quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Dilma, Leitão e o fait-divers


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Os brasileiros sabem que dois mais dois são quatro. Mas muitos se recusam a fazer a conta. Só por isso tem gente aí a acreditar na existência de um Wikigate Tupiniquim, por causa das alterações no perfil da jornalista Miriam Leitão na Wikipédia. Ora, qualquer pessoa com dois dedos de testa é capaz de perceber que estamos a tratar de um fait-divers e nunca uma notícia a sério.

Há uma tentativa de implicar Dilma Rousseff no episódio, uma vez que o IP usado é do Palácio do Planalto. Aliás, foi o que bastou para os opositores – aqueles que odeiam o partido da presidente acima de qualquer coisa – se lançassem sobre o osso. Afirmam, com a convicção dos incautos, que o autor das alterações no perfil só pode ser alguém a serviço de Dilma Rousseff. Mas vamos ao que interessa. E basta somar dois mais dois...

1.     O que a presidente ganharia com a mudança no perfil da jornalista?
Nada. Não haveria consequência prática, uma vez que a mudança não teria como produzir qualquer efeito, seja na governação ou na disputa das eleições.

2.     Que pessoas poderiam ser influenciadas por essas alterações?
Arrisco a dizer que nenhuma. Ou vocês, leitor e leitora, conhecem alguém que já tenha ido à Wikipédia de propósito para pesquisar sobre Miriam Leitão? Aliás, a própria jornalista não deve ir lá com muita frequência, porque as alterações foram produzidas em maio de 2013 e só agora ela parece ter dado conta da coisa, por causa de uma matéria publicada no “O Globo”.

3.     O IP é do Palácio do Planalto?
Sim, mas o Palácio do Planalto afirma não ter meios de saber quem usou a rede, que está aberta aos visitantes. Quem viaja e fica em hotéis, por exemplo, sabe como funciona a coisa do wireless.

4.     Na suposição de que a ideia tenha vindo de alguém do governo, é sensato achar que um hacker deixaria rastro?
Ora, o que faz um hacker ser hacker é justamente o fato de não poder ser identificado. Será que alguém do partido da presidente iria contratar um hacker que deixa impressões digitais no local do crime? Seria muita aselhice, convenhamos.

5.     Faz sentido “difamar” Miriam Leitão, conforme está a ser alegado?
A palavra difamação parece ser forte demais. Depois da notícia decidi dar uma olhada no perfil. Talvez alguém tenha feito um contraponto ao perfil. Porque a "biografia" só pode ter sido escrita por alguém que, não tarda, ainda pede a beatificação da senhora. Ela é apresentada apenas como “a jornalista mais completa do país”. Tudo o que aparece por lá são elogios. Ninguém cita, por exemplo, que o pessoal da oposição chama Miriam Leitão pelo carinhoso apelido de “urubóloga”, por conta das suas previsões sempre catastrofistas (e, não raro, furadas).

Ah... muita gente ainda não sabe que a Wikipédia é um espaço participativo e aberto onde é possível mudar os textos. Não é crime mudar os conteúdos. Enfim, os opositores queriam um escândalo, mas estão a ter apenas um fait-divers. E aqui o governo tem culpa. Se tivesse dado a pouca atenção que o tema merece, eu talvez não teria escrito este texto hoje.


É como diz o velho deitado: “A montanha pariu um rato”.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

No tranco

POR FELIPE SILVEIRA

Acredito que uma coisa puxa outra. Vejamos a Tarifa Zero, por exemplo. Cria-se a empresa pública de transporte coletivo, que passa a oferecer o serviço público gratuito e de qualidade. A população começa a usar gradativamente. Quanto mais gente usa, maior é a cobrança pela melhoria do serviço, que provavelmente seria abraçado pelos usuários. Diminui-se a quantidade de carros nas ruas e o número de acidentes, principalmente com motoqueiros - ah, a diminuição da velocidade máxima é importante para isso. Assim, se reduz de maneira significativa os gastos com saúde pública, já que entram, todos os dias, acidentados aos montes no São José. Também se reduziriam os casos de doenças respiratórias causados ou agravados pela poluição. Com um trânsito mais seguro, mais humano, mais pessoas teriam ânimo para utilizar a bicicleta para suas atividades como trabalho e estudo, o que traria mais qualidade de vida.

