não vou discutir se já estava tudo armado pelo poder público, pois, pelo que observei de longe, eles fizeram a sua parte - aprovaram a lei. Sei que houve pressão popular, principalmente do movimento negro, para aprovar a lei na câmara, mas não vou entrar no mérito dessa discussão porque não a acompanhei. E também não vou discutir a decisão judicial. A história mostra a quantidade de injustiças que a Justiça já cometeu.

O que não faz sentido, pra mim, é aceitarmos tudo isso. Aceitar essa gente louca anônima e essa gente louca da Acij, CDL, Acomac e outros diabos.

Volto ao começo do texto para falar do anônimo que me chamou de negro e hipócrita, sendo que para ele todo negro é hipócrita. Não sou negro, como vocês podem observar na foto ali em cima, na qual estou verde. Sou descendente de brancos europeus com alguma mistura indígena. Talvez ele tenha dito isso porque fiz um texto em defesa do feriado no Dia da Consciência Negra, e ele não deve achar normal uma pessoa branca defender algo relativo ao povo negro, assim como deve achar que eu sou gay por defender a igualdade de direitos e o respeito às pessoas com orientação sexual diferente da hetero. Deve achar também que não sou joinvilensense por não ter preconceito contra paranaense ou nordestino. Deve achar que sou mulher também porque me declaro feminista.

Eu posso não ser nada disso de fato, mas nós somos tudo isso enquanto houver opressão. Temos a obrigação de ser tudo isso e de lutar contra aquilo que nos oprime. A violência do Estado, que some com milhares de Amarildos e mata a população negra e pobre das periferias como o jovem Douglas;  a violência de dentro de casa contra as mulheres, tanto pelas mãos quanto pelas palavras; a violência das ruas, com o espancamento e a humilhação de mendigos, de crianças, de gays, de mulheres e de negros; a violência do mercado de trabalho, na sua busca por homens brancos; a violência da entidade empresarial, que é racista e ainda usa o dinheiro como desculpa.

Nesse sentido, então, o anônimo tinha razão. Eu sou mesmo negro.