quarta-feira, 13 de julho de 2016

Chama apagada

POR FELIPE SILVEIRA

A chama olímpica passa por Joinville nesta quarta-feira, 13 de julho, em clima hostil. Não só pela chuva, mas pelas críticas que podemos observar em redes sociais, grupos de whatsapp e rodas de conversa por aí. É claro que milhares de pessoas vão receber o símbolo com entusiamo – inclusive eu, que sou fã dos jogos olímpicos, espero arrumar uma brecha para acompanhar a festa. Mas, de modo geral, o que as pessoas querem mesmo é apagar a tocha.

Leia o texto de José Antonio Baço sobre a tocha em Joinville (é uma leitura diferente, mas complementar a este texto)

O que me chama a atenção é que este “sentimento” não é algo promovido pela esquerda. Já é tradição no nosso campo ser contrário aos grandes eventos e às mazelas que os acompanham, como o superfaturamento de obras, as remoções das comunidades pobres de áreas centrais, o aumento da repressão aos pobres e aos movimentos sociais etc. Embora as manifestações de esquerda estejam ocorrendo, o grosso da reclamação parte da população que, tenho a impressão, comemoraria o evento em outro momento.

Vejo tudo isso com alguma preocupação. O desânimo e a revolta, com coisas que até bem pouco tempo eram vistas de outra forma, indicam a profundidade da crise de representatividade, para além do clichê tanto usado pelos comentaristas políticos. Parece que as pessoas não estão interessadas em buscar soluções para os problemas, mas que simplesmente querem ver o circo pegar fogo, deixar que tudo se exploda.

A saída para a crise é outra. Não tem outro jeito que não seja se organizar e lutar por dias melhores. Nada contra àqueles que não gostam do evento esportivo, que eu, repito, adoro, mas talvez esse desgosto signifique algo mais preocupante do que imaginamos.

Ainda sobre a olimpíada e a reação dos brasileiros, quero comentar o vídeo promocional da BBC para o evento. A emissora pública do Reino Unido criou uma animação na qual animais típicos do Brasil praticam esportes tradicionais dos jogos, como a ginástica, os saltos, o levantamento de peso e o atletismo. O vídeo gerou comentários raivosos em vários idiomas na página da BBC.

"Não sabia que os jogos seriam disputados na amazônia", escreveram alguns, ignorando a exuberância da mata atlântica fluminense. Outros dizem que, pelo vídeo, parece que nós brasileiros moramos em um lugar cheio de macacos. Bom, eu não sei onde essas pessoas moram, mas aqui em Joinville, um polo industrial, está cheio de macaquinhos e mãos-pelada nas árvores. Tem um monte de capivara nos canteiros e um jacaré de estimação da cidade.

Entendo a preocupação com a maneira como o Brasil é retratado, embora ache que isso já foi bem mais problemático. Já passou essa fase. Neste século, a imagem predominante do Brasil, apesar dos inúmeros problemas, é de um país em desenvolvimento. Também é preciso entender que filmes, vídeos, peças e outros "produtos" são recortes. Ao fazer o vídeo, se fez uma escolha. A partir dela foi criado um roteiro, cuja inspiração, a nossa fauna e flora, nossa marca incontestável, é linda. Há muitas formas de retratar o Brasil e esta é uma delas.

Mas, se alguém tiver esse trabalho pela frente em algum momento, sugiro anotar o que não pode fazer:

Filme de favela não pode, pois o Brasil não é só favela;
Filme sobre as classes média e alta também não pode, pois não mostra a realidade da favela;
Natureza, que Deus os livre;
Carnaval, nem a pau;
Futebol, deixemos isso para os ingleses.

Talvez reste apenas fazer um filme sobre o golpe.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Dois momentos tochianos.