Viu? Uma decisão (que não é simples), muitos avanços.

Outro caso é o do IPTU progressivo. Com uma canetada, enfrenta-se os especuladores imobiliários, reduz-se o preço do aluguel e dos imóveis, redefine-se o uso e a ocupação do solo, ocupa-se os milhares de imóveis vazios nas regiões centrais da cidade, beneficiando milhares de famílias, aproximando-as de serviços públicos como escolas e hospitais.

É claro que no atual contexto da política, decisões assim são impossíveis. Nossos políticos estão amarrados aos especuladores, aos grupos que se beneficiam economicamente dos serviços públicos, como transporte público e saúde.

Mas dá para mudar o contexto. Mais do que mudar os políticos que estão lá, e eu acho que isso é importante, é preciso se envolver com as causas, com as lutas. Não estamos muito acostumados, pois aqui em Joinville o troço é mais travado, mas mobilizações populares têm efeito, e são positivos para o povo. O aumento da tarifa, por exemplo, foi cancelado em diversas cidades nas manifestações de 2013. Assim como diversos projetos imobiliários foram barrados Brasil afora.

Dá pra citar mais um monte de exemplos. A legalização da maconha causaria impactos no tráfico de drogas. A desmilitarização da polícia diminuiria a violência por parte do Estado. Mudanças no Código Penal reduziriam a superlotação dos presídios.

Há mais um exemplo, cujas mudanças como consequência fazem ainda mais sentido. Trata-se da democratização da comunicação. Particularmente, acredito que mudanças nesse campo “puxariam” uma série de outras mudanças na sociedade, já que os importantes debates políticos chegariam à população.

Infelizmente, o contrário também funciona. Cada retrocesso puxa outros retrocessos. Mas cabe a nós tentar evitá-los e trabalhar pelos avanços.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Jabuti subiu na Cota 40

POR JORDI CASTAN

Se até o Prefeito Udo Dohler assinou a petição para que não se mexa na COTA 40, é evidente que há algo muito errado na ideia de mexer nela. A gente sabe que jabuti não sobe em toco, assim que quando apareceu na minuta da LOT, elaborada pelo IPPUJ, um jabuti chamado Cota 50, era claro que não tinha subido sozinho.

A LOT é assim mesmo. Não há nada lá que seja resultado do acaso e tudo tem um porquê. Mas o problema é que o pessoal que está mais vinculado ao setor do tijolo - e não estamos falando das olarias - vem perdendo a vergonha. Eles têm ficado mais ousados. E os jabutis começam a pipocar, ao ponto de se terem convertido numa praga. O discurso do prefeito tampouco tem ajudado a moderar os avanços vorazes sobre o solo urbano. Mas o que esse pessoal não tinha entendido é que mesmo na barbárie há limites. E a Cota 40 é um limite intransponível.

Bem que o Executivo tentou no primeiro momento olhar para outro lado, desacreditar, desconsiderar, dizer que eram insinuações, boatos e que não era nada disso. Mas o texto da minuta estava lá, para que quiser ver. 



O convite para a reunião do Grupo de Trabalho para “Estudar a COTA 40” com os carimbos e selos do IPPUJ e do Governo do Município estavam também lá. Houve quem chegasse a insinuar que só poderia se tratar de uma montagem, ignorando a ousadia dos que desejam avançar sobre a Cota 40 e aumentar os lucros das suas especulações.



Uma petição foi lançada na internet e as redes sociais começaram a mostrar a sua capacidade de organização, sua rapidez e sua capacidade de articulação. Facebook, Twitter e Blogs foram as ferramentas da mobilização. O Chuva Ácida foi o primeiro a entender que não se podia furtar a esse debate e depois seguiram os jornais. Inclusive o primeiro comunicado oficial da Prefeitura Municipal sobre o tema foi no Facebook e o próprio prefeito o colocou na sua página pessoal.



Depois Twitter, emails e em poucas horas e dias mais de 600 pessoas colocaram seus nomes na petição. O próprio prefeito inclusive utilizou sua conta em Twitter para confirmar sua posição a favor da manutenção da Cota 40.



A sociedade só acreditou na posição oficial do prefeito quando ele próprio assinou a petição que lhe será encaminhada, solicitando que “Não ousem tocar na Cota 40”. Dois alertas e meus agradecimentos.



O primeiro alerta e a estranha atitude do IPPUJ, que demorou em entender que jabuti não sobe em toco e só desembarcou da defesa da sua proposta de uma Cota 50 depois da posição oficial do prefeito. O prefeito deve olhar com atenção também os outros jabutis trepados nos tocos da LOT, porque há outros. O segundo mostra a força que as redes sociais podem ter quando se trata da defesa de temas de interesse coletivo.  A quantidade de compartilhamentos, de pessoas que passaram a conhecer a legislação que protege a Cota 40 e que passaram a participar do movimento foi surpreendente e suprapartidária. 

O meu agradecimento, primeiro aos companheiros do Chuva Ácida, que levantaram a bandeira da defesa da COTA 40 e escreveram textos sobre o tema e também geraram material para divulgar e esclarecer. E para todos os cidadãos que, de forma individual ou anonimamente, assumiram a defesa do verde urbano. Sem este verdadeiro exército de voluntários que, de forma altruísta se engajaram nesta iniciativa, a resposta não teria sido tão rápida e tão contundente. O meu agradecimento ao prefeito Udo Dohler, que entendeu que só uma mensagem clara poderia ser a resposta correta, e sua assinatura na própria petição atingiu o objetivo desejado.

Não é hora de deitar e confiar que vencemos a guerra. Esta foi só uma batalha e outras virão. A Cota 40 continua ameaçada e deveremos nos manter atentos e vigilantes.



A relação de assinantes da petição será encaminhada ao Prefeito Municipal em meio digital e a petição será formalmente encerrada hoje a meia noite. Se não assinou ainda há tempo.

Meu muito obrigado a todos.

sábado, 9 de agosto de 2014

Industry Minded em Joinville


POR GUSTAVO PEREIRA

Em 1995 o autor contemporâneo Stone, defensor do desenvolvimento sustentável, cunhou um neologismo ao afirmar que os elementos naturais necessitam ter voz,  pois somente através de uma moral coletiva é que a sociedade encontraria respostas para casos tormentosos, em que se contrapõe o utilitarismo e a defesa dos valores coletivos. Segundo Stone, Industry Minded traduz-se numa espécie de afinidade transmitida em que os agentes políticos e poder público adquirem e incorporam o modo de pensamento de agentes econômicos.

A consequência, em um país culturalmente patrimonialista como o Brasil, é que os serviços oficiais encarregados da administração pública convertem-se em feudos e panelinhas suscetíveis de pressões pelos mais variados interesses que não aqueles da sociedade, mediante concertação e relações políticas nebulosas, conflitos entre o público e o privado.

Os exemplos são inúmeros em Joinville, a começar pelo Conselho da Cidade, o nosso querido “covil”, dotado de baixíssima eficácia social. Refratários às mudanças, os Industry Minded asseguraram o controle no setor público municipal, em órgãos colegiados e buscam lançar os tentáculos em outras searas. A cota 40 tornou-se o símbolo da defesa da cidadania e a contradição dos Industry Minded.


Nos bastidores, nosso guia sonha com o aumento da arrecadação, admirando o modelo atávico de construção civil de outras cidades. Mas em público é o bom samaritano acossado a assinar a petição da Cota 40. O estilo rolo compressor dá sinais de desgastes e o pleito de outubro vai decepcionar muitos candidatos Industry Minded, esperançosos que o discurso falacioso da empulhação faça a população continuar a ter memória curta. Atenção Industry Minded, a paciência da sociedade tem limites.

Gustavo Pereira é advogado.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre anões e gigantes


POR CAROLINA PETERS

As declarações do chanceler israelense, o qual chamou o Brasil de anão diplomático, foram, a despeito de certo frisson da oposição de direita (veículos de mídia inclusos), recebidas com algum grau de altivez pelos brasileiros. Tanto que o frisson nem durou muito. Apesar da reminiscência do complexo do vira-latas, existe hoje um sentimento razoavelmente difundido entre nós de legitimidade internacional. Nossos presidentes hoje falam lá fora em língua pátria, e não mais se oferecem a falar na língua que se deseje escutar. E não é por ignorância, senão por dignidade. Nossos posicionamentos dentro da ONU têm relevância e o discurso de Dilma cobrando explicações da Casa Branca no caso de espionagem conduzido pela NSA (agência de segurança estadunidense) teve grande repercussão internacional, apesar do pouco caso da imprensa local.

Mas não vem ao caso nesse momento a imprensa local. Apesar das duras críticas proferidas na assembleia das Nações Unidas, o Brasil não aceitou o pedido de asilo de Edward Snowden. E isso diz mais sobre como estão as coisas aqui dentro do que da porta de casa pra fora.

Foi a discussão que travei há uns meses numa mesa de bar com uma estudante de RI. Ela defendia o princípio de autonomia da política externa com base em teorias das Relações Internacionais; eu pontuei que a dinâmica interna das alianças que asseguram a governabilidade do governo Dilma era, no limite, decisivo para as movimentações internacionais. Acima de qualquer teoria ou escola a que uma ou outra aderisse, nosso desacordo se dava, sobretudo, por adotarmos lugares de fala muito distintos: ela, da diplomata; eu, da militante politica.

Li um artigo interessante na edição francesa do Le Monde Diplomatique: nunca a grande imprensa, em todo o mundo, defendeu tanto o “equilíbrio” na cobertura jornalística. Uma forma sutil, elegante, de se posicionar inevitavelmente por um lado, posto que nesse conflito não existe guerra entre dois Estados Nacionais com seus exércitos, mas um massacre promovido pelo Estado Sionista sobre um povo que teve ao longo das últimas décadas suas terras e seus direitos usurpados. O quadro de mortes nesse momento marca um placar de dois dígitos do lado israelense, contra quatro dígitos do lado palestino. Nenhuma morte é menos lamentável que outra, mas estes números dão dimensão da desproporção com a qual uns declaram não mais que “se defender” (a melhor defesa é o ataque, certo?). E não só pela força bélica, mas telegramas divulgados pelo wikileaks dão conta de acordos entre Israel e Estados Unidos para minar economicamente a região e forçar a debandada do povo palestino. Defender o equilíbrio, aqui, está distante da imparcialidade.

Fomos capazes, com razão, de nos indignar com a alcunha de anões diplomáticos, mas a intervenção real do Estado Brasileiro sobre a investida criminosa do exército israelense em Gaza foi nula. Abrimos mão de nosso porte como um dos maiores compradores de armamento de Israel e nos encolhemos no canto da sala de estar da política internacional sem trabalhar efetivamente pelo cessar fogo na região. A vizinha Bolívia, com o tamanho que lhe cabe, sinalizou sua posição declarando Israel Estado terrorista e voltando a exigir vistos para a entrada de israelenses em seu território.

O que nos impossibilita uma medida enérgica do governo brasileiro de solidariedade ao povo palestino e seu direito a um Estado soberano e à paz, pressionando com medidas de embargo ao Estado Sionista não é nosso tamanho, mas nossas escolhas.

Nossa polícia mata cinco por dia favelas afora. A periferia vive em constante estado de sítio e manifestações são duramente reprimidas e prisões arbitrárias decretadas, contando com tecnologia israelense. Ontem, após semanas de campanha dos movimentos sociais, dois ativistas, destes acusados sem provas foram soltos. Há mais tantos outros inocentes encarcerados, sobretudo negros, como Rafael Braga, morador de rua preso por portar o perigosíssimo desinfetante Pinho Sol, que não contaram com a mesma comoção e seguem sem perspectiva de liberdade. Temos contas a acertar com nosso passado recente, de ditadura, e com nosso presente. A Palestina também é aqui.