A tocha passa por Joinville. E daí?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Qualquer gestor, quando vai fazer um investimento, faz uma operação básica: vê qual é a relação custo-benefício da ação. É o raciocínio que deveria ser aplicado à passagem da tocha olímpica por Joinville. A Prefeitura informa que o custo é reduzido, quase residual. Tudo bem. Nada contra a tocha. Mas quais são os benefícios? Não há. Aliás, parece ser o contrário, porque há muitos joinvilenses críticos em relação à iniciativa.

Há um problema de gestão. Afinal, o que a passagem da tocha deixa em Joinville? Nada. Talvez provoque algum ruído durante o evento. É previsível a mobilização de uma comunicação social sempre disposta a carregar o atual governo municipal ao colo. Mas por mais que tentem pintar um quadro grandiloquente, o fato é que no dia seguinte a coisa terá sido esquecida. Porque a passagem é isso mesmo... passageira.

Ora, vamos ser práticos. Que notícias o leitor reteve dessa digressão da tocha pelo país? Sem puxar muito pela memória, lembro da morte da onça Juma, que provocou uma onda de indignação no Brasil e mundo afora. Ou o rapaz que, na passagem por Cascavel, tentou apagar a chama e foi preso. E a imagem um tanto cômica – viralizada nas redes sociais – em que o sujeito escorrega e dá um grande tralho no asfalto com a tocha nas mãos. Enfim...

Há algumas tentativas, por parte do poder público, de dar relevância ao evento. Mas os argumentos, em tom meio acanhado, soam de forma pífia. Porque no frigir dos ovos todos sabemos que a Prefeitura está a oferecer uma mão cheia de nada. E é isso o mais preocupante. A falta de imaginação dos decisores. Perdidos em grandes vaidades e pequenos jogos de poder, os caras transformam a cidade num deserto de ideias.

A passagem da tocha é um evento desgarrado. Não traz valias para a cidade porque não faz parte de uma estratégia. Não existe um projeto para Joinville. Udo Dohler se apresentou como gestor e, como tal, deveria saber que as cidades precisam seguir estratégias de marketing territorial. Hoje o marketing territorial – em todas as suas vertentes – deve ser o elemento orientador dos planos de governo. Mas é preciso saber como fazer... e querer. A aposta tem sido no velho e carcomido clientelismo.

De volta à relação custo-benefício. O custo da passagem tocha é coberto pelos patrocinadores da competição? Perfeito. Mas quais os benefícios para a cidade? Nenhum. E se, num caso extremo, a ideia fosse dar uma forcinha para a reeleição de Udo Dohler? Aí a coisa degringolava. É só dar uma olhada para as redes sociais e tomar o pulso do eleitorado. As pessoas parecem muito pouco felizes. E para que não seja eu a falar, abaixo deixo ao leitor e à leitora uma reprodução de alguns comentários.


É a dança da chuva.



segunda-feira, 11 de julho de 2016

Joinville: a vitória da ganância e a derrota da Cota 40


POR JORDI CASTAN

Em agosto de 2014, o Chuva Ácida ( Apocalipse Now, Jabuti subiu na cota 40) fez uma denúncia: estava em andamento um ataque contra a Cota 40. A iniciativa estava sendo gerada nos gabinetes do IPPUJ, com a anuência do prefeito Udo Dohler. A Prefeitura fez veicular uma nota oficial a desmentir qualquer iniciativa neste sentido, mas as provas apresentadas comprovavam a existência de uma comissão para elaborar uma proposta para acabar com a Cota 40. Nessa altura, o Chuva Ácida lançou uma petição na internet "Não mexa na cota 40", assinada até pelo prefeito Udo Dohler.

Quem acreditou na bondade ou na sinceridade das intenções do Executivo errou feio. No texto da LOT, que em breve deverá ser aprovado pelos vereadores, está explícito o fim da Cota 40 como a conhecemos hoje. O verde de Joinville está ameaçado. A cupidez e a ganância não conhecem limites e o poder público é um aliado que compactua com a destruição do maior patrimônio ambiental de Joinville.

Cota 40 poderá ser ocupada

Art. 7° Parágrafo único. Os lotes contidos na Área Urbana de Proteção Ambiental (AUPA), registrados no Cartório de Registro de Imóveis, e cujas áreas são inferiores a 5.000m2 (cinco mil metros quadrados), serão enquadrados, para efeito de ocupação do lote, como Área Urbana de Adensamento Controlado (AUAC), devendo respeitar uma taxa máxima de ocupação de 10% da área do lote, acrescida de 180m2 (cento e oitenta metros quadrados).

Se não fosse suficiente, a LOT, que os vereadores têm tanta pressa em aprovar,traz outras ameaças ao meio ambiente.


Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei Complementar consideram-se: LXIV - morro: elevação de terreno com cota mínima de 100m (cem metros) em relação à base, e inclinação média maior que 25º (vinte e cinco graus);


Não satisfeitos com isso os vereadores propõem que, depois de aplicado o artigo 2º, os morros que ainda sobrem possam também ser ocupados.

Art. 357
§ 1º Admite-se a implantação de condomínios horizontais em áreas com inclinação natural superior a 30% (trinta por cento), ou 13o 30’ (treze graus e trinta minutos), e inferior à 100% (cem por cento), ou 45o (quarenta e cinco graus), apenas nos condomínios integrados à edificação, e cujo empreendedor apresentar solução técnica na implantação das edificações que garanta a segurança contra situações de risco.
§ 2º Admite-se a implantação de condomínios horizontais em unidades de conservação ambiental, desde que o mesmo esteja regulamentado no Plano de Manejo dessas unidades.

O texto da LOT, que já provocava danos para a cidade, ficou muito pior depois de ter chegado à Câmara de Vereadores. No aspecto ambiental, o cerne do problema está na protelação do Gerenciamento Costeiro/ZEE. Na verdade, o ZEE deve ser prévio à LO. E existe base legal para afirmar isto: zelar pelo ambiente é dever da administração pública. Mas neste caso, apesar de a Prefeitura já ter pago e mesmo iniciado audiências públicas do Gerenciamento Costeiro/ZEE, o programa foi abandonando. A prioridade foi toda para LOT, com a promessa de que depois - repito, depois - ela vai se adaptada ao ZEE. Quer dizer, pretendem aprovar a LOT, permitir a ocupação de tudo o que o atual texto permite e, no futuro, depois que o estrago já tenha sido feito, talvez deem prosseguimento ao ZEE.

Art. 75. Após a homologação do Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro de Joinville, o Poder Executivo Municipal deverá promover a compatibilização desta Lei com o referido Plano.

Esta lógica esdrúxula de aprovar a LOT sabendo que o processo estaria errado é uma atitude irresponsável. Aliás, no mínimo daria motivos para exigir que a LOT só vigore após a promulgação do ZEE e sua compatibilização. Estaríamos correndo o risco que uma vez aprovada a LOT, se licenciassem empreendimentos e atividades que a LOT, na sua redação permitiria e que o ZEE vedará no futuro. O resultado seria uma situação de insegurança e ainda mais perversa, resultado da inépcia, o açodamento e da irresponsabilidade mancomunados com a ganância.

Leia os posts, em que já em agosto de 2014 denunciávamos o risco que a Cota 40 corria.  Felipe Silveira, do Charles Henrique Voos e meus, em defesa da Cota 40.




sexta-feira, 8 de julho de 2016

Qual a importância da Marcha da Maconha em Joinville?

POR SÉRGIO VIDAL*

A Marcha da Maconha ocorre em todo o mundo desde 1998, quando foi realizada pela primeira vez em Nova Iorque. Hoje são mais de 800 cidades em cerca de 72 países que anualmente expressam de forma livre e espontânea suas opiniões sobre a planta da maconha, seus usos, usuários e, principalmente, sobre as políticas e leis atualmente em vigor.

Na primeira, em Nova Iorque, a Marcha sofreu repressão policial. Os agentes fecharam alguns portões do Central Park, tentando impedir a entrada dos manifestantes. A Marcha contornou o parque por fora e usou outra entrada para ter acesso ao local marcado para a concentração final da manifestação. Desde a primeira, até hoje, em quase todos os países onde as pessoas procuraram se organizar e realizar atos desse tipo houve tentativas de repressão. Porém, em todas elas a vitória foi certa e os ativistas ganharam o direito à livre expressão. Em todo mundo, em cada cidade, a Marcha tem tomado formatos, conteúdos, ritmos diferentes, de acordo com a cultura de cada localidade. Ao longo desses quase 18 anos de mobilização, centenas de cidades já produziram suas próprias versões da Marcha da Maconha e, no Brasil, esse movimento vem crescendo a cada ano.

Aqui no Brasil não foi diferente. Em 2006, alguns ativistas começaram a se organizar e em 2007 surgiram as primeiras manifestações com o nome Marcha da Maconha. Em 2008, algumas autoridades tentaram barrar as Marcha e foi iniciada uma batalha jurídica que só teve fim em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que as manifestações da Marcha da Maconha e outras manifestações do tipo eram legitima e deveria ser permitidas. Desde então a marcha tem se multiplicado em várias cidade tomando variados formatos e expressões.

Segundo os ativistas mais antigos que já organizaram manifestações aqui em Joinville, a Marcha foi realizada apenas duas vezes na cidade, uma em 2011, após a decisão do STF, com cerca de 250 pessoas, e outra em 2014, com aproximadamente o mesmo número de pessoas. O movimento atual na cidade é plural, formado por pessoas ligadas a variados movimentos sociais e, principalmente, inclusivo e participativo. Com gente que estava na organização das edições anteriores e com novas pessoas. E, o que para mim é mais importante neste debate, essas pessoas estão muito focadas em pautas mais amplas do que apenas pedir a legalização baseado no direito inalienável de consumir substâncias psicoativas, que está começando a ser reconhecido pelas Democracias mundiais mais modernas. A pauta desses ativistas se refere principalmente ao genocídio da juventude negra do Brasil, ao impacto da política de guerra às drogas para a economia e a segurança pública, o atual encarceramento massivo de mulheres e jovens, dentre outros.

Por mais que exista uma massa reacionária ainda muito presente com relação ao tema, é cada vez mais difícil negar que o caminho é a legalização, pois a lista cada dia maior de países, inclusive o próprio EUA, que é um dos mais ferrenhos propagadores da política de guerra as drogas, têm flexibilizado suas políticas com relação a cannabis.

Só para darmos dois exemplos rápidos que chamam a atenção para a importância, dimensão e urgência deste debate: 1) O Colorado, estado dos EUA, regulamentou a cannabis para fins recreativos e medicinais há cerca de 4 anos e hoje arrecada U$ 120 milhões por ano e investe a maior parte em saúde e prevenção ao consumo, conseguindo diminuir o uso entre os jovens e zerar o acesso das crianças. Recentemente, o governador esteve em São Paulo para contar sua experiência; 2) Estudo promovido pela Câmara dos Deputados afirma que, se legalizada a maconha, geraria um mercado de no mínimo R$ 5,7 bilhões. Então, que fique cada dia mais claro, quando estamos falando de Marcha da Maconha não estamos falando de uma passeata para louvar baseados, e sim da necessidade urgente de rever diferentes pontos da nossa relação política, econômica, cultural, entre outras, com esta planta.

Ou o Brasil amadurece este debate e o enfrenta de forma adequada, ou, além de perder o bonde da História irá continuar sofrendo as consequências já reconhecidamente fracassada guerra às drogas.

*Sérgio Vidal é pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre substâncias psicoativas e presidente da Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal